De acordo com o Ministério do Interior israelense, aproximadamente, 56.000 imigrantes ilegais encontram-se, atualmente, no país. Tudo começou nos anos 2000 quando milhares de africanos (majoritariamente da Eritréia e do Sudão) penetraram o território israelense sem documentação válida. Diante de uma realidade marcada por guerras civis e péssimas condições, esses imigrantes chegam à Israel buscando asilo político e usando como suporte a Convenção das Nações Unidas relativa ao Estatuto dos Refugiados. Recentemente, a sociedade israelense assistiu a uma onda de protestos contra o tratamento dado a esses imigrantes, chamando a atenção da mídia local e internacional. A situação dos imigrantes ilegais (chamados, ocasionalmente, de refugiados de guerra) é delicada. Ainda assim, podemos reduzir o debate a duas questões fundamentais: (1) o status dos ‘refugiados de guerra’ está longe de ser um consenso na sociedade israelense. Por que há dúvidas quanto ao status desses imigrantes? (2) Supondo que não há dúvidas, ou seja, imigrantes ilegais provenientes do Sudão e da Eritréia são, por definição, refugiados de guerra, por que há tanta relutância à permanência deles em Israel? Nesse artigo tratarei da primeira questão. Dessa forma, estabeleceremos uma “linguagem comum” que facilitará o entendimento da minha resposta à segunda questão.

Em 1954, Israel assinou a Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados (CRER), concordando, portanto, com o artigo 1° da Convenção, emendado pelo Protocolo de 1967, que define refugiado como “sendo toda a pessoa que, em razão de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer fazer uso da proteção desse país ou, não tendo uma nacionalidade e estando fora do país em que residia como resultado daqueles eventos, não pode ou, em razão daqueles temores, não quer regressar ao mesmo”.

Apesar de auxiliar no desenvolvimento do status de refugiados em âmbito internacional, Israel nunca chegou a institucionalizar uma lei correspondente no país. Apesar da lacuna constitucional, em 2008, o governo israelense estabeleceu o “Population, Immigration, and Border Crossing Authority” (PIBA), responsável por examinar pedidos de asilo político e pela definição do status de refugiados que se encontrem no país. Logo após a sua criação, o PIBA passou a conceder o status de “proteção temporária” e emitir permissões de trabalho à todos aqueles que alegassem buscar asilo político no país. O status de “proteção temporária” apresenta dois problemas essenciais: primeiro, como o termo “temporário” indica, para permanecer sob “proteção” todo e qualquer imigrante ilegal deve renovar o seu status a cada três meses. O processo burocrático de renovação é demorado o que, em termos práticos, faz com que muitos imigrantes permaneçam num vácuo constitucional, uma espécie de limbo identitário, onde não há critérios para julgá-los e recursos para lidar com a condição em que se encontram. O segundo problema refere-se ao prolongamento da indefinição da situação de imigrantes que se encontram ilegalmente em Israel. De fato, o status “temporário” oferece uma solução pontual ao problema, mas não o soluciona no longo prazo. Ele substitui o status “permanente” de refugiado de guerra e, como toda medida paliativa, funciona como uma [“bem elaborada”] manobra política, permitindo ao governo israelense manipular a condição jurídica desses imigrantes de acordo com a conveniência.

Os dois problemas relativos ao status de “proteção temporária” acarretam em um terceiro problema: o questionamento público sobre o status dos refugiados de guerra que se encontram no país. A confusão político-judicial faz com que não haja clareza quanto ao papel que esses imigrantes desempenham na sociedade. Sem um status legal, eles são desprovidos de identidade social. A sociedade já não possui parâmetros para julgá-los ou analisá-los. Eles tornaram-se, politico e socialmente, estranhos aos olhos do israelense. Para piorar, nos últimos anos, diferentes organizações de direitos humanos associadas às Nações Unidas denunciaram casos de detenção árbitrária de imigrantes sem documentação regularizada. Essas organizações alegam que o governo israelense não concede a esses imigrantes o status devido, os deixando passíveis a detenção. O que era um projeto de objetivos claros a ser desenvolvido pelo PIBA deu lugar ao conflito. Critérios tornaram-se julgamentos arbitrários. Refugiados de guerra são vistos como meros imigrantes ilegais. Um profundo dilema social estava apenas emergindo.

Um agravante na situação é o fato de Israel e Sudão não possuírem relações diplomáticas. Segundo as autoridades israelenses, Sudão é considerado um inimigo do Estado e, por essa razão, o governo tem o direito de manter refugiados sudaneses sob custódia por tempo indeterminado. A situação diplomática entre Israel e Eritréia também não é das melhores. Apesar de possuirem um acordo diplomático consolidado desde 1993, diversas complicações surgiram como resultado do laço entre Israel e Etiópia, país ‘non-grato’ pelo governo Eritreu. Os imbroglios diplomáticos com Sudão e Eritréia dão margem para que Israel detenha imigrantes ilegais, já que não há qualquer retaliação direta e oficial dos dois países africanos. Para evitar a detenção muitos refugiados recorrem ao Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) situado em Tel-Aviv. A instituição, por sua vez, lhes oferece proteção política sem que haja intervenção das leis locais. Ainda assim, o embate político entre o governo israelense e o Alto Comissariado é, certamente, mais uma razão para indefinição popular quanto ao status dos imigrantes ilegais.

Em relação a oportunidades de trabalho, Israel posiciona-se de forma ambígua. Por um lado, israelenses são obrigados por lei a não empregarem imigrantes ilegais. Por outro lado, as autoridades não fazem a lei ser cumprida em vista dos interesses econômicos do pais. Em Janeiro de 2011, a Suprema Corte Israelense decidiu que empregadores de refugiados não serão multados, o que significa, de facto, que há um relativo suporte constitucional para qualquer trabalho realizado por imigrantes ilegais. Ainda assim, a dualidade no tratamento dado à imigrantes em termos trabalhistas pode ser considerado mais um fator nas dúvidas que pairam sob a sociedade israelense.

Até aqui observamos três fatores para os questionamentos populares quanto ao status desses imigrantes: (1) o vácuo constitucional produzido pelo status de “proteção temporária”; (2) o embate político entre o governo israelense e órgãos das Nações Unidas localizados no país; e (3) a dualidade trabalhista. Esses três fatores já seriam suficientes para causar dúvida. No entanto, o que era uma questão de “definição de status” tornou-se um profundo dilema social. No dia 10 de Dezembro de 2013 o parlamento israelense aprovou uma lei que concede às autoridades o direito de deter todo e qualquer imigrante que não possua documentação válida. Segundo a nova lei, imigrantes que se encontrem ilegalmente no país serão detidos por um período de até um ano sem direito a julgamento. Como forma de implementação da lei, o governo israelense aprovou a construção de um centro de detenção com capacidade para abrigar 3300 pessoas. O centro, que estará sob controle do sistema policial, permite aos detentos sair durante o dia, mas os obriga a retornar até as 10 horas da noite. Como reação a nova lei uma série de protestos foi organizada em diferentes regiões do país.

A situação é delicada. Além da questão legal, muitos argumentam que o verdadeiro problema encontra-se no impacto social produzido pelos “penetras africanos”. Nesse contexto, a pergunta torna-se mais complexa: supondo que imigrantes originários da Eritréia e do Sudão são, de fato, refugiados de guerra, o que provoca relutância à permanência deles no país? O que alegam aqueles que se opõem? Como reagem os que são a favor? No próximo artigo da série responderei a essas perguntas. Junto à análise deixarei a minha opinião sobre o tema. Nos vemos em breve.

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Sites de busca sobre a questão dos refugiados em Israel:

http://ardc-israel.org/en/content/refugees-israel

http://www.unhcr.org/cgi-bin/texis/vtx/page?page=49e4864b6

http://en.wikipedia.org/wiki/Illegal_immigration_from_Africa_to_Israel

http://en.wikipedia.org/wiki/Sudanese_refugees_in_Israel

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