MARIANNE SZEGEDY-MASZAK DO NEW YORK TIMES

VIRGÍNIA, EUA – Meu pai, Aladar Szegedy-Maszak, diplomata húngaro, jantou três vezes com Adolf Hitler. Logo depois, foi mandado para o campo de concentração de Dachau.
Quando era secretário do embaixador húngaro na Alemanha entre 1932 e 1937, meu pai testemunhou a ascensão do Führer. Eles se encontraram socialmente em uma recepção e dois jantares - a primeira vez no dia 10 de fevereiro de 1933, durante o primeiro discurso de Hitler como chanceler. Ele se lembrava de como o suor escorria do rosto do Hitler, empapando seu uniforme. O discurso deixou meu pai entediado, mas também muito preocupado com as reações empolgadas do público.
“Essa foi a primeira vez que percebi que estávamos lidando com um movimento de massas quase religioso”, escreveu, “ou, mais precisamente, de psicose de massas”.
Meu pai sabia muito bem como o governo nazista seria devastador para os judeus. Multidões de judeus húngaros iam a seu escritório, implorando por conselhos sobre o que fazer à medida que suas propriedades eram tomadas e os pequenos comércios eram destruídos.
Ele se encontrou com diretores de cinema e atrizes; donos de pequenas empresas; com o proprietário de um bloco de casas em um bairro operário de Berlim, que foi informado de que se não fosse embora, seria acusado de molestar mulheres. Não havia nada que ele pudesse fazer.

Ativistas protestam contra a construção da estátua de Miklos Horthy, almirante que presidiu a aliança da Hungria com a Alemanha nazista, no centro de Budapeste Foto: LASZLO BALOGH / REUTERS Ativistas protestam contra a construção da estátua de Miklos Horthy, almirante que presidiu a aliança da Hungria com a Alemanha nazista, no centro de Budapeste LASZLO BALOGH / REUTERS

A constante antissemita fez um retorno dramático na Europa Central. A Alemanha reiterou recentemente sua amizade com Israel em resposta a uma série de atividades contra os judeus. Partidos políticos de extrema direita ganharam força na França e na Áustria. Na Hungria, um virulento partido antissemita conhecido como Jobbik se tornou o terceiro maior do Parlamento. Um de seus integrantes exigiu uma lista com todos os legisladores judeus para avaliar sua lealdade - uma medida que foi condenada até mesmo pelo governo de direita. (No começo deste mês, o governo exigiu o fim do antissemitismo depois das críticas globais.)
Tudo isso teria sido muito preocupante e extremamente familiar para o meu pai e para outros parentes de sua geração. Eles cresceram em um país que era um caldeirão de antissemitismo. Depois da Primeira Guerra Mundial, os comunistas tomaram o controle por mais de quatro meses e, uma vez que a maior parte dos que estavam no poder eram judeus, a ligação entre judaísmo e comunismo foi forjada nas mentes de muitas pessoas. Para muitos húngaros, ser anticomunista era o mesmo que ser antissemita.
Meu pai não era um antissemita convicto, mas na qualidade de cristão húngaro vindo de uma família com forte tradição de apoio à monarquia, ele flertou com o antissemitismo quando era jovem - um fato do qual se envergonhou a vida toda. Ele escreveu que suas experiências em Berlim “acabaram com os últimos remanescentes mínimos do antissemitismo que nutriu na adolescência durante a contra-revolução”. Seus anos em Berlim e seus dois outros encontros com Hitler serviram de antídoto contra qualquer vestígio do antissemitismo que um dia possa ter nutrido.

Em uma recepção diplomática em setembro de 1934, antes do comício em Nuremberg que foi imortalizado por Leni Riefenstahl no famoso “Triunfo da Vontade”, meu pai não conseguiu reconhecer o antiquado, modesto e quase tímido Hitler ao ver o homem lunático que subia nos palanques.
A última vez que se encontrou com Hitler foi no dia 7 de junho de 1942. O primeiro-ministro da Hugria foi convidado a fazer uma visita oficial ao quartel-general do Führer durante a guerra, na Prússia Oriental, e pediu para que meu pai - que havia se tornado vice-diretor da divisão política do Ministério Exterior - fosse com ele. Eles comeram no vagão-restaurante de Hitler e meu pai notou o que depois chamaria da “natureza satânica de seu caráter”. 600 mil judeus húngaros assassinados
A Hungria era um dos aliados da Alemanha, mas um aliado muito pouco confiável. Os oficiais do país se negavam a deportar os judeus para os campos de concentração. Meu pai, que era conhecido por sua oposição ao nazismo, tentou organizar uma iniciativa para negociar um acordo de paz separado com os aliados, uma tentativa frustrada que levou a sua prisão depois que os alemães invadiram a Hungria no dia 19 de março de 1944.
Depois que um regime composto por nazistas húngaros tomou o poder em outubro de 1944 os mais moderados foram presos ou assassinados. Cerca de 440 mil judeus foram deportados. Membros da polícia se tornaram participantes entusiasmados desse processo. Ao todo, cerca de 600 mil judeus húngaros foram assassinados. Se o anticomunismo é uma das raízes do ódio contra os judeus, o anticapitalismo era a outra. A família da minha mãe, os filhos e netos altamente assimilados do industrial Húngaro Manfred Weiss, se encaixavam nessa segunda categoria.

Meu avô materno foi levado para o campo de concentração de Mauthausen, na Áustria, depois da invasão da Hungria, mas ele teve sorte. Ele e sua família conseguiram um salvo conduto para irem até Portugal depois de fazerem um acordo com Heinrich Himmler pela liberdade em troca de suas propriedades.
Antes que o acordo fosse feito, minha avó materna havia se disfarçado de camponesa durante a ocupação nazista. Ela se encontrou com a esposa antissemita do ex-primeiro-ministro (e colaborador nazista) Bela Imredy, com a qual a família de minha mãe costumava socializar (ainda que sem muita proximidade). Minha mãe perguntou se havia algo que Imredy poderia fazer para salvar meu avô. Imredy respondeu que não e, enquanto partiam, ela se voltou e disse de forma ameaçadora e elíptica: “Agora é a nossa vez”.
Meus pais se casaram no fim de 1945, depois que meu pai foi libertado no fim da guerra. Mais tarde ele se tornou o embaixador da Hungria nos Estados Unidos. Entretanto, abriu mão do cargo em 1947, após a tomada do poder por parte dos comunistas. Ele e minha mãe conseguiram continuar nos Estados Unidos. Meu pai morreu em 1988, minha mãe em 2002.
Eu me pergunto o que eles pensariam da Hungria de hoje. Os mesmos estereótipos do passado - a associação entre judeus e o comunismo e o capitalismo - fomentam o apoio atual ao Jobbik. Nesse caldeirão acaba de entrar o grande maestro Ivan Fischer, um judeu húngaro. Ele compôs e apresentou uma ópera chamada “Novilha Vermelha”, que conta a história de um pequeno grupo de judeus do século XIX que foi erroneamente acusado de assassinar uma menina judia do interior. Essa é uma história real, que usa o passado distante para iluminar os problemas do presente.
É claro que ela não deve mudar muitas opiniões, mas a obra representa a afirmação da capacidade que a arte tem de conquistar o que políticos decentes não conseguiram. Ela também é um exemplo da persistência terrível de um estado de espírito, de um tipo de psicopatia que não começou com Hitler e que, tragicamente, também não acabou com ele. Marianne Szegedy-Maszak, jornalista, é autora de “Beijo suas mãos muitas vezes: corações, almas e guerras na Hungria”, em tradução livre).

 

Fonte: Jornal Rua Judaica.

 

 

 

 

Obs. :  O  antissemitismo é como "erva daninha", sempre aparece em algum lugar.

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