PENSANDO E DIZENDO (NESSA ORDEM)por Bruno Kampel

PENSANDO E DIZENDO (NESSA ORDEM)por Bruno Kampel, segunda, 6 de junho de 2011 De uma coisa não podemos discordar, e é que uma de duas: manifestos propõem soluções viáveis ou defendem utopias irrealizáveis. Em ambos casos é imperativa a clareza nos argumentos e a firmeza na defesa dos mesmos. Caso contrário, deixa de ser manifesto e se transforma em discurso. E todos nós sabemos que o discurso é muito continente e pouco conteúdo. Os governos de Israel, todos, absolutamente todos desde o fim da guerra dos seis dias – ainda que por razões diversas e ideologia idem – incentivaram e financiaram o estabelecimento de assentamentos nos territórios – os mesmos territórios que Moshé Dayan afirmara serem instrumento de barganha, de troca, de devolução, num acordo de paz que normalizasse as relações com o povo palestino que habitava essas regiões de forma sistemática durante séculos, o que lhes dava o direito de posse de acordo com o Direito Internacional e com os tratados internacionais vigentes (Genebra, por exemplo), tratados assinados também pelo Estado de Israel. Com a chegada ao poder da direita em 1977, o processo de apropriação indébita dos territórios alcançou o seu apogeu. O acordo de Beguin com Saadat foi o grande salto: trocar deserto imprestável por paz, e em troca, ficar com os territórios “bíblicos”, além, claro, de garantir uma fronteira tranquila no sul. Quem viveu aqueles dias lembra da retirada de Iamit, comandada com mão de ferro e coração de pedra por Ariel Sharon. Nessa destruição de casas, de campos semeados, de infra-estrutura rodoviária, de escolas, de clínicas médicas, de sinagogas, feita com indescritível aleivosia, ficava patente que a paz com Egito não era um convite a que tal processo se extendesse aos outros territórios ocupados, mas um conveniente afastamento do perigo egípcio, deixando a Israel as mãos livres para se dedicar – como de fato o fez e o faz – a sabotar toda e qualquer possibilidade real de que surja um Estado palestino viável (e no núcleo dessa viabilidade está o que em hebraico se diz retsifut territorialit, ou seja um território indiviso). Ainda ecoam as propostas do Egito de comprar e pagar com petróleo as casas deixadas pelos colonos. Os anos, os lustros e as décadas que transcorreram desde o início da ocupação, demonstram que Israel sempre jogou com as cartas marcadas, ou seja, com o apoio – querido ou imposto pelos lobbies – dos americanos, cuja visão da realidade todos sabemos o quanto está longe da realidade, pois olham e vêem apenas os interesses deles. Sempre foi assim, e continuará sendo. Obama não é nem será uma exceção. O duplo discurso (público e privado), a distância abismal entre as declarações e a realidade, transformam qualquer oferta progressista por parte deles, em papel molhado. Netaniahu está dizendo e repetindo isso nos seus discursos nos Estados Unidos. E o Congresso o aplaude quando afirma que nada de fronteiras de 1967, com ou sem retoques cosméticos. Mais de trinta anos de direita no poder (Rabin estava longe de ser de esquerda, ainda que fazia parte de uma direita “esquerdosa”), não podiam ter passado em vão na formação da opinião pública. O discurso da esquerda foi afastando-se cada vez mais dos princípios que essa mesma Esquerda defendeu desde que chegaram os primeiros pioneiros a Eretz Israel. E assim, pouco a pouco, mas de forma inexorável, o tecido social foi contaminando-se e transfigurando-se, resultando no monstro amorfo que é hoje. Pobres quase miseráveis apoiando os partidos dos patrões e neo-liberais. Esquerdistas de ontem votando aos neo-conservadores. Pacifistas de ante-ontem dando o voto a partidos militaristas, autoritários, racistas e/ou fundamentalistas. No que diz respeito às comunidades judaicas “diaspóricas”, em geral sofrem doenças que atacam o âmago, a essência de qualquer grupo homogêneo no seu judaismo, mas heterogêneo nos seus conceitos e na forma de definir esse mesmo judaismo: a incapacidade de receber informação plural, que, não esqueçamos, é fundamental para poder comparar idéias, projetos, discursos, e chegar a conclusões isentas do vírus da parcialidade. Sim, a imprensa comunitária de forma muito majoritária, é alimentada com notícias, idéias e dinheiro oriundos do governo de Israel e suas múltiples associações, Federações e Confederações. Apenas o lado bom de Israel e o lado mau dos outros são publicados. E assim, dia-a-dia, mes a mes, ano a ano, forma-se uma opinião pública “imbecilizada” pelo unilateralismo da informação recebida. E isso é um fato. Enquanto pessoas que pensam como eu tem o acesso proibido a – por exemplo – o Jornal Alef em tudo que se refira a Israel, Herman Glanz tem carta branca (e a usa a torto e a direito) para publicar que os palestinos não existem e que somos o povo escolhido para ocupar Judéia e Samária, e que todos os judeus que não pensam como ele são traidores, agentes do terrorismo, etc. Resumindo, diria que o Estado de Israel sonhado, lapidado, instrumentalizado e parido na diáspora da Europa Oriental em particular, e implementado por cinco gerações de pioneiros, não existe mais. Os arranha-céus substituiram os kibutzim; as clínicas médicas particulares esvaziaram os orçamentos da saúde pública e gratuita (cada vez menos gratuita); o Israel solidário com seus pobres, com seus velhos, com seus doentes, ficou reduzido a cada vez menos páginas dos livros de História, e a Bolsa de Valores, e a de Diamantes, e as grandes lojas, e os luxuosos shopping-centers, ocupam lugares de honra na escala de valores que a direita impôs. E o avanço na criação de um modus vivendi cada vez mais impregnado e dominado pelo fundamentalismo religioso, descaracteriza e mina a essência - os princípios e valores - pelos quais, sobre os quais e com os quais, construiu-se o Estado de Israel. Um manifesto que queira mostrar a doença e oferecer o remédio, não pode ser superficial, se quiser ser efetivo. Não penso que manifestos consigam mostrar a luz aos cegos, pois a ignorância tem por princípio fazer que o ignorante ache que sabe tudo. Mas nem por isso devemos deixar de dizer o que os donos da realidade não querem que se saiba. Mesmo que seja difícil de entender para os hipnotizados. Bruno Kampel PS: Para quem não lembra o motivo principal pelo qual a direita conquistou o poder em 1977: Léa Rabin deixara em sua conta bancária nos Estados Unidos (depois de retornar a Israel, quando o marido concluiu o seu tempo como Embaixador nos USA), dois mil dólares. Foi considerado um delito gravíssimo, que a direita usou com muita técnica para transformar num casus belli. Dois mil dólares!!!! Legais!!! Parece mentira?... Parece. .

Para adicionar comentários, você deve ser membro de JUDAISMO SECULAR HUMANISTA.

Join JUDAISMO SECULAR HUMANISTA

Enviar-me um email quando as pessoas responderem –