Postado por Jayme Fucs Bar em 22 de Junho de 2009 às 10:33am
Crise e perspectivas do judaísmo secular
Bernardo Sorj*
Como é possível que o judaísmo secular, que foi a principal força do judaísmo do século
XX, desenvolvendo a cultura Yddish e permitindo o surgimento do sionismo e a criação
do estado de Israel, esteja entrando no Século XXI na defensiva. Para responder esta
questao devemos, como ponto de partida, lembrar que, como movimento social, não
existiu nem existe um judaísmo secular, mas movimentos sociais e intelectuais no
interior do judaísmo secular, e estes movimentos hoje estão em crise.
O que unifica os indivíduos seculares democráticos (a modernidade conhece formas de
secularismo não democrático, como o fascismo ou o comunismo) é uma visão de mundo
que dissocia o poder religioso do poder político a partir de valores de respeito a
liberdade de consciência individual, a tolerância e a diversidade de crenças. Ser secular
define os fundamentos sobre as quais deve dar-se a sociabilidade dentro de uma
sociedade moderna democrática, mas não identifica nenhum objetivo específico para a
ação social dos indivíduos ou grupos. Somente em certas circunstancias históricas, em
particular quando se trata de defender a propria existência de uma sociedade secular, a
luta pela secularização se constitui num movimento social, como nos paises onde a
igreja era poderosa (em varios paises da Europa ou no México), ou hoje em Israel, onde
a religião e os grupos religiosos colonizaram parte do estado.
No judaísmo moderno a secularizacao afetou tanto crentes e não crentes em deus, e
ambos procuraram alternativas ao judaísmo ortodoxo. Os judeus crentes, em geral de
orientação liberal, optaram por reformular as praticas e discurso religioso radicional
aceitando os valores da modernidade: a liberdade de consciência, o pluralismo, a
tolerância, e a democracia. Os grupos seculares ateus (em particular aqueles associados
á tradição marxista tinham no seus programas um componente ateu militante) ou
agnósticos, tiveram no sionismo (nas maiorias de suas tendencias e principais
personalidades, desde o liberal Hertzl, pasandol pelo nacionalismo chauvinista de Zeev
* Professor titular de Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro e diretor do Centro
Edelstein de Pesquisas Sociais (besorj@attglobal.net).
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Javotinsky ao marxismo-leninismo de Meir Yaari) e no bundismo seus principais canais
de expressão. Embora numa perspectiva sociológica pode-se argumentar que estes
movimentos constituíam religiões seculares, podemos seguir os senso comum e
diferenciar entre ideologias e movimentos seculares (não teistas) e religiões
secularizadas (teistas), como os conservative e reformist). Esta opinião é compartilhada
por Ruth Calderon1 ”Unlike what is commonly accepted, it is not the relationship with
God that separates secular and religious Jews. I tend to define the secular Israeli as a
non-halakhic Jew, a definition embodying a wide range of secularity. It includes
complete atheists, those with a more traditional approach, and those who experience a
Divine presence in their lives but do not accept rabbinical authority or belong to a
formal congregation or observe the commandments. Religious people are also far from
constituting a monolithic community. Various liberal trends make it possible to interpret
customs and ceremonies in new ways.”
O judaísmo secular nunca foi, pelo menos ate hoje, um movimento social unitario, nem
constitiu ele uma clara identidade coletiva na atualidade, isto é, um movimento social
capaz de gerar um sentimento de comunidade relativamente fechada, delimitada por
sistemas de crenças e/ou ideologias comuns, com instituições responsáveis pel
manutenção da unidade, homogeneidade e reprodução do conjunto. Isto é. para se
constituir em um movimento social os judeus seculares precisam de um cimento
comum, de uma causa, ideologia, valores -como no seu momento foi a criação do estado
de Israel ou a defesa da cultura Yddish- que os unifiquem a pesar de suas diferenças
individuais. Mas, no momento, o que existe hoje são judeus seculares, isto é indivíduos
isolados, cada um definindo e escolhendo aqueles aspectos da cultura judia que são
relevantes para ele, na base de duvidas constantes, das mais variadas experiências e
constante inestabilidade- ja que o asesgura a estabilidade sao consensos coletivos que
limitam a dissonancia cognitiva e homogenizam os discursos.
Os judeus seculares contemporaneos estao associados a um judaísmo profundamente
instável, por falta de instituições capazes de dar-lhes uma unidade a traves da
elaboração de um denominador comum. Isto faz que os judeus seculares, embora
1 “We enter the Talmud barefoot”, http://www.culturaljudaism.org/ccj/articles/26
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majoritários em Israel e na diáspora, sejam particularmente frágeis quanto a
institucionalização de seu judaísmo. Os judeus seculares são maioria no povo judeu,
mas minoria nas instituições comunitárias. Em particular a intelectualidade judia esta
totalmente afastada, na sua grande maioria, da vida ativa das instituições judaicas, que
aparecem como conservadoras, quando não reacionárias.
O sentimento de judeidade do judeu secular se expressa geralmente em termos de uma
vontade de dar continuidade a memória de pais ou avos, uma solidariedade com outros
judeus que possam ser perseguidos ou em perigo, mas não encontra expressão simbólica
ou ideológica clara. Assim seria mais rigoroso indicar que a maiora do povo judeu está
constituida por judeus confusos, no sentido de que são pessoas que se sentem judias não
ortodoxas, mas não conseguem definir claramente o sentido deste sentimento. Porque?
Porque como comentamos anteriormente, as ideologias que no século XX permitiam dar
expressão ao sentimento do judeu secular entraram em crise.
Os dois pilares sobre os quais se construiu o judaísmo secular não religioso foram o
socialismo e o sionismo, promovendo ambos uma visão renovada da historia judia. Não
é preciso comentar a crise do socialismo, e, no que se refere ao sionismo ele realizou o
sonho, e, no momento, Israel perdeu o atrativo que tinha antes da criacao do estado e
nas suas primeiras decadas. na época pioneira (minha geração ainda se alimentou da
força mística da noção de chalutz, hoje incompreensível para os jovens).
O judaísmo secular esta intimamente ligado a a uma visao histórica do povo judeu e a
reconstituicao do mesianismo. A propria historia judia, como disciplina de
conhecimento, é produto do judaísmo secular. Ambos pilares hoje estao em crise.
Vivemos um periodo de descredito da ideia do progresso e de temor e incerteza sobre os
ventos da historia. Hoje as novas gerações não encontram um sentido particular seja na
historia em geral e na historia judia em particular. No lugar de Historia com maiuscula
cada um se refugia na subjetividade e procura construir sua propria estoria individual. O
messianismo secular entrou em crise com a desintegracao das grandes ideologias
politicas.
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O que está faltando? O que pode funcionar como um aglutinador e estabilizador da
identidade judaica secular? A resposta é simples: uma causa ou objetivos comuns e/ou
estruturas institucionais profissionais ou voluntárias, responsáveis pela
organização/reprodução coletiva.
Como e quando o judaísmo secular voltará a produzir movimentos sociais capazes de
renovar o judaísmo? Se alguma certeza podemos ter é que o futuro é imprevisível e que
nunca é uma repetição do passado. O processo de reconstrucao do judaismo secular nao
sera a obra de intelectuais individuais. Estes podem contribuir realizando diagnosticos
dos percursos do passado que possam ajudar a elaborar novas visoes do futuro.
Podemos, no melhor dos casos, identificar algumas tendências no interior do judaísmo
que podem ajudar a atuação dos indivíduos e grupos de judeus seculares neste período
de transição histórica. A nossa contribuicao principal é quebrar os dogmas e camisas de
força intelectual que foram andaimes do judaismo secular no seculo XIX, mas que hoje
sao barreiras para seu desenvolvimento.
1) O novo judaísmo secular será produto de um dialogo critico com o judaísmo religioso
secular, e em geral com a culutral judia redligiosa milenar. Não é casual que o principal
movimento do judaísmo secular, representado pelo rabino Sherwin Wine, partiu de
alguém formado na tradição religiosa liberal.
2) O ateísmo ou agnosticismo não preenchem as necessidades emocionais de dar sentido
a vida. Eles motivaram geracoes que acredtivam no poder da ciencia, da razao e o
progresso num periodo historico em que a religiao tinha poder politico e se confrontava
com os valores da modernidade. O ateismo e o agnoticismo continuam mas em geral
nao motivam para a acao coletiva, nem respondem as necessidades de producao de
sentido e de movilizacao coletiva.
3) O antisemitismo e a solidariedade frente a perseguicoes de judeus continuará a ser
um dos cimentos da identidade judia. Mas o antisemitismo nao pode continuar sendo
presentado como um destino ineluctavel, nem ser associado, implicita ou
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explicitamente, a um discurso/sentimento que separa em forma viceral o judeu do nao
judeu.
4) O Estado de Israel deverá ser um dos pilares do judaismo secular, tanto pela
criatividade potencial de criacao de uma cultura judia secular pelos israelies, como pela
identificacao com o Estado de Israel pelos judeus da diaspora. Infelizmente o conflito
arabe-israeli deformou o proceso de identificacao da diasoira com Israel em torno a
guerra e atrasou o processo de constituicao de um judaismo secular no estado de Israel.
5) A importancia do estado de israel no deve obliterar que os judeus seculares enfrentam
problemas diferentes na Diáspora e em Israel. Em Israel existe um motivação e um
objetivo comum que unifica os judeus seculares: a luta contra a teocratizacao do Estado
de Israel. Na diáspora esta motivação não existe. Por sua vez no Estado de Israel temas
relativos da tradição judaica de uma forma u outra estão presentes no sistema
educacional e no dia a dia da vida do pais. Mais complexo ainda é a questão da
definição de quem é judeu. Em Israel, a causa da lei do retorno, ela define o direito a
cidadania, mobilizando interesses econômicos e políticos que não existem na diáspora.
Na diáspora por sua vez as culturais são muito diferentes afetando os conteúdos do
judaísmo secular. Sendo efetivamente pluralista o judaísmo secular só tem a ganhar
desta diversidade, mesmo reconhecendo que ela possa gerar tensões.
6) Finalmente, sabemos que o judaísmo é um criação geracional. Mais ainda nos tempos
modernos. As primeiras geração de judeus seculares se construíram como uma reação
aos pais, que ‘tinham como referencia um judaísmo ortodoxo, com valores rígidos que
não respondiam aos desafios e expectativas do mundo moderno. Uma boa parte dos
jovens judeus seculares na atualidade não tem nenhuma referencia clara do judaísmo a
partir ou contra a qual definir objetivos. Embora o novo judaísmo secular será
fundamentalmente uma resposta das novas gerações, com propostas adequadas ao novo
contexto histórico, a geração que está saindo de cena tem uma responsabilidade de
apoiar e facilitar e apoiar esta transição, pois se não temos uma proposta clara para
oferecer nem um modelo contra o qual deva-se reagir, podemos transmitir um legado
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cultural, reconhecendo que o testamento será escrito por aqueles que se disponham a
assumir a herança da tradição judaica secular.
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