O prefeito que tem a cara de Tel-Aviv
25/09/2013Escrito por João K. Miragaya+Política
A cada cinco anos a população israelense elege os prefeitos de suas cidades e conselhos regionais 1 através do voto direto. Os cidadãos israelenses, maiores de 18 anos e devidamente registrados no ministério do interior como habitantes de determinada localidade, têm a opção de ir às urnas eleger seu prefeito e sua lista de vereadores separadamente. Os candidatos não precisam ser filiados a partidos políticos, e muitas vezes concorrentes independentes ou semi-independentes 2 vencem eleições até mesmo nas grandes cidades. As listas de vereadores tampouco necessitam ser partidárias, embora estas mais frequentemente o sejam. As prefeituras raramente servem como trampolim político, pois o cargo é visto pela população como técnico-administrativo mais do que político. Arrisco-me a dizer que mais da metade da população não conhece de nome nenhum prefeito do país, com exceção do de sua própria cidade e dos prefeitos de Jerusalém e Tel-Aviv, sobre a qual falaremos mais agora.
Pode-se dizer, grosso modo, que Tel-Aviv é a antítese de Jerusalém. Cidade moderna, percebida na sua arquitetura, nas vestimentas de seus habitantes ou nos bares, cafés, e galerias de arte que a compõem, Tel-Aviv é habitada majoritariamente por uma população judaica secular (sobretudo ashkenazita). Grande parte dos seus habitantes se dá o direito de esquecer-se de que o país está em estado de guerra com parte de seus vizinhos, principalmente pelo seu relativo isolamento da população árabe e da Faixa de Gaza e da Cisjordânia. Por estas e outras, o apelido da cidade é A Bolha: supostamente Tel-Aviv não é afetada pelos problemas nacionais, e é chamada por alguns críticos de “Estado de Tel-Aviv”, como se fosse outro país. De fato, os telavivim lidam bem menos do que a grande maioria dos outros cidadãos com problemas ocasionados pelo conflito com os palestinos, ou resultantes da cada vez mais tensa relação entre religiosos e seculares. A cidade tem uma quantidade irrisória de ultra-ortodoxos e árabes, e estes são conhecidos por serem bem mais moderados do que em Jerusalém, por exemplo. Mas isto não quer dizer que a bolha não enfrente problemas. Tel-Aviv foi considerada a 17ª cidade mais cara do mundo em 2007 3. Há mais de 30 mil trabalhadores estrangeiros habitando a cidade, a grande maioria deles ilegal. A criminalidade, a poluição e o transito lento afetam o dia-a-dia dos seus habitantes de Tel-Aviv, governada pelo prefeito Ron Huldaí há 15 anos. Um personagem aparece desta vez, certo de que pode desbancar o eterno prefeito. Ele se chama Nitzan Horowitz, um autêntico telavivi.
Derrotar Huldaí não é tarefa fácil. O atual prefeito, desde que se candidatou pela primeira vez em 1998, jamais obteve menos de 50% dos votos. Filiado ao Partido Trabalhista (Avoda), Huldaí também conta com o apoio do Kadima, do HaTnua e já obteve no passado, inclusive, o apoio do Meretz, partido do seu atual adversário. Ex-oficial do exército, o atual prefeito tem como principal bandeira a modernização da cidade: revitalizou, entre outras coisas, os portos de Tel-Aviv e Yafo (Jaffa), trabalhou pela declaração de Tel-Aviv como patrimônio mundial da Unesco, além de ter realizado inúmeras reformas urbanísticas. Seu maior feito, no entanto, foi ter alcançado o equilíbrio fiscal: Tel-Aviv em 1998 possuía o maior déficit do país, e em cinco anos já era superavitária.
O prefeito, no entanto, vem enfrentando uma oposição cada vez mais intensa. O custo de vida da cidade aumentou em progressões gigantescas após a crise de 2008. O preço do metro quadrado na cidade é equivalente ao de Ipanema, no Rio de Janeiro. Os impostos urbanos são igualmente altos, e isto afeta de maneira brutal à população jovem da cidade 4. Huldaí é acusado de permitir que a especulação imobiliária controle os preços dos alugueis, sem criar políticas relevantes de incentivo á moradia para estudantes e famílias de baixa renda. É acusado igualmente de não se posicionar sobre a questão dos trabalhadores estrangeiros, que ocuparam a região sul da cidade e encontram-se em rota de colisão com os habitantes locais. Ativistas verdes o acusam de permissividade excessiva às grandes empresas, que poluem sem fiscalização da prefeitura. Enfim, sua política incomoda a muita gente.
Nas últimas eleições, alguns telavivim fundaram o movimento “Ir LeCulam” (Cidade para todos), e lançaram o parlamentar do partido Chadash, Dov Chanin (leia mais sobre ele aqui) para concorrer à prefeitura da cidade. Chanin foi derrotado, mas apresentou à Huldaí uma oposição consistente: o prefeito foi tratado como elitista e negligente em relação à população de mais baixa renda de Tel-Aviv. Por ser uma cidade composta em grande parte por jovens, a militância nas ruas foi muito intensa, mas não fora suficiente para garantir a vitória de Chanin. Talvez faltasse algo a ele. Nitzan Horowitz jura ter a base partidária, apoio popular, propostas concretas e o carisma que faltavam a Chanin.
Em nenhuma outra cidade do país o Meretz fora tão bem sucedido nas últimas eleições como em Tel-Aviv, onde alcançou 14% dos votos (leia mais sobre isto aqui). Isto não é de agora: a cidade, nos últimos anos, vem se tornando um reduto da esquerda israelense. O jornalista e ativista de direitos humanos Nitzan Horowitz é parlamentar pelo Meretz desde 2008. Homossexual assumido, Nitzan incorpora o perfil clássico do habitante de Tel-Aviv: judeu secular de esquerda, relativamente jovem (48 anos), de origem ashkenazita, simpático e bem humorado. Facilmente encontrado em cafés e restaurantes da cidade, o parlamentar não se recusa a conversar com seus eleitores quando solicitado. Recebeu em 2012 o prêmio de melhor parlamentar da Knesset pelo Instituto Israelense de Democracia, sobretudo por sua luta pelos direitos civis. Nitzan é um dos mais ativos membros do parlamento na luta pela separação entre religião e Estado e pelos direitos dos homossexuais. Horowitz, aliás, fora o primeiro homossexual assumido a ser eleito à Knesset. E agora tenta ser o primeiro prefeito homossexual do Oriente Médio.
O lema “Tomar a Cidade” é a todo o tempo relembrado. As propostas apresentadas são semelhantes às que o Meretz apresentou há 10 meses. Vamos ilustrar algumas 5:
Transporte
Transporte público 24 horas, inclusive durante o Shabat; a criação de uma rede sincronizada de ônibus BRT como existe no Rio de Janeiro; a construção de um metrô em toda a região metropolitana de Tel-Aviv; conexão com Bat-Yam e Yafo de modo que seus moradores não fiquem isolados.
Educação
Aumento de 250 milhões de shekels no orçamento da educação primária; limitar o número de alunos em até 30 por sala de aula; construir escolas nas regiões mais pobres da cidade, onde há um desequilíbrio qualitativo; construção de creches municipais.
Região Sul (a mais pobre da cidade)
Fim da negligência histórica; revitalização dos bairros próximos à rodoviária (incluindo a reforma da mesma); oferecer estágio profissional a parte dos imigrantes ilegais que vivem na região; incentivo à criação de oficinas de arte e profissionalizantes no local.
Imigrantes Ilegais
Horowitz se propõe a expandir determinados direitos aos imigrantes que habitarem a cidade. No entanto, o candidato pensa que Tel-Aviv absorve a estes imigrantes de forma desproporcional, e propõe que estes sejam redistribuídos pelo país (e não deportados).
Outros
Participação de comitês populares na administração municipal; quotas para que todos os departamentos da prefeitura contem com um número representativo de mulheres; garantia total de direitos religiosos a todos os credos e a todas as correntes do judaísmo de forma pluralista; permissão aos estabelecimentos comerciais de abrirem suas portas durante o Shabat e os chaguim (festividades), problema demonstrado pelo companheiro Marcelo Treistman neste seu artigo.
Pelas ruas de Tel-Aviv já se veem militantes panfletando e faixas penduradas em janelas. As doações para a campanha podem ser feitas via internet (caso você queira participar o link é este). Os partidários de Horowitz parecem ser maioria a julgar pelo que se vê nas ruas, mas os números de mostram o contrário: de acordo com uma pesquisa encomendada por seu próprio partido, Horowitz teria hoje 37% dos votos contra 42% de Huldaí. Há dois meses a distância era maior: O atual prefeito tinha 53% dos votos contra 24% do seu principal adversário. Segundo a mesma pesquisa, 42% dos habitantes da cidade desejam uma troca de comando, e somente 20% se dizem certos de seu voto. A campanha esquentou de vez no dia 05 de setembro, quando Horowitz divulgou em sua página do Facebook uma foto de Huldaí estacionando seu veículo em um local proibido, questionando o excesso de autoridade do atual prefeito. As eleições parecem estar em aberto, e Huldaí pode ser derrotado pela primeira vez em 15 anos.
A mídia brasileira, o pouco que divulga sobre estas eleições, dá enfoque à possibilidade de Tel-Aviv ter o primeiro prefeito gay do Oriente Médio. Eu, particularmente, sou totalmente a favor da causa gay e dos direitos da comunidade GLS. Mas acredito que o fato de Nitzan Horowitz ser gay é um mero detalhe. Ser gay em Tel-Aviv é absolutamente natural, e esta característica só faz o candidato se identificar ainda mais com grande parte dos habitantes da cidade. Ter o primeiro prefeito gay do Oriente Médio pode ser motivo de orgulho para alguns. Para mim não deixa de ser bacana. Mas acho que há muito mais por trás da candidatura de Nitzan Horowitz do que sua orientação sexual. E após três anos residindo em Tel-Aviv, fico desapontado por ter transferido meu domicílio tão próximo às eleições. Poder votar em Horowitz é um privilégio que eu não terei no dia 22 de outubro. Espero que os habitantes de Tel-Aviv não o desperdicem.
http://www.conexaoisrael.org/prefeito-cara-tel-aviv/2013-09-25/joao
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