Quando o humor não cura por Paulo Blank

Alguns intelectuais brasileiros consideram que o remédio do ‘Doutor Charles Hebdo’ é a própria razão da doença. Por isso, foi preciso destruí-lo

A guerra cotidiana do terrorismo acaba de provar que nós precisamos de novas perguntas para dar conta de respostas ultrapassadas. Quem poderia supor que o escritor israelense Amós Oz seria capaz de identificar o fanatismo como doença e acabar provando que um diagnóstico correto pode indicar tratamentos que o doente recusa. De acordo com o autor, o antídoto do fanatismo seria a imaginação e o humor.

Com a perspicácia de quem entende a alma humana, Amós Oz percebe que o fanático mata por amor. Não o tal do amor ao próximo que nossos monoteísmos alardeiam sem colocar em prática.

Trata-se do mesmo amor que leva pais a oprimir filhos. Amantes a dominar seus pares. Tantas variações possíveis quantas formas de relações existirem. Amós Oz diz que o fanatismo começa em casa. O fanático só conhece a paixão que submete. Por isso, não suporta a razão que limita a paixão e permite existir o verdadeiramente próximo.

O fanático ama de tal forma, que prefere ver o outro morto a vê-lo continuar errando. Errar é andar por aí de surpresa em surpresa. Flanar é errar com inteligência, diria João do Rio. A sisudez da verdade não ama a inteligência em movimento. Os imprevistos da história.

A perspectiva do olhar que subverte a imagem unidimensional. Nenhum fanático suporta ser visto pelo ângulo do outro. Por isso, percebe o humor e a imaginação como razões subversivas.

Não tolera caricaturas que exacerbem seus traços ocultos no emaranhado de belas palavras. A imaginação e o humor: os dois únicos medicamentos indicados por Amós Oz para tratar a rigidez de sua alma prisioneira.

Amós Oz afirma que, se pudesse sintetizar pílulas de imaginação e humor, ganharia mais facilmente o Prêmio Nobel de Medicina do que o de literatura. Ele sabe que o bacilo do fanatismo não privilegia credos nem ideologias. Como uma peste emocional, contamina intelectuais, filósofos, religiosos. Alguns intelectuais brasileiros consideram que o remédio do “Doutor Charles Hebdo" é a própria razão da doença. Por isso, foi preciso destruí-lo. Junto aos homossexuais. Aos judeus. Aos ciganos. Aos armênios. São todos responsáveis por serem perseguidos e mortos.

É preciso destruí-los por amor. Por não saberem como é bom ser prisioneiro do paraíso que a alma do fanático vive como perfeição. Homens sisudos não conhecem as sutilezas do amor.

Paulo Blank é psicanalista

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