Recentemente, no prestigioso jornal israelense HaHaretz, um artigo de opinião chamou a minha atenção. O artigo intitulado: “Lou Reed, the ultimate counter-Jew“1 (em português: “Lou Reed, o “anti-judeu” supremo) escrito em ocasião da morte do roqueiro Lou Reed, um jovem judeu nascido no Brooklyn em Nova Yorque, que cresceu da tradição judaica milenar conservadora para o submundo do rock’n'roll e da liberdade individual. Em uma entrevista no ano de 1998 para a revista NYROCK2, Reed declarou: “My God is rock’n'roll. It’s an obscure power that can change your life. The most important part of my religion is to play guitar.” (em português: “Meu deus é o Rock’n'roll, uma força oculta que pode mudar a sua vida. O ritual mais importante da minha religião é tocar a guitarra.”) Apesar disso, ele sempre apoiou Israel e a causa do Estado Judeu no Oriente Médio – demonstrando a sua identificação e vínculo com o povo judeu.
O artigo é do Dr. Noah Efron3, professor de ciência, tecnologia, filosofia, história e sociedade na universidade Bar Ilan – uma mente multidisciplinar talentosa que trabalha para promover em Israel discussões semelhantes a de grandes instituições tecnológicas como a MIT em Massachusetts, fazendo o link entre ciência, tecnologia, sociedade e o indivíduo.
Antes de comentar um pouco mais sobre o artigo, compartilho sua tradução na íntegra:
Lou Reed, o “anti-judeu” supremo
Noah Efron comprou o disco ‘Walk on the Wild Side’ com dinheiro do seu presente de bar mitzvá. Décadas depois, ele paga tributo ao judeu que quebrou todas as regras
Noah Efron, para o jornal Haaretz em 28/10/2013
Eu tive duas educações judaicas: uma realizada por rabinos, a outra por Lou Reed. “Walk on the Wild Side” foi lançado duas semanas antes do meu bar mitzvá, e eu comprei com o dinheiro que meus pais me deixaram pegar dos meus presentes em dinheiro antes de ser depositado “para o futuro”. Eu coloquei o disco para repetir, e tocou várias e várias vezes, o suficiente para que, 40 anos depois, as letras ainda venham facilmente.
Para uma criança de yeshivá, o mundo sinistro que essas letras descreviam era magnético – atrativo e repulsivo ao mesmo tempo. “Holly veio de Miami, Flórida/ Atravessou os EUA pegando carona/ Depilou as sobrancelhas no caminho/ Raspou as pernas e então ele virou ela”. Deitados de costas no meu carpete, eu e meus amigos analisamos a canção com rigor talmúdico, rastreando alusões e decodificando referências. Não foi a transgressão (ou o sexo ou as drogas ) que nos surpreendeu – tínhamos 13 anos, afinal, e uma criança aprendia coisas no parque – era a aceitação perplexa de Reed a tudo isso, seu afeto sincero para malucos, viciados e desajustados.
Claro, era muito importante para nós que Reed era judeu. Reed se tornou o nosso anti-judeu. O judaísmo de nossos rabinos era o judaísmo de seguir regras. Reed era um judeu que quebrou regras. O judaísmo de nossos rabinos era um de auto-controle e auto- negação. Reed cantou canções provocativas de amor à heroína. No nosso judaísmo, a tradição era o que importava. Para Reed, era a originalidade. O judaísmo que conhecíamos ensinava retidão; a atitude de Reed foi estragar isso. Nosso judaísmo evitava qualquer um além dos quatro pilares do nosso mundo estreito; Reed amava travestis.
Não demorou muito para perceber que Reed não estava sozinho. Enquanto eu estudava sua discografia e me apaixonava perdidamente pelo Velvet Underground, descobri outros anti- judeus como ele: Lenny Bruce, Bob Dylan, Abby Hoffman, Ellen Willis, Philip Roth, Sulamita Firestone, Allen Ginsburg e muitos mais. Reed e esses outros, por meio de alguma alquimia estranha, tinham transformado minha tradição implacável em música e humor e fantasia e poesia e prosa e, acima de tudo, paixão.
Max Weber, o grande sociólogo , escreveu que as religiões podem ser dominadas por sacerdotes ou por profetas. Sacerdotes defendem o status quo. Profetas subvertem-no. Lou Reed foi o meu profeta. Ele mostrou-me que as regras são feitas para serem quebradas tanto quanto seguidas, que as tradições são feitas para serem abaladas tanto quanto preservadas, que lealdade se deve ao estranho e ao estrangeiro, bem como ao familiar e familiares, que há o que aprender com o pecado tanto quando com a virtude. É muito extravagante dizer que passei quarenta anos tentando equilibrar os rabinos e Reed, mas apenas por um pouco.
Agora, apenas algumas horas depois de saber de sua morte, parece justo dizer que, graças a Lou Reed, minha vida (como a de tantos outros) foi salva pelo Rock ‘n’ Roll.
Baruch Dayan Emet (Bendito seja o Juiz da Verdade)
A homenagem póstuma do Dr. Efron é um exemplo de como o judaísmo continua em constante evolução, especialmente aqui em Israel, onde se integra o judaísmo milenar com uma sociedade moderna que se orgulha e enche o peito ao dizer que é a única democracia do Oriente Médio.
Para ele, assim como milhares de jovens judeus crescendo em nosso mundo moderno, o fato do artista ser judeu faz com que ele se sinta mais identificado com aquele artista, como se ele representasse a sua luta por liberdade individual de expressão e opinião em uma sociedade conservadora de tradições milenares. Como se aquele jovem judeu tocando guitarra e falando sobre as coisas que ele gostaria de estar falando (mas não tinha coragem) fosse um profeta mostrando o verdadeiro caminho a ser percorrido. É como se a religião milenar se refletisse nas figuras judaicas que obtém glória através da música – música que é percebida como religião.
A própria música tem um papel central nesta percepção e vinculação com a religião. A música e os cânticos em grupo são metodologias muito efetivas de transmissão de conhecimento oral e integração – e são utilizadas pela religião por muitos anos para rezas e orações grupais. A música e o ritmo que antes apenas carregavam o nome de Deus e os seus mandamentos em um mundo idealizado, agora também carregam o nome de simples terráqueos com problemas terrenos em um mundo moderno e imperfeito como o que nós vivemos. O Rock’n'Roll (e o que representa como movimento liberal) vangloria e critica o homem, o agora, o mundo dos sentidos em que o homem é autônomo para tomar as suas decisões e cumprir com as suas consequências. O Rock’n'Roll não busca doutrinar, mas sim educar e fazer refletir – fator importante que se encontra inclusive nas raízes da própria religião judaica.
Música que nos faz mover, que nos dá ritmo… música que nos faz escutar.
Vejam um exemplo de Rock’n'Roll israelense que critica de forma pesada o judaísmo charedi (temeroso), os “crentes ultra-conservadores” da Europa Oriental. A música se chama “Voodoo”, da banda “Mercedes Band” e só em Israel um clipe assim é possível sem ser considerado antissemita:
O que você acha da junção do Rock’n'Roll com a dança chassídica?
Fica a reflexão e abaixo o espaço para expressar a sua opinião!
Lou Reed (1942-2013) Brooklyn, Nova Yorque –
1 – Artigo original (em Inglês): http://www.haaretz.com/opinion/.premium-1.554741
2 – Entrevista com Lou Reed (NYROCK): http://www.nyrock.com/interviews/loureed_int.htm
3 – Perfil do Dr. Noah Efron: http://www.haaretz.com/misc/writers/noah-efron-1.553451
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