Durante o domínio romano sobre Israel, em 63 a.C., o judaísmo sofreu forte influência da cultura greco-romana na Judeia, definida por Theodor Momnsen (1817 – 1903), pela primeira vez, como "Romanização", que já era um tipo de "Globalização" cultural da época, uma vez que o Império Romano impôs sua cultura aos povos invadidos, levando à assimilação cultural e à perda da autonomia territorial dos conquistados.

No período da invasão Romana à Judeia pelo general Pompeu – Cnaeus Pompeius Magnus (108 a.C. – 48 a.C.) em 63 a.C. –, o judaísmo procurou resistir à assimilação cultural e se fragmentou em correntes, que entenderam de modos diferentes como enfrentar a romanização da cultura judaica.

Foi nessa época que se entrou em discussão profunda sobre a "questão judaica", entendendo-se que tal expressão não traz novidade ao judaísmo, ao qual vem acompanhando desde a própria fundação, embora muitos pensem que tenha surgido com o advento da emancipação judaica no século XVIII.

1.2 “A Guerra dos Judeus” de Flavius Josefo

Sabe-se que o general e historiador hebreu Flavius Josefo – ou, em hebraico, Yosef Matetiau – que vinha de família sacerdotal e viveu entre 37 a 103 da Era Comum, foi aprisionado pelos romanos na revolta judaica em yodfat, no norte de Israel. Enviado como prisioneiro a Roma, prestou serviços como conselheiro de guerra ao Imperador Titus Flavius Vespasianus para se salvar.

Esse imperador de Roma exigiu que Flavius Josefo, como parte de seus serviços, acompanhasse as forças romanas na reconquista da Judeia, onde teve a função de registrar a guerra. Surgiu disso um livro "A Guerra dos Judeus", determinado por seu conteúdo e versão, porém com grande valor histórico para a posteridade.

O livro de Flavius Josefo foi escrito em aramaico[1] no original e é da maior importância para entender esse período crucial ao judaísmo. Nesse texto não há somente o relato sobre as guerras e a diversidade do judaísmo, mas também contém uma autobiografia,[2] em que comenta suas opções de vida:

Quando fiz treze anos desejei aprender as diversas opiniões dos fariseus, dos saduceus e dos essênios, seitas que existem entre nós, a fim de, conhecendo-as, eu pudesse adotar a que melhor me parecesse. Assim, estudei-as todas e experimentei-as com muitas dificuldades e muita austeridade. (Flavius Josefo)

Durante a invasão romana, o judaísmo esteve mais uma vez sob ameaça, porém esse malefício criou o sentimento de "fim dos tempos" expressão usada por Flavius Josefo.

O termo "fim dos tempos" foi encontrado também nos pergaminhos achados em escavações arqueológicas a partir de 1967, no Mar Morto, em Qumeran, na comunidade dos Essênios.

Entre centenas de pergaminhos estava "O Manuscrito da Seita", livro usado até hoje por grupos messiânicos no mundo inteiro, porém o "fim dos tempos" no conceito judaico não era o "fim do mundo" nem o da Humanidade, mas o fim do judaísmo.

Os judeus sentiam que tinham perdido não somente a sua autonomia territorial, porém, sim, sua autonomia cultural e religiosa, do mesmo modo que seus valores morais e éticos estavam para ser exterminados completamente pela poderosa força militar, política e cultural romana.

Essa realidade criou uma intensa discussão dentro do judaísmo e uma "Questão Judaica"[3] à época. Ganhou força a necessidade de reagir e de procurar soluções diferentes para sobreviver como povo, reforçando a espera de uma redenção messiânica, muito comum no judaísmo quando se sente ameaçado de sua existência.

1.3 A Questão Judaica no Conceito "Fim dos Tempos"

Nesse contexto se destacaram quatro visões diferentes do judaísmo, que se transformaram em profunda questão judaica, com nova dimensão nas formas e na diversidade de reagir e de frear o sentido coletivo de "fim dos tempos" judaicos.

Esse enfrentamento de ideias e pensamentos do judaísmo ajudou a criar quatro alternativas diferentes, três delas com conceitos judaicos próprios, pertencentes a correntes com estruturas reconhecidas dentro do mundo judaico, já com um perfil claro de judaísmo fragmentado, o que possibilitou a criação de uma quarta alternativa, os Zelotes (Kanaim קנאים em Hebraico), que eram muito mais um grupo político de guerreiros do que propriamente uma corrente.

Os quatro grupos foram os seguintes:

  • Saduceus - grupo formado por judeus ligados à aristocracia e pela casta dos sacerdotes, que dominava os serviços do templo e a administração dos lugares sagrados; grande parte dos saduceus se identificava com os valores romanos e se aculturou, bem como acreditava que, com o pagamento dos impostos (Fiscus Judaicus), poderia manter a autonomia religiosa e cultural na Judeia.
  • Fariseus - grupo composto pela maioria dos trabalhadores rurais e dos pequenos proprietários de terra, além de ser, em parte, erudito no estudo da Torá; opunha-se aos Saduceus; criou a lei oral em conjunto com a lei escrita; criou os Beit Hakinesset (casa do encontro), conhecida até hoje pelo nome grego, Sinagoga. A maioria dos fariseus resistia à cultura romana, mas outros adotavam, em parte, esses costumes e valores.
  • Essênios - grupo que era totalmente contrário à cultura e aos valores romanos; criava as próprias comunidades isoladas das influências externas; tinha uma prática espiritual que procurava um elo entre o homem e as forças naturais, como o ar, o fogo, a luz, a terra e a água, além de ser erudito no estudo da Torá. As organizações comunitárias dos essênios eram totalmente igualitárias, socializadas, pelo que todos trabalhavam em função da comunidade e comiam em refeitório coletivo. Os essênios eram pacifistas, por acreditarem que a vida era a dádiva de Deus mais sagrada.
  • Zelotes, ou Knaim, em hebraico - o último grupo não compõe exatamente uma corrente do judaísmo e sim um movimento político fundado pelo Yeuda (Judas), o Galileu, que se revoltou contra os romanos, recusando-se a pagar impostos (Fiscus Judaicus). Esse grupo incentivou as massas judaicas a se revoltarem contra o Império Romano. Eles lideraram a primeira grande revolta judaica e voltaram a conquistar Israel em curto prazo, acarretando a fúria do Império Romano, humilhado pela derrota que lhe fora infligida pelo pequeno exército dos judeus.


[1] O aramaico pertence ao subgrupo dos povos semitas, dentre os quais os canaanitas, os hebreus e os fenícios. A escrita do aramaico foi amplamente adotada pelo hebraico e pelo árabe.

[2] Os textos não-bíblicos encontrados nas grutas de Qumran são conhecidos como “manuscritos de seita”. Apesar da importante descoberta de quase todos os livros das Escrituras Hebraicas entre os MQ (o único livro não encontrado foi o de Ester), os manuscritos de seita são mais importantes, por ajudarem a preencher o ‘vazio’ documental do período, auxiliando a compreensão acerca da sociedade judaica dos séculos II a.C. a I d.C.

[3] A questão judaica foi levantada particularmente na Europa durante e depois da revolução Francesa, no século XIX, sobre a problemática judaica no que diz respeito a sua emancipação na comunidade cristã. Essa expressão se tornou intimamente ligada ao aumento do antissemitismo moderno na década de 1870.

* Parte da tese de mestrado de Jayme Fucs Bar

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