Ainda em tempo por Cynthia Zaclis Rabinovitz

Por incrível que pareça, no meio deste triste contexto atual, quando o conflito no Oriente Médio adquire a atenção principal da mídia e das pessoas e uma onda de manifestações antissemitas eclodem no mundo e até no Brasil, tenho conseguido extrair algo de positivo para mim.

Sou uma privilegiada, pois tenho por perto muitas pessoas que são respeitosas, carinhosas, abertas e interessadas. Pessoas empáticas que têm se permitido enxergar dois ou mais lados, que não se consideraram as donas da verdade. Que me questionaram com respeito e que tiveram a real intenção de escutar, de entender e de compreender visões diferentes daquelas que tinham como absolutas e que são, muitas vezes, deturpadas através das vias de acesso.

Pessoas que têm entendido que não existem vilões, heróis, maniqueísmo, preto e branco. Que tudo é mais complexo. Que temos obrigação de nos aprofundar antes de emitir opiniões, principalmente julgamentos preconceituosos a situações, atos, países, líderes, povos e pessoas. Que antes de conceber qualquer conceito, precisa-se de muita análise e de aprofundamento de fatos e informações.

Eu tenho aprendido muito com cada “troca” off-line e online que estou tendo. Equilíbrio, empatia, sensibilidade, conhecimento, discernimento, tranquilidade e ponderação são conceitos fundamentais para ajudar neste processo em prol de alguma chance de paz. Claro que nem tudo são flores e algumas exceções apareceram. Na verdade, foram duas manifestações que me chamaram a atenção negativamente por terem mostrado desconhecimento, ignorância histórica e, porque não dizer, o tal “antissemitismo enrustido”.

Uma delas partiu de uma conhecida minha quando fez sua sugestão: “Por que vocês judeus não procuram algum outro deserto e reconstroem o país de vocês? Vocês judeus possuem esta capacidade de estar sempre reinventando, se reconstruindo…. Então? Aproveitem esta qualidade. Vocês conseguiriam começar tudo do zero novamente”. E a outra manifestação veio de outro conhecido que afirmou que o que estava acontecendo agora seria consequência da terra que os judeus haviam, roubado dos palestinos.

Eu poderia ter perguntado a esta minha conhecida se ela teria alguma sugestão de algum deserto desocupado onde pudéssemos começar tudo de novo ou se ela ficaria satisfeita se fossemos procurar um lugar em Marte. Poderia também ignorar a afirmação simplista e vazia de conhecimentos do meu outro conhecido. Porém, em nome do que escrevi no primeiro parágrafo do meu artigo, resolvi fazer diferente e transmitir um pouco de dados históricos. Vamos lá:

Quando o Império Romano conquistou Jerusalém, destruiu o 2º Templo e expulsou os judeus de Israel, a grande maioria se espalhou pelo mundo (Diáspora), mas muitos permaneceram naquela região até a era moderna. Alguns foram retornando no decorrer de todos estes 2.000 anos. Uma grande leva retornou no final do século XIX e o ápice da imigração se deu com a Fundação de Israel. Porém, enfatizo, muitos judeus nunca saíram da região. Havia judeus na Palestina, assim como havia em todo o território Árabe, que ficou sob o domínio do Império Romano, em seguida dos gregos, do Império Bizantino, do Otomano e depois dos ingleses. Por isso, é muito importante saber que havia Palestinos-árabes e Palestinos-judeus habitando a Palestina, que era uma região geográfica.

Sobre os judeus que se dispersaram pelo mundo, dependendo da época, do local e do governo, eles conseguiram ter os mesmos direitos do restante da sociedade e puderam viver em liberdade. Como foi o caso da época do Império de Napoleão Bonaparte, na França. Infelizmente, porém, nem sempre foi assim. Na grande maioria das vezes, os judeus foram impedidos de praticar sua religião, foram perseguidos, expulsos e aniquilados. A Inquisição na Península Ibérica, os “pogroms” na Europa Oriental e o Holocausto durante a 2a Guerra são alguns exemplos.

A minha família, particularmente, chegou ao Brasil no inicio do século XX, antes do Holocausto, vindos de países da Europa Oriental, fugindo dos “pogroms” (perseguições violentas patrocinadas pelos czares da Rússia). Por isso, tenho origem Ashkenazi. Meu bisavô paterno, por exemplo, chegou ao Brasil com uma mão na frente e a outra atrás em busca de alguma perspectiva de vida já que a situação na Europa estava insustentável por conta das perseguições. Trabalhou dia-e-noite como sapateiro, que era seu ofício na Europa.

Quando conseguiu juntar dinheiro, mandou as passagens de navio para minha bisavó e para os seus cinco filhos (entre eles meu avô). Sem falar a língua, com muito esforço, reconstruiu sua vida aqui no Brasil. Seus filhos continuaram e, de geração em geração, todos estudaram, trabalharam e prosperaram. Sou a 4a geração de pessoas que, apesar de terem sido “refugiados”, nunca se apropriaram desta condição.

Faço uma pausa aqui para agradecer ao Brasil, país onde nasci, onde meus filhos nasceram. País que nos recebeu com acolhimento e que nos permitiu estudar, trabalhar e prosperar dentro de um contexto de liberdade. Tenho amor e carinho por minha pátria, contribuo com as causas locais e tudo o que eu mais quero é poder continuar vivendo aqui dentro de um contexto de respeito e de liberdade.

Assim como minha família, incontáveis são os casos de judeus, em tantas diferentes épocas, que foram “refugiados”, mas ao invés de se apropriarem desta condição, reconstruíram suas vidas, começando do zero. Muita batalha, muita luta, muito esforço, mas, o mais importante, se preocupando em construir suas vidas e não pensando em terror e na destruição e morte daqueles que os expulsaram e aniquilaram.

Depois do Holocausto, quando seis milhões de judeus foram exterminados, os judeus tiveram a possibilidade de ter um território para si a partir da resolução da ONU que previu a divisão da região em dois países: um judeu e um árabe. Infelizmente, os países árabes não aceitaram esta partilha e iniciaram uma guerra contra Israel no dia seguinte à resolução da assembleia da ONU, que foi presidida pelo brasileiro Oswaldo Aranha.

Com a guerra da Independência, na qual Israel teve que defender seu recém-criado direito de existir como nação, iniciaram-se as hostilidades. Os palestinos-árabes tiveram que sair de Israel como refugiados e os judeus que habitavam os países árabes também tiveram que abandonar estes países (vejam só: refugiados palestinos e refugiados judeus).

Tudo poderia ter sido diferente, mas foi assim que aconteceu. Como consequência, durante estes quase 70 anos, os palestinos não conseguiram ter seu país, não foram recebidos com dignidade em nenhum dos 22 países árabes (em muitos destes países foram inclusive dizimados) e vivem, ainda, como refugiados nos territórios de Gaza e Cisjordânia, que não são mais ocupados por Israel, onde são liderados por grupos extremistas terroristas.

Neste meio tempo, Israel construiu um país a partir do zero, numa região de deserto que não tem água nem petróleo. Nada veio do céu. Israel é hoje um país desenvolvido, democrático, livre e próspero. Teve ajuda, claro. Porém, utilizou esta ajuda para construir, prosperar e devolver benefícios para a humanidade através de desenvolvimentos, pesquisas, etc.

Neste momento, um conflito triste permeia novamente o Oriente Médio, no qual o povo árabe-palestino é refém de um grupo terrorista. Eu lamento muito pelos palestinos, pela morte de civis e por tanto sofrimento. Lamento que, mesmo após 70 anos, continuam na condição de refugiados, permitindo que líderes extremistas os conduzam, inclusive como escudos-humanos, para um objetivo tão negativo que é a destruição do único Estado judaico. Lamento que perderam inúmeras chances de usar energia e recursos para construir seu país.

Termino dizendo que ainda dá tempo. Sempre é tempo. Eu acredito na paz e a desejo muito. Porém, há que se aprender a conviver, há que se aceitar Israel, pois Israel continuará, sim, a existir. Os judeus não irão para Marte e para nenhum outro deserto. Não abrirão mão da existência e nem da segurança de seus habitantes.

Faço um apelo aos líderes dos árabes palestinos para baixarem as armas e darem demonstrações claras de que Israel será aceito e de que sua população poderá viver em paz e segurança. Todos verão que estas demonstrações serão diretamente “proporcionais” à construção de uma sociedade árabe-palestina digna e de um país tão sonhado que, assim, poderá viver de forma próspera e harmoniosa, ao lado de Israel.

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