A Ashkelon de hoje em nada lembra a dos tempos de Sansão e Dalila, mas o passado está presente na paisagem desta cidade israelense de areias brancas e mar azul, situada num dos trechos mais bonitos do litoral Mediterrâneo.
Por causa de sua localização estratégica, ao longo dos séculos, o antigo porto de Ashkelon foi cobiçado e conquistado por vários povos. Já foi uma cidade-estado filisteia, uma polis helênica e uma cidade cruzada. Hoje, ruínas de várias civilizações misturam-se na modernidade da cidade israelense, erguida após a criação do Estado de Israel. A cidade abriga alguns dos achados mais surpreendentes do patrimônio cultural e histórico da humanidade.
Primórdios
Ashkelon foi uma das cidades portuárias mais antigas e importantes da antiguidade. A etimologia de seu nome é semítica-ocidental, provavelmente uma derivação da raiz hebraica do verbo shkl, “pesar”, uma indicação de que a cidade era um centro de atividades mercantis.
Apesar dos primeiros assentamentos datarem do final do 30 milênio antes da Era Comum (a.E.C ), os primeiros registros remontam ao século 19 a.E.C, quando é mencionada pela primeira vez, como “Asqanu”, nos Textos de Execração1 dos Faraós da 11ª Dinastia e, entre outros, nas “Cartas de Amarna” – tabletes de argila em escrita cuneiforme datada do século 14 a.E.C.
Ashkelon, cidade canaanita próspera e relativamente grande, em termos da Antiguidade, fazia parte dos domínios egípcios, assim como o restante da planície costeira da Terra de Israel. Mas, em meados do século 12 antes de nossa Era, é conquistada pelos filisteus, um dos “Povos do Mar” que haviam invadido a Anatólia Oriental e o Oriente Médio no final da Idade do Bronze. Os filisteus estenderam seu domínio sobre toda a costa sul da Terra de Israel, e a cidade portuária se torna uma de suas cinco principais cidades-estado, ao lado de Gaza, Gath, Ekron e Ashdod.
Nessa época, Ashkelon já era um importante centro de comércio, pois além de seu vasto porto natural, estava localizada no Caminho da Filisteia, antiga rota comercial que ligava Anatólia, Egito, Síria e Mesopotâmia. A rota passou a ser conhecida pelo nome posteriormente utilizado pelos romanos, “Via Maris”, ouCaminho do Mar.
Na história bíblica, Ashkelon é mencionada várias vezes. Ainda por volta do século 12 a.E.C., após terem sidos libertados do Egito, por Moshé, e percorrer o deserto durante mais 40 longos anos, liderados por Yehoshua, as tribos de Israel conquistam grande parte de Canaã. De acordo com o Tanach, Ashkelon está incluída na “herança dos Filhos de Israel na terra de Canaã” e era parte dos domínios da Tribo de Judá, que a havia conquistado (Juízes, 1:18).
Durante centenas de anos, os Filhos de Israel travaram sangrentas lutas contra os filisteus. Foi em Ashkelon que, de acordo com o Livro dos Juízes, Sansão matou 30 filisteus (Juízes 14-16). A cidade também é mencionada no lamento que David compôs após a morte do rei Saul em batalha contra esses inimigos de Israel, cujo relato abre o Segundo Livro de Samuel: “Não o noticiei em Gat, não o publiqueis nas ruas de Ashkelon, para que não se alegrem as filhas dos filisteus ...” (Samuel 2, 1:20).
Caberia ao rei David, que reinou de 1000 até 967 a.E.C, em rápidas e bem sucedidas campanhas militares, derrotar os filisteus e expandir as fronteiras de seu reino. Não conseguiu, no entanto, desalojá-los de Ashkelon, que continuou a ser uma de suas principais cidades. O profeta Amós previu a punição dessa cidade (Amós 1:8).
Pelo Tanach e outras fontes, sabemos que, após a cidade ter-se unido, em 701 a.E.C., ao rei Ezequias de Judá, na luta contra os assírios, Ashkelon foi atacada pelo rei assírio Sennecherib. No entanto, o domínio assírio apenas duraria um século, caindo com o aparecimento de nova potência, o Império Neobabilônico. Em 604 a.E.C., Nabucodonosor, rei da Babilônia, mais uma vez atacou a cidade para debelar uma revolta. Destruindo-a, leva seus habitantes para o exílio. Era o fim da civilização filisteia.
O império de Nabucodonosor também tinha seus dias contados, tendo caído em mãos de Ciro, o persa, em 539 a.E.C.. Ashkelon e seu porto estratégico foram reconstruídos, uma vez mais, e a cidade começa a ganhar fama por sua intensa atividade comercial e intelectual.
Após a conquista da cidade por Alexandre, Magno, no século 4 antes da Era Comum, a cultura persa, até então dominante, foi suplantada pela helênica. Com a divisão do Império de Alexandre, “Ascalon”, como era então chamada, passou a fazer parte do domínio dos Ptolomeus, tornando-se um porto livre e uma polis independente. Foi nesse período que os judeus começam a se estabelecer na cidade, em número cada vez maior, dando origem a uma comunidade próspera.
Tendo caído em mãos do rei Antíoco III e, sob domínio selêucida, a cidade se torna um importante centro de civilização helênica. Ashkelon consegue recuperar sua independência, quando, após a vitória dos Macabeus sobre os selêucidas (167 a 160 a.E.C.), e a criação de um reino hasmoneu independente, há um enfraquecimento do domínio selêucida na região.
E, embora a cidade se tenha rendido a Jonathan, o Macabeu (Macabeus, I) e, mais tarde, a Alexander Jannæus, consegue manter sua independência. Mesmo depois que Roma passa a dominar a região, no ano 63 da E.C., Ashkelon não perde sua independência, tendo autonomia para cunhar suas próprias moedas e garantir cidadania a seus habitantes, além de estar isenta de impostos, um privilégio raro para a época.
Durante a época romana, a cidade cresce como entreposto internacional. Suas exportações agrícolas lhes geram muito lucro, especialmente com produtos como o vinho, azeite de oliva, trigo, henna, tâmaras e cebolas. A prosperidade trouxe-lhes grandes casas com lindos terraços e jardins debruçados sobre o mar. Acredita-se que tenha sido lá que nasceu Herodes. Segundo Flávio Josefo, historiador judeu do século 1 E.C., apesar da cidade não lhe ter sido cedida pelos romanos, ele foi responsável por sua ampliação e embelezamento, construindo, entre outros, uma casa de veraneio, palácios e um aqueduto.
Durante a Grande Revolta Judaica contra Roma, que durou de 66 a 70, a cidade ficou do lado dos romanos, e houve lutas intensas entre a população judaica e a pagã helenizada. Forças judaicas chegaram a atacar a cidade; em represália, os romanos mataram mais de 2.500 judeus. Após a Revolta de Bar Kochba e a queda da Judeia, muitos judeus se assentaram em Ashkelon.
A comunidade continuou a crescer e, nos séculos seguintes, a cidade torna-se um importante centro judaico. No período da Mishná e do Talmud, havia judeus vivendo em Ashkelon, como comprovam os vestígios de uma sinagoga do 2º ou 3º século. As fontes talmúdicas mencionam seus pomares e sua reputada feira. Os pomares se encontravam dentro das fronteiras de Eretz Israel, mas não da cidade administrativa, ficando esta isenta, portanto, das leis referentes aos dízimos e anos sabáticos.
Ainda nos séculos 2 e 3 Ashkelon foi sede de uma escola de filosofia helênica e sua população impôs forte oposição ao cristianismo. Mas essa oposição tende a desaparecer à medida que o cristianismo vai-se espalhando por todo o Império Romano. A partir do século 4, quando se torna a religião oficial do Império, igrejas monumentais são erguidas na cidade e mosteiros são construídos nas redondezas. Ainda hoje seus restos podem ser vistos.
Ashkelon passa a ser o porto de desembarque de peregrinos cristãos cujo destino era Jerusalém, a pouco mais de 20 quilômetros de distância. Ashkelon desfruta um novo boom. A agricultura volta a florescer assim como o comércio, principalmente a demanda internacional por seus vinhos de fina qualidade. Ânforas da era bizantina da cidade foram encontradas a uma distância tão grande quanto Londres.
Idade Média
No século 7, em sua trajetória de conquista da região, forças islâmicas tomaram Ashkelon. No período abássida havia na cidade uma comunidade judaica própera. Foram encontradas cartas na Guenizá do Cairofazendo menção aos judeus desse período edos fatimidas, em que os judeus são chamados de Kehal Ashkelon (“a comunidade de Ashkelon”).
No primeiro período do domínio cruzado sobre a Terra de Israel, uma Ashkelon ainda invicta abrigava um grande número de refugiados em fuga perante a crueldade dos cruzados, entre os quais muitos judeus. A comunidade judaica se tornara um santuário para aqueles que escapavam de Jerusalém, e tinham que enfrentar assuntos tais como resgatar os cativos e comprar objetos de cultos de sinagogas saqueadas. Os judeus de Ashkelon mantinham ligações com os centros judaicos no exterior.
Em 1153, a cidade foi conquistada pelos cruzados, liderados por Balduíno III. Passa a fazer parte da Comarca de Jaffa e Ashkelon, um dos senhorios vassalos do Reino de Jerusalém, criado em 1099. Os cruzados construíram fortificações e um castelo cujas ruínas podem ser vistas até hoje.
Após a conquista cruzada, parte da população judaica permaneceu na cidade. O historiador-viajante Benjamin de Tudela, que, em 1170, passou por lá, a descreve em sua obra, Livros de Viagem, como “uma cidade grande e bonita, com 200 judeus, e, além deles, várias dezenas de caraítas e ainda 300 samaritanos”.
Em 1187, Saladino il-Ayubbi reconquista a cidade e destrói suas fortificações. Os habitantes cristãos da cidade, com exceção de 100 mercadores, foram evacuados e substituídos por muçulmanos, e sua população judaica assenta-se em Jerusalém. Judah Al-Harizi menciona que entre os habitantes judeus de Jerusalém havia “uma excelente congregação de Ashkelon”.
Sendo um estratégico porto do Mediterrâneo que dava acesso a toda a Terra Santa, cristãos e muçulmanos lutaram incessantemente por seu domíno. Em 1190 Ashkelon foi reconquistada por Ricardo Coraçao de Leão; novamente destruída, é reedificada mais uma vez, em 1240, e, quatro anos depois, passa ao domínio dos sultões Ayyub. Em 1270, a cidade cai em mãos do sultão mameluco Baybars, que, face a uma possível invasão cristã à Terra Santa, ordena sua total destruição. A cidade transforma-se, mais uma vez, em ruínas. Sob domínio otomano, Ashkelon foi um pequeno povoado, habitado principalmente por mercadores e agentes comerciais que utilizavam seu porto. Não houve comunidade judaica local ao longo de todo esse domínio. Por volta de 1830, Ibrahim Pasha, governador egípcio, funda a cidade de Majdal, nela instalando famílias de tecelões egípcios.E, mais próximo ao porto, ficava a aldeia dos pescadores, al-Jūra.
Uma cidade israelense
Durante a Guerra da Independência de Israel (1948), o exército egípcio invasor tomou Majdal, para servir de base para unidades de seu exército. Mas tiveram que evacuar pelo mar, em outubro do mesmo ano, quando as forças de Israel o cercaram por terra.
Pouco após a Guerra, os habitantes de Majdal abandonaram a cidade e foram para Gaza. Após pouco tempo, desenvolveu-se um assentamento judaico, com o nome de Migdal-Ashkelon. A partir de 1949, imigrantes judeus de vários países se assentaram nesse povoado. Em 1952, em uma iniciativa da Federação Sionista da África do Sul, a Campanha de Guerra Judaica Sul-africana comprometeu-se com a implementação de um programa de planejamento, baseado no conceito de unidades de bairros independentes.
Em 1955, Ashkelon recebeu o status de cidade. Seus cinco bairros eram: o povoado de Majdal (Migdal), centro comercial e do mercado; o bairro Afridar, fundado por emigrantes da África do Sul, que se ligava à região dos hotéis próxima à praia; as Colinas ao Sul, bairro de moradias de imigrantes; o bairro residencial de Shimshon e o bairro Barnea.
Turismo e recreação constituíam uma parte importante da economia da cidade. Em 1969, construiu-se um oleoduto ligando Eilat a Ashkelon. No início deste século 21, a economia da cidade baseia-se na indústria, em serviços administrativos, no comércio e turismo, dando emprego a cerca de 40 mil pessoas e fazendo da cidade um centro regional. Hoje Ashkelon possui pouco mais de 120 mil habitantes, dos quais cerca de um terço com menos de 18 anos. Cerca de 40% de seus moradores chegaram a Israel nos últimos 20 anos vindos da Etiópia e da ex-União Soviética. Os mais antigos vieram, principalmente, dos Estados Unidos, do Canadá, da África do Sul e da Europa Ocidental.
Riquezas arqueológicas
A moderna Ashkelon está localizada a 3,5 km a nordeste das ruínas de sua homônima dos tempos bíblicos. Ruínas canaanitas, romanas e otomanas, entre outras, misturam-se à cidade israelense com suas galerias de arte moderna e museus a céu aberto.
Como muitos lugares em Israel, a Ashkelon moderna foi construída sobre as ruínas das civilizações que a antecederam, sendo assim nomeada em homenagem à sua antecessora. A riqueza de seu passado pode ser constatada pelas constantes descobertas arqueológicas. Ao se escavar as fundações de uma nova construção, é comum encontrarem-se tesouros escondidos de sua história, ou, às vezes, as tempestades revelam maravilhas. Uma tempestade, em dezembro de 2010, que causou um colapso em parte de um penhasco litorâneo, desencavou restos de uma estátua de mármore, sem cabeça, de uma mulher vestindo uma toga e sandálias, e um piso em mosaico do que pode ter sido uma casa de banhos, ambas do período romano.
Os sítios arqueológicos não estão concentrados em uma única área da cidade, mas se espalham por vários pontos. Edifícios da antiga cidade árabe de Majdal podem ser vistos muito bem conservados no bairro de Migdal, incluindo a maior mesquita da cidade, construída em 1300 pelo sultão mameluco do Egito, Al-Nasir Muhammad. Este foi um dos primeiros edifícios erguidos pelos mamelucos em Majdal depois que destruíram a cidade em 1270. Para a obra, utilizaram parte de antigos prédios. No bairro Barnea, há vestígios de duas igrejas bizantinas do século 4 e um piso de mosaico do século 5.
Têm sido realizadas, desde 1985, escavações na área onde ficava a antiga Ashkelon, quando o filantropo Leon Levy e o arqueólogo Lawrence E. Stager, professor da Cátedra Dorot de Arqueologia de Israel, na Universidade de Harvard, se uniram para iniciar a escavar na área do porto de Ashkelon, na costa Mediterrânea de Israel.
Após mais de 17 temporadas de escavações, a Expedição Leon Levy para Ashkelon, sob a égide do Museu Semítico de Harvard, continua a ter sucesso. O projeto é um dos mais importantes, nos EUA, na área de arqueologia em Israel. Os resultados de mais de duas décadas de escavações estão sendo compilados em dez volumes e serão publicados pelo Museu Semítico de Harvard.
Um dos mais notáveis achados em exposição no Museu, é uma réplica de um pequena escultura canaanita de um bezerro em metal, e sua “casa” de barro, datados de meados do segundo milênio a.E.C.
No Parque Nacional situado na parte mais ao sul dos limites da cidade, está localizado o Tel Askhelon. Sob ele estão vestígios de várias épocas, entre os quais o impressionante portão da cidade, de tijolos de barro, que data do período canaanita, de cerca de 2.000 a.E.C., sendo o mais antigo encontrado na região do Levante, além de um edifício público e várias esculturas da era romana.
Ao passear por suas trilhas e alamedas, faz-se uma viagem ao passado distante, sendo possível ver escavações em andamento que revelam as origens bíblicas da cidade. Há, ainda, um jardim de esculturas com inúmeras estátuas romanas.
Atrações nos arredores
Ao sul de Ashkelon está o Kibutz Yad Mordechai, fundado em 1943 por jovens judeus poloneses do movimento Hashomer Hatzair e assim denominado em homenagem ao líder da revolta do Gueto de Varsóvia, ocorrida durante a 2ª Guerra Mundial contra os alemães, Mordechai Anilewicz.
A poucos quilômetros de Ashkelon está o Kibutz Negba, fundado em 1939, também por jovens poloneses do Hashomer Hatzair, fazia parte de um grupo de 11 kibutzim ao Sul, erguidos apenas em um dia e uma noite, como forma de burlar a lei britânica que restringia os assentamentos judaicos. Durante uma das mais difíceis batalhas da Guerra de Independência, as forças egípcias quase capturaram o local, mas foram impedidas por um grupo de 150 defensores que resistiram a meses de cerco e bombardeio. Os egípcios acabaram por se retirar, derrotados pela determinação de seus inimigos.
A região no entorno da atual Ashkelon abriga, ainda, uma série de cavernas no pequeno parque de Amatzia. O local teria sido usado como refúgio pelos judeus que fugiam da perseguição romana durante a Revolta de Bar-Kochba, no século 2. Cerca de 300 pessoas lá viveram. O complexo, totalmente restaurado, inclui uma sinagoga, uma sala de vigilância, cisternas, almoxarifado, uma prensa de azeite e caminhos secretos.
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