A ocupação dos territórios já passa de 45 anos. Mais do que um punhado de terras, ocupamos a vida de quase quatro milhões de palestinos há quatro décadas e meia.

Na Guerra dos Seis Dias, que ocupa no imaginário nostálgico nacionalista israelense o lugar do qual a Copa do Mundo de 1970 dispõe na memória coletiva brasileira, o pequeno Estado de Israel triplicou sua área. Das mãos egípcias, tomamos a Península do Sinai e a Faixa de Gaza, consideradas duas entidades distintas para ambos os lados. O Sinai, desocupamos e devolvemos aos nossos vizinhos na virada das décadas de 1970 para 1980. Gaza, recusada pelos egípcios por sua população palestina, desocupamos em 2005, ainda que não a tenhamos devolvido a ninguém especificamente. O Golã, sob domínio sírio anteriormente, anexamos e à sua população concedemos status de residentes permanentes com direito à cidadania, caso queiram. O mesmo foi feito com Jerusalém Oriental: o antigo município jordaniano e uma série de vilarejos à sua volta, foram anexados à Jerusalém israelense. Os palestinos que ali viviam ganharam a “residência” e o direito à cidadania, ainda que poucos a tenham solicitado.

De certa maneira, Israel teve a coragem de tomar decisões difíceis quanto a quatro dos cincos “espólios” da guerra. Ainda que Jerusalém Oriental e as Colinas do Golã não tenham a soberania israelense reconhecida internacionalmente, o país estabeleceu sua posição através de legislação. A Cisjordânia não teve a mesma sorte. Se, de início, o estabelecimento de população israelense era comum aos cinco “territórios”, a indefinição legal sobre o Sinai e Gaza levou ao desmantelamento de suas respectivas colônias. No Golã e em Jerusalém Oriental, ao menos, a presença judaica se justifica através do reconhecimento de que se trata de territórios israelenses – mesmo que de uma flexibilização destas posições dependam acordos futuros. A Cisjordânia não goza de status tão claro. Construímos colônias em um territórios que nem admitimos fazer parte do país. Embriagamo-nos a ponto de que, hoje, vivem cerca de 350 mil israelenses em territórios palestinos. E esse número sequer inclui os novos bairros de Jerusalém Oriental.

A ocupação se dá através da mescla entre assentamentos israelenses e palestinos, de forma a inviabilizar uma indolor re-divisão da terra. Mais do que a simples (se é que pode-se chama-la da “simples”) colonização de terra estrangeira, a ocupação é um vírus que está matando o sionismo por dentro. É tolo todo aquele que não quer entender que, acima de educação, saúde, estabilização da inflação ou cuidados com os idosos, a criação do Estado palestino é a prioridade mais urgente do Estado de Israel na atualidade. E isso afeta qualquer aspecto a ser analisado:

Consciência moral: Não faz parte de nenhum valor judaico a opressão de um povo inteiro. Mesmo que os cerca de 1,5 milhão de habitantes de Gaza não estejam sob ocupação militar israelense, o bloqueio terrestre, naval e aéreo limita sua real independência e os soma aos 2,5 milhões na Cisjordânia, cujos destinos afetamos diariamente. Não há mecanismo de dissimulação capaz de encontrar justificativas para esse fato, nem para o mal que ele exerce sobre o próprio caráter da população israelense.

Relações Internacionais: Cada passo que tomamos para nos distanciar da solução de “dois Estados para dois povos” é um passo em direção ao isolamento internacional. Se antes de 1967, éramos vistos como um país heroico, de existência quase-milagrosa diante das dificuldades econômicas e militares impostas por nossos vizinhos, hoje somos encarados como potência ocupadora e repressora de quase 4 milhões de vítimas. Durante a maior parte da história do sionismo, enchemos o peito para afirmar que sempre estivemos do lado de uma solução que dividisse a terra entre os dois povos mas nossos vizinhos árabes e palestinos sempre a recusaram. Desde novembro último, como brilhantemente explica meu amigo Michel Gherman em seu blog, oficialmente optamos por trocar de papéis.

Israel deve se apressar em retornar às negociações se tem interesse que estas sejam feitas sob os seus termos, por exemplo: apresentar-se disposta a negociar uma divisão de Jerusalém Oriental nos levará a um acerto muitos mais benéfico do que ignorar que haja uma questão a ser definida e, futuramente, caia sobre nossas cabeças um modelo consensual internacional, segundo o qual poderemos perder o livre acesso que temos a áreas além das fronteiras de 1949-1967, como o Muro das Lamentações e a Universidade Hebraica. O mundo desistirá em breve de sua insistência na criação do Estado palestino e passará a exigir que tenhamos a dignidade de assumir que anexamos a Cisjordânia. Se isso acontecer, por mais que muitos finjam ser possível outro caminho, nos será imposto o dilema entre conceder cidadania aos palestinos ou viver em um Estado de apartheid. Em ambos os casos – ainda que no segundo isso possa levar alguns anos – daremos adeus ao sonho do Estado Judeu. Qualquer governo que se recuse a admitir este simples fato não é um governo sionista de verdade

Economia: No mundo globalizado em que vivemos, os países organizam-se em blocos regionais para enfrentar a concorrência econômica internacional. Apenas um acordo definitivo com os palestinos nos permitirá o reconhecimento mútuo e completo com nossos vizinhos e nossa inserção no crescente mercado consumidor do Oriente Médio. Poderíamos sonhar, inclusive, com um mercado comum, que derrubasse barreiras alfandegárias e nos permitisse aproveitar o crescimento econômico dos países petrolíferos do Golfo Pérsico. A paz duradoura representaria também uma redução no custo de vida, através da compra de mercadorias que nossos vizinhos podem nos oferecer a preços inferiores aos que pagamos atualmente a exportadores mais distantes. Inclusive água e petróleo. Laços comerciais gerariam uma interdependência bastante saudável para a criação da consciência de que partilhamos de um futuro comum. Contribuiriam para a criação de laços pessoais.

Turismo: Ainda no âmbito dos ganhos financeiros, a indústria do turismo poderia passar por uma revolução. Milhões de cidadãos dos países árabes poderiam se livrar dos tabus sociais e visitar Israel. O velho hábito de conhecer diversos países em uma única viagem poderia também ser aplicado à nossa região, que se livraria dos boicotes a determinados passaportes, carimbos e vistos. O cidadão israelense também usufruiria, logicamente, de uma série de destinos a nossa volta, onde poderia desfrutar de férias sem ter que encarar vôos mais longos. Sem mencionar o fato de que o vôos de Israel para diversas partes do mundo seriam encurtados (em até 90 minutos), se os países árabes e muçulmanos à nossa volta concedessem às aeronaves israelenses autorização para sobrevoar seus espaços aéreos.

Trabalhadores estrangeiros: Assunto na moda entre a direita racista, o crescimento do número de trabalhadores africanos presentes no mercado de trabalho israelense poderia ser facilmente revertido à situação anterior, em que as fronteiras eram abertas para os palestinos que queriam vir trabalhar em Israel. Morando aqui do lado, os trabalhadores palestinos não precisariam mudar-se para Israel e ainda contribuiríamos para a redução da alta taxa de desemprego nos territórios. Poderíamos seguir acolhendo refugiados das guerras civis locais, mas sem a necessidade de atração proposital de uma mão-de-obra que já foi europeia-oriental e hoje é asiática e africana.

Orçamento e investimento: O fim da ocupação representaria o fim imediato de todo um custoso aparato militar dentro dos territórios. Posteriormente, a normalização das relações entre Israel e os demais países da região poderia contribuir para mais cortes no orçamento da defesa. Um país cheio de desigualdades sociais (as maiores do mundo desenvolvido) não pode seguir gastando mais de 6% de seu Produto Interno Bruto (PIB) – e 16% de todos os gastos governamentais – no orçamento de defesa. Adicionalmente, cada centavo gasto em infraestrutura nos territórios é um centavo investido em terras que, provavelmente não ficarão sob autoridade israelense em um acordo futuro e, consequentemente, é um centavo a menos investido no futuro de Israel. Todo esse dinheiro, tanto do orçamento militar quanto dos investimentos em infraestrutura nos territórios, poderia estar sendo gasto dentro de Israel, não apenas em infraestrutura – ainda que esta também seja uma necessidade – mas também em saúde, serviços para a população e educação de nossa próxima geração, além de poder ser parcialmente revertido em cortes nos impostos que pressionam nossa cada vez mais empobrecida classe média.

Estes são apenas alguns exemplos de como usufruiríamos do estabelecimento de um Estado palestino independente, ao nosso lado. Sequer falamos de assuntos menos urgentes, como intercâmbios culturais e esportivos, ou da maior boa vontade que o resto do mundo teria para conosco em termos de comércio e cooperação. Tampouco pode ser ignorada a triste realidade da juventude israelense, automaticamente convocada ao serviço militar após o Ensino Médio. Dezenas de milhares de rapazes e moças que anualmente interrompem suas vidas por, respectivamente, três e dois anos e submetem-se a uma experiência que sem dúvida molda sua personalidade. São incontáveis as áreas a serem beneficiadas por um acerto definitivo com os palestinos, e a consequente estabilidade regional que ele nos traria. A normalização da vida em Israel só ocorrerá com o fim da ocupação, que deveria ser a nossa prioridade nacional.

Naturalmente, não venho exigir de ninguém um comportamento ingênuo. O Estado deve seguir capaz de defender-se, e muito bem. Mas parte deste esforço de defesa também passa por não criar razões de inimizade regionais. Como afirmei no início, não devemos almejar a paz a curto prazo, mas sim o fim da ocupação, dos desafios morais que ela nos impõe e do mal que nos causa. São inúmeros os casos de povos vizinhos que, por séculos, muitos mais tempo do que o conflito aqui já dura, se odiaram e se enfrentaram. Mas suas lideranças foram corajosas o suficiente para emergir em meio ao ódio e à desconfiança e estabelecer acordos. A paz, que só é verdadeira se entre os povos, vem com o tempo, após algumas gerações. Devemos desocupar a Cisjordânia por que os palestinos e os judeus merecem ser um povo livre em sua terra e atualmente não o somos. Ambos os povos somos reféns da ocupação.

Só não enxerga quem não quer.

Fonte dos dados sobre o orçamento e os gastos militares:

http://www.tradingeconomics.com/israel/military-expenditure-percent-of-gdp-wb-data.html

Foto de destaque:

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