Bento 16 é um diplomata: na sua mensagem de Páscoa, o papa apelou ao fim dos confrontos na Síria. E, com cautelas mil, teve ainda uma palavra de preocupação pelos cristãos do mundo inteiro, que sofrem pela sua fé e são perseguidos pelas autoridades locais.
O papa fez bem em levantar o véu. Mas um leitor interessado nos pormenores sórdidos da vaga anti-cristã --nomes, números, crimes etc.-- deve ler a edição pascal da revista "The Spectator". Que, dessa vez, dedica uma especial atenção aos cristãos do Oriente Médio. Primeira conclusão: os cristãos da zona não estão a gostar da "primavera árabe".
Pelo contrário: para muitos deles, a primavera virou inverno e a sobrevivência deixou de ser uma certeza. Conta a "Spectator": nos inícios do século 20, os cristãos árabes representavam 20% da população total. Hoje, andam pelos 5%.
Existem casos para todos os gostos. No Iraque, por exemplo, a invasão americana de 2003 encontrou uma comunidade robusta de 1,4 milhões de cristãos. Passaram-se quase dez anos --e, em dez anos, aconteceu de tudo: a destruição de igrejas (70); a morte de fiéis (cerca de 1000); e a fuga de 800 a 900 mil do país. Hoje, dos 1,4 milhões iniciais, restarão uns 400 mil.
Na Síria, a situação não é melhor. Não apenas porque o país está envolvido numa guerra civil "de facto"; mas porque os rebeldes islamitas aproveitam o momento de luta contra o regime de Bashar al-Assad para fazerem outro tipo de limpezas religiosas. Só em Homs, 50 mil cristãos foram expulsos da cidade nos últimos dois meses de confrontos. Um número impressionante?
Nem por isso. No Egito, e só em 2010, 200 mil cristãos deixaram as suas casas em Alexandria, Luxor ou no Cairo. Esses foram os afortunados. Os menos afortunados foram mortos na passagem do ano em Alexandria (21) ou na capital (mais 27).
Claro que, perante este quadro negro, há motivos de esperança. Se os cristãos são perseguidos, massacrados ou expulsos dos países árabes, isso não significa que não encontrem abrigo na região. O leitor é capaz de adivinhar qual o pedaço do Oriente Médio onde a população cristã subiu 2.000% nas últimas seis décadas?
Se o leitor pensou na tolerante Gaza (ou na Cisjordânia), lamento desapontá-lo. Em Gaza, e desde 2007, metade da comunidade cristã também resolveu fazer as malas para não ter problemas com o Hamas. E, sobre a Cisjordânia, os 15% de cristãos estão hoje reduzidos a uns míseros 2%.
O país que tem servido de abrigo para a comunidade cristã é, acredite se quiser, Israel. Aliás, não apenas para os cristãos --mas para outras minorias perseguidas do Oriente Médio.
Eis o supremo paradoxo: Israel é um estado tão racista e intolerante que, na hora do aperto, é a escolha nº 1 das vítimas do racismo e da intolerância.
João Pereira Coutinho, escritor português, é doutor em Ciência Política. É colunista do "Correio da Manhã", o maior diário português. Reuniu seus artigos para o Brasil no livro "Avenida Paulista" (Record). Escreve às terças na "Ilustrada" e a cada duas semanas, às segundas, para a Folha.com.
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