GESTÃO HUMANIZADORA EM PEDAGOGIA DO OPRIMIDO MIGUEL, Igor da Silva – FAE/CBH/UEMG Resumo O presente artigo tem como objetivo uma reflexão dinâmica a partir da obra “Pedagogia do Oprimido” de Paulo Freire. A idéia é extrair da pedagogia libertadora princípios norteadores em resposta à demanda de uma gestão humanizadora, no contexto da globalização e do neoliberalismo econômico. O texto conceitua a gestão em dimensão técnica, oficial e ampla, finalmente isolando o gestor e sua capacidade básica: a liderança. Palavras-chave: Gestão; educação; liderança; pedagogia libertadora; gestão escolar; aprendizagem; globalização; Paulo Freire. Abstract This article has as goal a dynamic reflecting since the Paulo Freire’s work called ‘Pedagogy of Oppressed’. The objective is retrieving from his pedagogic approach some principles that could help to produce a more humanized manangement in a neo-liberalist economy and globalized world. This text defines management in technical, official, abroad sense and finally set a part the manager and his/her basic skill: the leadership. Key-words: Management; education; leadership; school management; learning; globalization; Paulo Freire. I. Introdução Há um número significativo de obras e artigos acadêmicos que definem a gestão associada à organização, administração, direção ou gerenciamento. O termo, ao menos conceitualmente, enraíza-se na idéia de management de Henri Fayol (1949), que classificava ao menos cinco etapas básicas da gestão: planejamento, organização, direção, coordenação e controle. Ele demonstrou – o que mais tarde outros teóricos da gestão também fizeram – o caráter racional do processo produtivo. O que significa que a operacionalização da estrutura produtiva não se dá ingenuamente, ao contrário, articula-se pela intencionalidade de seus agentes, que sob um planejamento estratégico, trabalham tendo em vista um produto (ou resultado) final . Atualmente o termo gestão sofre uma ampliação de significado, agora associada à organização e articulação das potencialidades humanas, à sinergia da capacidade produtiva e operacionalização estratégica da equipe de trabalho. Não há como discutir a gestão sem destacar seu principal agente, o gestor. O gestor é o responsável pelo posicionamento, organização e direção estratégicas das potencialidades humanas (ou dos recursos humanos) envolvidas na produção. Especificamente, quando a gestão insere-se em uma dinâmica que lida com o elemento humano, não há como abordá-la a partir de um produto quantitativamente mensurável. Nesse caso, deve-se pensar em uma gestão que lida com resultados subjetivos e de difícil quantificação. No caso da educação , que tem fins formativos, esse processo sui generis é chamado de gestão educacional, que como se segue, é: [...] uma dimensão e um enfoque de atuação que objetiva promover a organização, a mobilização e a articulação de todas as condições materiais e humanas necessárias para garantir o avanço dos processos socioeducacionais dos estabelecimentos de ensino, orientados para a promoção efetiva da aprendizagem pelos alunos, de modo a torná-los capazes de enfrentar adequadamente os desafios da sociedade globalizada e da economia centrada no conhecimento. Por efetiva, entende-se, pois, a realização de objetivos avançados, de acordo com as novas necessidades de transformação socioeconômica e cultural, mediante a dinamização da competência humana, sinergicamente organizada (LÜCK, 2000, p.7). A definição apresentada por Lück vincula a gestão aos agentes educativos (a escola e outros), que são formalmente posicionados para promover a formação educacional. A gestão escolar ou educacional, nesse caso, caracteriza-se pela canalização de todo aparato humano e material em favor da eficiência dos processos de ensino e aprendizagem. Em outras palavras, a gestão educacional diferencia-se da gestão convencional por orientar-se pelos processos e não pelo produto ou por um resultado quantificável. Nesse ponto levantam-se as seguintes perguntas: O que se espera de um gestor nesse contexto? Quais são as características e habilidades esperadas? Pazeto (2000, p.166) discute: o alinhamento da missão e das políticas da instituição e o desdobramento dos programas pelos atores nos diversos segmentos requerem dos gestores sólida formação em liderança e capacidade de coordenação na implementação do projeto. A gestão centrada na coordenação e na liderança e a conjugação de esforços no desenvolvimento do projeto institucional constituem fatores de eficácia e de relevância dos programas da instituição, em relação aos seus propósitos ante a comunidade externa. O gestor educacional é o sujeito da ação (agente) cuja formação compõe-se de pelo menos duas competências básicas: liderança e coordenação. Destas habilidades depende a direção das potencialidades humanas em favor do processo educativo. Ao menos, são essas as características que se deseja encontrar em um gestor educacional. A liderança é uma competência vital para o funcionamento da gestão. Pode-se dizer que a gestão não existe sem liderança. Afinal, liderança – no contexto da gestão – é a habilidade de mobilizar, direcionar e capacitar as potencialidades humanas em favor de uma ação específica. Atualmente, sabe-se da existência de estruturas institucionais que querem dinamizar-se e globalizar-se, mas contraditoriamente, permanecem sob modelos administrativos lineares, hierarquizados, burocráticos e impessoais. Tal combinação resultou no enrijecimento da força produtiva e, conseqüentemente, na demanda por um novo paradigma de gestão, algo que leve em conta o capital humano, a cooperação, as relações horizontais de trabalho, o diálogo e a flexibilidade. Em outras palavras, as instituições estão à procura de um modelo de liderança mais humano e menos mecânico. Essa demanda está presente especialmente no caso de instituições educacionais, que obviamente, dependem de relações intersubjetivas e da agregação do trabalho. A partir daí, as seguintes dúvidas são levantadas: Onde buscar orientação para a formação de um líder sob a égide de uma gestão humanizadora? E que orientações são essas? II. Os pressupostos paulofreireanos Para responder às perguntas acima mencionadas, esta reflexão concentra-se na filosofia da educação, epistemologicamente orientada por um de seus principais porta-vozes no Brasil e no mundo: Paulo Freire. A hipótese é que em sua pedagogia dialógica e libertadora, Paulo Freire fornece princípios filosóficos e ideológicos, substancialmente aplicáveis ao contexto de uma gestão humanizadora. Com esse objetivo, adotou-se como texto base, sua obra clássica Pedagogia do Oprimido (FREIRE, 1997). O que se pretende, enfim, é levantar da referida obra – respeitando sua singularidade temporal – os elementos discursivos que podem contribuir para uma gestão libertadora e humanizadora, diante dos “modernos” modelos de organização. Mas, qual é a idéia básica de liderança em Paulo Freire? Como ele define um líder? Quais são as características básicas de um líder crítico e libertador? Há espaço para a elaboração de uma gestão dialógica em Paulo Freire? Como essas perguntas são respondidas, se é que são respondidas, em sua obra Pedagogia do Oprimido? 2.1 Raízes de uma gestão libertadora O postulado de Paulo Freire (1977) sobre liderança, baseia-se na contradição dialética entre o líder autoritário e o líder revolucionário, traduzido na relação oprimido-opressor, que permeia todo sua obra. O líder revolucionário é aquele que se envolve profundamente em uma pedagogia humanizadora, enquanto o autoritário está comprometido por e pela lógica opressora de sobreposição “coisificante ”. Seu poder alimenta-se da opressão e do esvaziamento de qualquer humanidade daquele que lhe é “sujeito”, esgotando-o de sua subjetividade e valores, desqualificando-o do status quo de homem, de humanidade. A pedagogia humanizadora envolve uma mudança nas relações educacionais, que nesse caso, descentraliza a figura do professor e liberta o aluno da condição de objeto da dinâmica educativa. Essa nova estrutura entre mestre e aprendiz, sustenta-se por uma educação, chamada por Paulo Freire (1977), dialógica. Essa pedagogia ocorre quando ensinar e aprender sustenta-se basicamente pelo diálogo, pela construção coletiva do conhecimento. Nesse caso, não há saberes ilegítimos e nem sabedores legitimados, todos trazem de sua experiência humana “temas geradores” que permitem produzir novos conhecimentos. Paulo Freire (1977) re-conceitua o significado de método, que para ele, não deve ser definido como um instrumento de manipulação ou mecanismo técnico de controle do sujeito. Ao invés disso, propõe – pode-se interpretar – que o ‘caminho para’ envolve a consciência ou a intencionalidade daqueles que estão envolvidos na relação docente-dicente. Especificamente, Freire propõe um método não-diretivo que seja dialogicamente articulado, algo que ele mesmo nomeia de co-intencionalidade. Com isso, a Pedagogia Libertadora propõe um método que nasce no ou do diálogo (professor-aluno / líder-liderado), algo que seja co-produzido. Tal conceito contribui ricamente aos modelos modernos de gestão que valorizam o trabalho em equipe e a cooperação. Além disso, o diálogo possibilita a permuta de saberes subjetivos, tornando as relações produtivas mais humanas, com “cara de gente”, o que supera os métodos frios, verticalizados e artificialmente impostos. São intervenções metodológicas produzidas pela coletividade (equipe), em uma relação humanamente dialógica, como Freire (1977, p.61) mesmo destaca: Educador e educandos (liderança e massa), co-intencionados à realidade, se encontram numa tarefa em que ambos são sujeitos no ato, não só de desvelá-la e, assim, criticamente conhecê-la, mas também no de re-criar este conhecimento. Em uma gestão humanizadora todos atuam e assistem concomitantemente a um determinado fim. Há intencionalidade do líder-educador e dos liderados-aprendizes. Ações cooperadas, críticas e criativas substituem a inconsciência ingênua e a alienação. Vale destacar ainda, que o diálogo também possibilita a re-criação do conhecimento, o refluxo e o re-processamento dos saberes produzidos. Paulo Freire (1977, p. 74-75) questiona a mecanicidade dos modelos tradicionais de liderança, acusando-os de necrófilos, pois persistem em transformar o ‘orgânico em inorgânico’, o humano em coisa. Em suas palavras: A opressão, que é um controle esmagador, necrófila. Nutre-se do amor à morte e não do amor à vida. A concepção “bancária”, que a ela serve, também o é. No momento em que se funda num conceito mecânico, estático, especializado da consciência e em que transforma por isto mesmo, os educandos em recipientes, em quase coisas, não pode esconder sua marca necrófila. Não deixa mover pelo ânimo de libertar tarefa comum de refazerem o mundo e de torná-lo mais e mais humano. Como será elucidado mais adiante, Paulo Freire escreve em um contexto em que as estruturas institucionais – em específico na América Latina – funcionam em uma lógica tradicional-tecnicista, permeadas por relações de controle, que se traduzem em exaustivos trâmites burocráticos. Em tom de paixão, ele descreve tais estruturas como “esvaziadoras”, ditadoras do saber, que não permitem o pensar criativo e tratam seus sujeitos como caixas vazias a serem ocupadas por conteúdos, muitas vezes sem quaisquer significados para quem os recebe. Tais estruturas em stricto sensu são catalisadoras da privação, não permitem a ação e a reflexão coletiva, afinal legitimam uns em detrimento de outros. O homem envolvido na organização mecânica (inorgânica) sofre e frustra-se ao ver amputada sua capacidade de ação e reflexão sobre a realidade. Se essas estruturas são tão danosas, e artificialmente elaboradas, pois não levam em conta o coletivo humano envolvido no processo, só lhes cabe o veredicto de serem estruturas necrófilas. Paulo Freire critica a idéia de produção de saberes (estratégias, conhecimentos e ações) em via de mão única. Ele questiona justamente um tipo de ditadura do saber “oficial”, que ao ser transmitido sem levar em conta aquilo que seus liderados já possuem de conhecimento, deslegitima-os como sujeitos. Essa “educação bancária ” (1977) tem como uma de suas piores conseqüências a alienação ou a marginalização dos verdadeiros sujeitos do processo produtivo. Sob influência do conceito marxista de alienação Paulo Freire (1977, p.146) assevera que: Não é possível à liderança tomar os oprimidos como meros fazedores ou executores de suas determinações; como meros ativistas a quem negue a reflexão sobre o seu próprio fazer. Os oprimidos tendo a ilusão de que atuam, na atuação da liderança, continuam manipulados exatamente por quem, por sua própria natureza, não pode fazê-lo. Por isto, na medida em que a liderança nega a práxis verdadeira aos oprimidos, se esvazia conseqüentemente, na sua. Tende, desta forma, a impor sua palavra a eles, tornando-a, assim, uma palavra falsa, de caráter dominador. Instala, com este proceder, uma contradição entre seu modo de atuar e os objetivos que pretende, ao não entender que, sem o diálogo com os oprimidos, não é possível práxis autêntica, nem para estes, nem para ela. Sua crítica dirige-se à liderança que priva seus liderados de suas capacidades, conduzindo-os a um esvaziamento reflexivo, tornando-os oprimidos ativistas e não sujeitos de uma práxis pensada. A idéia básica resume-se pela seguinte máxima: uma ação sem reflexão é ativismo alienante, e a reflexão sem ação é idealismo estéril. Quando o líder opressor ordena que seus liderados sigam irrestritamente suas ordens , faz com que eles se comportem como meros técnicos ou operadores de instruções diretivas, ao invés de incentivá-los a tornarem-se agentes criativos. Nesse contexto, o liderado não é “ator” e nem “agente” da realidade, é “sujeito” em sentido “paulofreireano”. Paulo Freire (1977) ironicamente adjetiva o substantivo “sujeito”, resgatando sua raiz latina – subietcu – com o sentido de posto debaixo, o que se submete, escravo, explorado, em um status inferior ou cativo (OXFORD, 1968), ao fazer isso ele demonstra que o próprio termo “sujeito” já é carregado da idéia de exploração, domínio, controle e opressão. Baseado nessa definição, libertar o aprendiz dessa condição de sujeito significa, ensinar-lhe o diálogo e a problematização como princípios fundamentais para a superação da mecanicidade de relações exploratórias que lhe furtam a dignidade. A dialogicidade é o princípio revolucionário da superação do dualismo “oprimido-opressor”, em que cada qual percebe que hospeda um sentimento desumanizador que persevera em domesticar os homens, sujeitando-os à condição de “objeto”. Por isso a necessidade de uma gestão libertadora, que é basicamente uma gestão dialógica. 2.2 Liderança revolucionária O senso comum poderia pressupor que a gestão dialógica opera sob um princípio anárquico, porém, ao contrário, ela é norteada por um princípio ético presente em toda obra de Paulo Freire: a presença da autoridade sem autoritarismo e a libertação sem licenciosidade. Nesse ponto introduz-se a idéia de liderança revolucionária: Daí que não possa a liderança dizer sua palavra sozinha, mas com o povo. A liderança que assim não proceda, que insista em impor sua palavra de ordem, não organiza, manipula o povo. Não liberta, nem se liberta, oprime. O fato, contudo, de na teoria dialógica, no processo de organização, não ter a liderança o direito de impor arbitrariamente sua palavra, não significa que deve assumir uma posição liberalista, que levaria as massas oprimidas – habituadas a opressão – a licenciosidades. A teoria dialógica da ação nega o autoritarismo como nega a licenciosidade. E, ao fazê-lo, afirma a autoridade e a liberdade. Reconhece que, se não há liberdade sem autoridade, não há também esta sem aquela. (FREIRE, 1977, p. 210). Para o autor não se liberta uma pessoa familiarizada com a lógica opressora, por meio de uma liderança liberalista e frívola, o que a conduziria inevitavelmente ao ativismo inconsciente, à irracionalidade ou ao que ele chama de licenciosidade. Ao contrário, a máxima seria: é da natureza da liberdade a autoridade e é da natureza da autoridade a liberdade. Então, como uma gestão libertadora e dialógica aborda a autoridade? Na perspectiva de pedagogia do oprimido a liderança e os liderados (povo) “[...] fazem juntos o aprendizado da autoridade e da liberdade verdadeiras que ambos, como um só corpo, buscam instaurar, com a transformação da realidade que os mediatiza [...]” (FREIRE, 1977, p.211). Paulo Freire (1977) destaca o mundo ou a realidade como objeto mediatizador , que desafia líderes e liderados. Nessa dinâmica o líder vê-se parte integrante da totalidade, compondo a unidade de interventores. Ele mesmo aprende com seus liderados e é um sujeito aberto às mudanças e à permuta de saberes. O que põe fim a idéia de líder detentor do saber e que assume uma postura diretiva a seus liderados (aprendizes). Na introdução viu-se que a gestão é de natureza teleológica, ou seja, ela tem um fim, um objetivo. Por isso articula organicamente uma estrutura humana tendo em vista um escopo, um resultado. O desafio de transformar uma realidade dada é incorporado como uma missão corporativa – um só corpo nas palavras de Paulo Freire – onde o grupo se move em favor das mudanças necessárias. Naturalmente, na ação dialética sobre a realidade (trabalho), muito conhecimento é produzido e compartilhado. Nesse ponto, é fundamental uma rede de informações acessíveis. Munidos de conhecimento, líder e liderados, incidirão à realidade munidos de conhecimento. Assim, haverá um processo cíclico e coletivo de transformação. Em que todos são sujeitos e agentes da práxis, e não técnicos marginalizados. Importante afirmar que o centro da pedagogia libertadora, não é o “produto objetivo”, mas, os sujeitos. Nesse ponto reside a mudança de paradigma. O sucesso da produção objetiva é resultado da centralidade do humano, da libertação dos sujeitos que vêem seu reflexo no trabalho. O líder revolucionário não é o detentor da produção cultural. A imposição de uma suposta superioridade intelectual, nas palavras de Paulo Freire, acaba por absolutizar a ignorância. A absolutização da ignorância é a imposição ou decreto, de que o outro não sabe, que não possui conhecimento de valor e que seus saberes não são legítimos. A relação do líder revolucionário com seus aprendizes procura: “... dialogar com elas para que o seu conhecimento experiencial em torno da realidade, fecundado pelo conhecimento crítico de liderança, se vá transformando em razão da realidade” (FREIRE, 1977, p.157). 2.3 Gestão humanizadora e gestão atual Ler as obras de Paulo Freire produzidas em exílio, exige uma postura hermenêutica que seja simultaneamente histórica e dinâmica. Entende-se por hermenêutica histórica aquela leitura interpretativa que respeite as circunstâncias históricas em que um determinado texto foi produzido. O desrespeito a esse princípio acarretaria inevitavelmente em uma leitura anacrônica da referida obra. Uma compreensão adequada da obra Pedagogia do Oprimido deve respeitar esse princípio. Afinal, Paulo Freire escreveu sua obra em um contexto cultural e político sui generis. O tom radical de suas sentenças reflete um tempo de repressão, exílio e alienação política. Seu escrito é um desabafo a um sistema mecânico, desumano e burocrático que se mantém pelo movimento opressor-oprimido. Moacir Gadotti (2000, p.101) destaca a importância do contexto histórico na compreensão da produção cultural de Paulo Freire: [...] o quanto foi importante para a constituição da sua teoria do conhecimento a leitura do contexto onde nasceu e viveu – o Nordeste brasileiro – sobretudo na década de 50 e o contexto latino-americano – o exílio no Chile – na década de 60. As sociedades brasileira e latino-americana da década de 60 podem ser consideradas como o grande laboratório onde se forjou aquilo que ficou conhecido como o Método Paulo Freire. A situação de intensa mobilização política desse período teve uma importância fundamental na consolidação do pensamento de Paulo Freire, cujas origens remontam à década de 50. O momento histórico que Paulo Freire viveu, no Chile, foi fundamental para explicar a consolidação da sua obra, iniciada no Brasil. Essa experiência foi fundamental para a formação do seu pensamento político-pedagógico. No Chile, ele encontrou um espaço político, social e educativo muito dinâmico, rico e desafiante, permitindo-lhe reestudar seu método em outro contexto, avaliá-lo na prática e sistematizá-lo teoricamente [...]. Há relativo consenso entre leitores e estudiosos, que uma leitura de sucesso depende em grande parte da compreensão do contexto histórico em que a obra lida foi produzida. Por outro lado, é necessário relevar que certas obras, como Pedagogia do Oprimido, possuem uma mensagem universal muito além do limite espaço-temporal. Sua aplicabilidade é sempre atual, pois fornece princípios éticos e filosóficos tão necessários aos modelos de gestão que valorizam o humano. Nesse ponto, a obra também carece de uma hermenêutica dinâmica, que vá além dos limites históricos em que a obra foi produzida. Uma hermenêutica dinâmica implica em uma releitura que possibilite a aplicação dos princípios de uma pedagogia pelo oprimido a outras circunstâncias sócio-culturais, em que o discurso freireano julga-se necessário. Por exemplo, a crítica de Paulo Freire a um processo em que a “distribuição” do saber acontece de forma desumanizadora, deformadora do homem e que o priva da produção cultural, é de extrema relevância para a atualidade. Atualmente as estruturas organizacionais são construídas em uma complexa rede de funções, em que se permite relativa autonomia dos sujeitos envolvidos na produção. Há uma gradativa descentralização do poder, que não se concentra mais na figura individualizada do chefe ou do burguês, mas cede lugar a gestores e equipe. Uma estrutura que obscurece a velha hierarquia administrativa e dispersa os conhecimentos em um know-how network (rede de conhecimentos). Cobra-se a humanização das relações produtivas em todas as esferas sociais. Empresas procuram produzir uma cultura organizacional que seja mais próxima dos sujeitos e isto vem acontecendo em diversos âmbitos institucionais. Obviamente, a educação não está descontextualizada desse movimento. Ela é parte integrante de um mundo que muda, e a escola – esfera real em que o processo formativo acontece – é quem deveria agenciar a formação de sujeitos com as ferramentas necessárias para entrar em contato com um universo sem fronteiras, e que se transforma rapidamente. A escola transcende uma edificação física, ela é em termos ideais, uma estrutura orgânica formada por gente, por humanos, que cooperam coletivamente pelo saber. Enfim, as idéias de Paulo Freire de uma pedagogia dialógica, que permite estender sua compreensão até uma gestão libertadora, não só é viável, como necessária ao contexto atual. Em um segundo momento, Paulo Freire (2001, p.112) faz duras críticas à lógica empresarial: O próprio comportamento progressista do empresariado que se moderniza, progressista em face da truculência retrógrada dos ruralistas, se esvazia de humanismo quando da confrontação entre os interesses humanos e os do mercado. Atualmente, o humano ainda está sujeito aos interesses mercadológicos. Mas se há certo grau de autonomia, há também espaço para gestores conscientes da necessidade de re-humanização da prática produtiva. Nas micro-relações, ele pode conduzir sua equipe do ativismo à práxis consciente. Porém a pergunta é: Há a possibilidade de associar o conceito de pedagogia revolucionária a um novo paradigma de gestão? Por revolução, entende-se a mudança de estrutura e de visão de mundo. A revolução freireana fundamenta-se na libertação da lógica mecânica, em que sujeitos permanecem inconscientes de sua força intelectual, de sua própria capacidade de produzir saberes e de refletir sobre sua ação. Um gestor libertador é o que libera seu liderado tornando-o autônomo, liberando-o da heteronomia tão presente na relação chefe-subordinado, ou ainda nas palavras do educador: Ter consciência crítica de que é preciso ser o proprietário de seu trabalho e de que este constitui uma parte da pessoa humana e que a pessoa humana não pode ser vendida, nem vender-se, é dar um passo mais além das soluções paliativas e enganosas. É inscrever-se numa ação de verdadeira transformação da realidade para, humanizando-a, humanizar os homens (FREIRE, 1977, pg. 107). A influência do materialismo histórico em Paulo Freire é evidente, principalmente quando elabora seu raciocínio sobre a relação humanidade e trabalho. Ser humano é relacionar-se de forma criativa com a realidade, é transformá-la. Porém, nem toda ação na realidade é humanizadora, antes pode transformar-se em ativismo estéril e “coisificante”, quando desprovida de reflexão e criticidade. Afinal, a ação é essencialmente humanizadora, quando imprime na realidade por meio do trabalho, a imagem daquele que intervém. III. Considerações finais O mundo dos últimos dois séculos destaca-se pela predominância da relação produção-consumo e pela expansão da informação. Evidencia-se a aglomeração demográfica em detrimento do distanciamento intersubjetivo. O nacionalismo que girava em torno de estados nacionais entre os séculos XIX-XX, dá lugar às grandes corporações econômicas. Uma teia de valores que se acumula e flui pelo mundo dos investimentos e em esferas financeiras cada vez mais invisíveis. Então, como educar em uma realidade tão cheia de contradições? Qual é o objetivo educacional na sociedade que evidencia os abismos sociais, as disparidades econômicas e a privação cultural ? Como o sujeito, educador-gestor ou gestor-educador, deve se portar ante esta complexa realidade? Como gerir instituições que dialogam com demandas sociais, onde o público se submete irresistivelmente ao privado? Desde os tempos de intervenção estatal, da repressão política e da censura, continuam atuais e importantes as reflexões de Paulo Freire. Principalmente, quando propõe a retomada do humano, quando prevê a hecatombe dos processos mecânicos e autoritários. Sua visão de produção de saberes dialógicos, abre a possibilidade de permutas de experiências e reflexões. Não há espaço para senhores do saber, aprendizes ativistas ou detentores da tecnologia. O discurso apaixonado, dialógico e dialético de Paulo Freire em Pedagogia do Oprimido é a redescoberta da subjetividade, é a devolução do humano à racionalidade. Enfim, a libertação do oprimido, agora provido e munido de infinitas experiências e possibilidades. IV. Referências Bibliográficas FAYOL, H. General and Industrial Management. London: Pitman Publishing Company, 1949. FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ____________. Pedagogia da Autonomia. São Paulo: Paz e Terra, 2001. GADOTTI, Moacir. Perspectivas Atuais da Educação. Porto Alegre: Artmed, 2000. LÜCK, Heloisa. Apresentação. Em Aberto: gestão escolar e formação de gestores, Brasília, v. 17, n.72, p.7-10, fev./jun. 2000. Disponível em . Acesso em 15 de jan. 2007. OXFORD, Latim Dictionary. Oxford: Oxford University Press, 1968, pg. 1840. PAZETO, Antônio Elízio. Participação: exigências para a qualificação do gestor e processo permanente de atualização. Em Aberto: gestão escolar e formação de gestores, Brasília, v.17, n.72, p.163-166, fev./jun.2000. Disponível em . Acesso em 15 de jan. 2007.

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