Atenas e Jerusalém travaram antes da era cristã uma outra batalha. Era a filosofia grega contra a lei judaica. Alguns rabinos não conseguiam conciliar estas polaridades. A partir de Fílon de Alexandria, as duas correntes tendem a caminhar em harmonia, dando origem a muitas teses e debates entre os filósofos sefarditas da Hispânia.
Durante o domínio helênico em Israel, o confronto Filosofia/Torá ganha vulto. A língua grega torna-se proibida aos jovens judeus, numa tentativa de conter a assimilação. Os mais aflitos indagavam à liderança religiosa se, estudando toda a lei, poderiam estudar a filosofia. E os rabinos respondiam: "Procura saber a que hora não se deve estudar a Torá e, nessa hora, estuda a filosofia grega."
A problemática dessa questão está contada no pensamento de Fílon de Alexandria (nascido entre 30-20 a.C.), judeu bastante instruído no pensamento grego. Comentador da Bíblia, tinha Moisés em alta consideração, porque recebera a revelação de modo direto. Fílon foi seduzido pela filosofia. Mediante uma exegese concordatária bíblica e da cosmogonia grega, o filósofo conclui que há uma identidade de conteúdo das idéias gregas e das revelações bíblicas.
A seus olhos é dado verificar que a Torá, enquanto revelação divina, contém as verdades morais que os filósofos pagãos descobriram através da razão natural. A kolmach (sabedoria hebraica) é um modo de expressar a sofia (sabedoria grega).
Depois de Fílon, a sabedoria entra em decadência junto ao judeu. O florescimento filosófico entre o povo israelita reaparecerá com muito vigor na Idade Média, em solo de cultura árabe. Os auspícios não são de modo a conciliar Torá e filosofia, como eram feitos por cristãos, mas facilitam a aprendizagem de certos fatores singulares da filosofia natural, desde que não choquem com a integridade, a imutabilidade e a eternidade da Torá.
No século 10, Isaac Israeli fará um esforço especulativo nesse sentido. Neoplatônico e médico, ele terá mais facilidade na aquisição de conhecimentos naturais. Na verdade, ele torna-se mais um compilador e comentador do que um filósofo.
Pouco depois surge Saadia Gaon, da academia de Sura, em Bagdá, o verdadeiro fundador da escolástica judaica. Gaon defende o judaísmo contra as contaminações vindas do estrangeiro pagão, mas está disposto a verificar até que ponto a sabedoria natural dos filósofos coincide com a sabedoria revelada dos rabinos. Na sua crítica do saber há três autoridades: as Escrituras, a Tradição e a Razão.
Nos séculos seguintes do medievo, a aventura da filosofia judaica será sobre a lealdade da Aliança. As experiências desnacionalizantes do cativeiro babilônico evidenciaram a crise da Lei. A defesa radical da Torá e o desenvolvimento da interpretação literalista são modos de reagir contra a perda do Estado judaico.
No século 11, o debate entre Torá e Filosofia ganha força no pensamento do primeiro filósofo judeu da Espanha, Shlomo Gabirol, natural de Málaga e autor da Mekor Haim (Fonte da Vida). Neoplatônico de visão platonista, Gabirol escreveu este livro em forma de diálogo, onde a fonte da vida é a vontade de Deus criador, inacessível ao Ser absolutamente transcendente. Conciliando aristotelicamente forma e matéria, admite um hilemorfismo, em que o existente dispõe de forma e de matéria, sendo que a multiplidade decorre da forma e da matéria originais, o substrato formal e material.
Se em Gabirol o propósito reflui para uma compreensão helênica e intelectiva da Torá e da Filosofia, Rabenu Bahia Pacuda (século 12) regressará ao tema da harmonia da mística com a ciência, o que, no fundo, constitui a discussão interna do valor natural da Torá e do valor divino da Filosofia, num quadro discursivo em que a Lei é soberana.
Contra a tendência racionalista na filosofia judaica, levanta-se Iehuda Halevi, autor da kedushá (Hino da Criação) e do Cusarí (Defesa da Religião Desprezada), escrita contra os literalistas, os filósofos e os idólatras, incluindo os cristãos. No pensamento de Halevi, a teologia é superior à antropologia. Enquanto a Torá busca Deus para grandes proveitos, a Filosofia apenas indaga se há Deus. Halevi difere de Jesus, pois preconiza a validade integral dos 613 preceitos. Mas aproxima-se de Jesus quando admite uma certa gama de leis naturais, acidentais, que só valem enquanto passíveis de ascese para a Torá fundamental.
As três grandes religiões monoteístas da Idade Média tiveram seus filósofos escolásticos. O judeu Moshe Maimon, o cristão Tomás de Aquino e o maometano Averróis. Maimon (1135-1205) tem como matriz do seu saber a gramática e a lógica, seguidas pela matemática e a astronomia, tudo fundado no saber teológico. Liberal, não aceitava o tradicionalismo que repudiava a Filosofia em nome da Torá, nem o modernismo, que minorava esta em nome daquela. Procurou demonstrar que o Talmud, explicado pela Mishná, contém o sistema hebraico equivalente do grego, como ensinava Fílon.
A filosofia sefardita baseada em Averróis inspirou vários autores judeus. O averroísmo na filosofia judaica significa o último momento da predominância árabe no pensamento judaico, uma vez que, após a glória do século 13, a filosofia sefardita tende a concentrar-se na nuclearidade da fé e nos pressupostos humanistas do Renascimento.
O averroísmo judaico manifestou-se intensamente em Moshe Crispin, autor de um tratado sobre a providência divina e a imortalidade da alma, e em Isaac Albalag, autor de uma Doutrina. Enquanto o primeiro critica Averróis, com uma tese da eternidade do mundo, Albalag ultrapassa o aristotelismo moderado de Maimon e segue o aristotelismo radical de Averróis, dando à eternidade do mundo validade teórica.
Enquanto as teses averroístas eram passíveis de rejeição, as de Maimon exigiam melhor análise, pois estavam quase que totalmente baseadas na tradição judaica. Os primeiros ataques ao filósofo de Córdoba provieram do gaonato egípcio e a segunda onda crítica veio do norte da França, onde houvera pouca penetração averroísta. A repulsa asquenazita pela filosofia e sua tendência literalizante da Torá levaram o rabinato nórdico a lançar o herem (excomunhão) contra o filósofo hispânico.

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