São milhares de cidadãos com sobrenomes familiares aos brasileiros: Pereira, Araújo, Almeida, Albuquerque, Bezerra, Caldeira, Cabral, Carneiro, Dias, Cardoso, Coimbra, Melo, Lopes, Salgado, Oliveira, Mendes, Castro, Saldanha, Moreno, Pinto, Costa etc. Entretanto, há 500 anos, nas terras da Península Ibérica, os antepassados desses milhões de brasileiros portavam nomes e identidades diferentes: Aboab, Cohen, Abravanel, Aruch, Obadia, Abulafia, Danon, Eskenazi, Hakim, Finzi, Gabirol, Gabbai etc. A mudança drástica ocorrida em suas raízes familiares, culturais e religiosas e a ruptura radical com um passado milenar peculiar e único, resultaram em uma inimaginável legião de órfãos de pais biológicos vivos. Afinal, o que significa um estreito lapso de cinco séculos frente à imensidão de um cenário macro formado por mais de três milênios de história e tradição?
A procura pela identidade primeira, representada pela ancestralidade original, tem mobilizado milhares de pessoas em várias partes do mundo interessadas em encontrar respostas a uma série de sentimentos reprimidos e a incontáveis dúvidas existenciais. Com o intuito de ajudar a essas pessoas especiais a encontrar as suas raízes, foi fundada em 2004 a organização SHAVEI ISRAEL (Retorno a Israel), com sede em Jerusalém. A instituição está presente em quatro países, além do Brasil. Seu dirigente, Michel Freund, acredita que existam 13 milhões de descendentes de judeus que ainda guardam alguma prática judaica de seus antepassados, 500 anos depois da tragédia e das fogueiras da Inquisição.
Pelo retorno de um povo: A missão mais que possível.
Michael Freund, 43 anos, é um novaiorquino formado em Finanças pela Columbia University e Política Internacional pela de Princenton. Vivendo em Israel há mais de de uma década, ele também percorre meio mundo para descobrir e ajudar os “judeus perdidos” a reencontrarem a sua herança milenar. Fundador da Organização SHAVEI ISRAEL , com sede em Jerusalém, Freund mantém contato com as várias comunidades de descendentes dos chamados “falsos cristãos” ou “bnei anussim” (filhos dos forçados – descendentes daqueles que foram convertidos à força ao catolicismo, durante a Inquisição), na Europa, América do Sul, África e Ásia.
Organizando seminários e instalando centros de estudos e de apoio para atender a todos que têm um real interesse em recuperar as suas origens, o SHAVEI ISRAEL conta com um grupo de prestigiados educadores e rabinos que realizam as conversões sempre de acordo e com a aprovação do Rabinato de Israel.
Em 2005, Freund se encontrou com pessoas de Burma, Espanha, Peru, Índia, Colômbia e Japão que tinham feito o “monumental passo de formalmente se unir ao povo judeu”. Eram biólogos, tradutores, professores e até mesmo um ex-padre católico. “Nesta época em que tantos jovens judeus abandonam as suas raízes judaicas, ver este despertar, sem precedentes, acontecendo sob os nossos olhos, com pessoas batendo a nossa porta, com sinceridade, suplicando para entrar, é emocionante e inspirador”, enfatiza.
Os judeus perdidos do Nordeste
No Brasil, os emissários do SHAVEI já criaram um núcleo em Recife. Historiadores acreditam que o nordeste do Brasil abriga uma das maiores concentrações de bnei anussim do mundo. Em 2008, 45 famílias que descobriram as suas raízes judaicas (30 de Pernambuco e 15 da Paraíba) estudavam as leis, os costumes religiosos, as festas, o calendário e o significado do retorno. Segundo o rabino Eliezer Sabba que ministrava o curso, os bnei anussim podem ser encontrados principalmente nos estados de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Também existem judeus perdidos no Ceará, sertão da Bahia e norte de Minas Gerais.
Na reportagem para o Jornal do Comércio de Recife, o rabino explicou que muitos dos chamados cristãos-novos (judeu convertido à fé cristã) fugiram de Portugal para o sertão brasileiro porque era mais fácil manter as práticas judaicas. Embora a Inquisição também tenha chegado ao Brasil, a perseguição era menor.
Sobre as diversas maneiras de se reconhecer as raízes judaicas das pessoas, as mais importantes são o sobrenome e os hábitos familiares. Os sobrenomes estão geralmente associados a árvores, animais ou ao local onde viviam. Por exemplo, Matos e Selva, no interior do estado, e da Costa, no litoral. Bezerra é outro nome que identifica um cristão-novo. Quanto aos costumes, o rabino disse que conversou com pessoas que não comiam carne de porco, mas não sabiam explicar o motivo. Outras tinham aprendido com a família a acender velas todas as sextas-feiras para o anjo da guarda, sem fazer vinculação com o sábado dos judeus. Outro costume mantido no interior semelhante ao ritual judaico seria a forma de enterrar os mortos, enrolados numa mortalha e direto na terra.
Da selva peruana à China pessoas regressam ao Judaísmo
Ainda na América do Sul, Freund enviou, em 2006, um rabino para uma cidade na selva amazônica peruana, a pedido da comunidade de Tarapoto, a 600 quilômetros ao norte de Lima, capital do Peru. Conhecida como a cidade dos Salmos, ela possui algumas centenas de descendentes de judeus marroquinos que conservam sobrenomes como Ben-Zaken, Ben-Shimon e Cohen.
Outro grupo que o SHAVEI tem dado assistência é aquele formado pelos descendentes da tribo perdida de Menashé (7.200 membros) que vive no noroeste da Índia, nas cidades de Mizoran e Manipur. Mil e quatrocentos deles já imigraram para Israel e outros 700 esperam fazer o mesmo. Eles se declaram descendentes dos judeus exilados da terra de Israel, pelos assírios, há 2.700 anos. Quatro dos cinco livro da Torá já foram traduzidos diretamente do hebreu para a língua local – Mizo.
Na China, os judeus da cidade de Kaifeng foram descobertos no século 17, e apesar da assimilação e da pobreza da comunidade, alguns ainda conservam a sua identidade. Também os judeus da Polônia e da Rússia, devido as guerras e ao regime comunista esconderam as suas identidades judaicas e agora participam de um movimento de retorno às suas origens.
Na Espanha e Portugal, os países mais afetados pela Inquisição, muitos desses bnei anussim conservaram a sua identidade judaica secretamente, por 500 anos, como foi o caso dos judeus de Palma de Mallorca e de Belmonte. Nesta última cidade, no norte de Portugal, 150 desses cristãos-novos que se mantiveram leais às práticas do Judaísmo já foram formalmente reconhecidos por uma Corte Rabínica de Jerusalém.
De braços abertos para os que retornam
Em 2007, fiz algumas perguntas via email ao Sr. Freund que antes de se dedicar à causa dos “judeus perdidos” trabalhou com o Primeiro Ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, no cargo de vice-diretor de Comunicações e Planejamento Político do Governo (1996-1998). Freund também escreve periodicamente para o jornal “Jerusalém Post” e o seu blog – Fundamentally Freund – foi escolhido entre os três melhores de Israel, em 2005, na categoria de política e negócios e de defesa dos interesses do país:
O que levou o senhor a fundar, em 2004, uma instituição como o SHAVEI ISRAEL?
- Eu decidi lançar o Shavei Israel porque percebi que o povo judeu encontrava dificuldades em ajudar mais efetivamente os descendentes dos judeus ao redor do mundo que desejassem investigar as suas origens judaicas. Em anos recentes, o fenômeno da globalização surgiu e alcançou aqueles indivíduos e comunidades que tinham uma conexão histórica com o povo judaico, e que começaram a manifestar um crescente interesse em se reconectarem à sua herança judaica. Eu acredito que é nossa responsabilidade, como judeus, adotar essas pessoas, estender-lhes a mão e dar as boas-vindas em seu retorno ao lar.
Através dos séculos, como conseqüência de uma cruel perseguição e exílio, muitos judeus foram forçados a se converterem a outras religiões ou deixar de lado a sua identidade judaica. Tomemos, por exemplo, Espanha e Portugal no século XV, quando centenas de milhares de judeus foram obrigados a se converterem ao Catolicismo contra a sua vontade. Apesar disso, muitos continuaram a seguir o Judaísmo em segredo preservando a sua identidade judaica, mesmo conscientes do grande risco que esta prática envolvia. Eles eram conhecidos como marranos ou bnei anussim, na língua hebraica, que significa “aqueles que foram forçados”. Eles mantiveram a sua identidade judaica secretamente, de geração em geração, e, atualmente, seus descendentes podem ser encontrados em toda a parte do mundo onde se fala espanhol e português, incluindo, logicamente, o Brasil, onde, talvez, esteja localizado o maior número de descendentes de judeus, possivelmente uma cifra que chega a milhões de pessoas. São exatamente estas pessoas que nós desejamos alcançar.
Contudo, eu precisaria acrescentar que o Judaísmo não é uma religião missionária e nós não somos uma organização missionária. Em vez disso, nós trabalhamos com pessoas que não apenas têm uma ligação biológica com o Judaísmo e os judeus, mas também uma natural identificação e que estejam interessadas em fortalecer esta conexão mais adiante.
Israel e o povo judeu defrontam-se com um imenso desafio demográfico. Nós somos um pequeno povo – apenas 13,5 milhões de judeus em todo o planeta! – e nossos números não crescem como seria desejável. Por conseguinte, indo ao encontro de nossos irmãos e irmãs perdidos e trazendo-os de volta para a congregação, nós poderemos nos fortalecer, tanto espiritualmente como numericamente.
Quais são as grandes vitórias do SHAVEI ?
- A instituição tem se expandido de forma extraordinária nesses anos, e nós estamos presentes, agora, em oito países ao redor do mundo, incluindo Espanha, Portugal, Brasil, Índia, Peru, Rússia, Polônia e China. Na Índia, nós temos dois centros educacionais para os “Bnei Menashé”, um grupo de descendentes de uma Tribo Perdida de Israel.
Em março de 2005, o Rabino Chefe Sefaradit de Israel, Rabbi Shlomo Amar, reconheceu formalmente os bnei Menashé como descendentes de Israel, e então nós organizamos a ida de uma Corte Rabínica (Beit Din) à Índia, em setembro do mesmo ano, onde foi possível converter 200 membros da comunidade que retornaram ao Judaísmo.
Na Espanha, Portugal e Brasil, nós temos emissários atuando em Palma de Mallorca, na cidade do Porto e Recife, onde trabalham com os rabinos para a comunidade local e ao mesmo tempo realizam serviço voluntário com os bnei anussim em diversas áreas. Nós organizamos seminários e simpósios, várias vezes ao ano, e temos publicado um bom número de livros e folhetos em espanhol sobre a história judaica, sua cultura e tradições. Também em Jerusalém nós mantemos o Instituto “Machon Miriam”, de língua espanhola, para conversão e “retorno”, onde estudantes se preparam para submeter-se à conversão formal ao Judaísmo.
Nós trabalhamos, ainda, com os descendentes dos judeus da comunidade de Kaifeng, na China, com os judeus de Subbotnik, na Rússia, e com os “judeus secretos” da Polônia. Igualmente patrocinamos uma variedade de cursos profissionalizantes para os novos imigrantes que chegam a Israel, providenciando bolsas de estudo e computadores para os estudantes carentes e fornecendo ajuda de custo nos primeiros meses de sua chegada ao país. Todo o nosso trabalho é conduzido de acordo com a Lei Judaica e sob a supervisão contínua da Chefia do Rabinato de Israel.
De que forma as pessoas podem ajudar o SHAVEI ISRAEL?
- Um de nossos objetivos também é formar uma consciência entre a comunidade Judaica acerca da existência de grupos como os do bnei Menashe” e do bnei anussim. As pessoas precisam entender que estes grupos não existem apenas em livros de história – eles estão bem vivos e estão clamando ao povo judeu para que os ajudem e apoiem. Pessoas interessadas em conhecer um pouco mais sobre o nosso trabalho podem visitar o nosso site www.shavei.org, onde encontrarão informações em inglês, espanhol, português e catalão. Também podem enviar e-mail , no endereço spanhish@shavei.org. Todos serão muito bem-vindos. O Shavei Israel também está no facebook.
Nota: Em 2010 emigraram para Israel 1.320 judeus da Etiópia. Da América do Sul e Central foram 1.360 judeus, sendo 330 da Argentina, 240 do Brasil, 160 do México, 140 do Peru, 120 da Venezuela e 90 do Uruguai. Ao todo escolheram residir em Israel, nos últimos doze meses, quase 18 mil judeus de várias partes do mundo, sendo 7.400 da ex-União Soviética e mais de 5 mil de países como Estados Unidos, África do Sul, França, Canadá, Austrália, Nova Zelândia e outros.
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