A festa de Purim, uma das mais alegres do calendário judaico, é o Dia d para os judeus, pois comemora a vitória de nosso povo contra a ameaça de genocídio. A festividade celebra a eternidade do povo judeu e seu triunfo sobre as forças perniciosas que desejavam extirpá-lo da face da Terra.
O ódio ao povo judeu - judeofobia - eufemisticamente cunhado de anti-semitismo - pode mudar em sua forma, mas permanece o mesmo em sua essência. Muitas vezes, ao longo da história, esse ódio se expressou como animosidade, inveja e rejeição; em outras, assumiu uma forma mais brutal e violenta. Historiadores, sociólogos, teólogos, psicólogos e filósofos oferecem teorias diferentes e, em geral, contraditórias para explicar as razões para a existência do anti-semitismo. Mas é a Meguilat Esther, o Pergaminho de Esther - que é lido nesta festa e que constitui um dos 24 livros da Torá Escrita - que esclarece de certa forma esta questão.
No dia 28 de fevereiro de 2010, os judeus do mundo inteiro festejarão Purim, festa que comemora não apenas um evento ocorrido há milhares de anos, mas documenta a própria essência do anti-semitismo.
Pode-se argumentar que o anti-semitismo se iniciou no antigo Egito, quando o Faraó e seu povo escravizaram e aterrorizaram os judeus. Mas seus motivos eram basicamente políticos e econômicos. Portanto, é mais correto dizer-se que o primeiro evento genuinamente anti-semita na história mundial ocorreu quando o povo de Amalek - aliás, os antepassados de Haman, o arqui-vilão na história de Purim - atacou o Povo Judeu depois que eles deixaram o Egito. O mais chocante sobre o ataque de Amalek é que foi gratuito: eles não estavam defendendo-se nem tampouco à sua terra contra os judeus que haviam deixado o Egito. Qual a razão para o ataque de Amalek? A Torá não nos diz; ao menos, não explicitamente.
Com certeza, quando os judeus perambulavam pelo deserto, assim como quando viviam em sua terra, a Terra de Israel, eles tinham inimigos. O Antigo Israel lutou muitas guerras: em algumas se saiu bem; em outras, nem tanto; mas seus inimigos não eram de natureza anti-semita. Os conflitos no Antigo Israel eram guerras nacionais, travadas por motivos geopolíticos ou econômicos.
Por outro lado, o anti-semitismo expresso por Haman na história de Purim não tinha nenhuma razão concreta que o justificasse. Sua razão para exterminar os judeus era uma mera racionalização de um sentimento pré-existente. Em outras palavras, seu ódio aos judeus era anterior ao argumento que usou para convencer o rei da Pérsia a aniquilar os judeus que viviam em seu vasto território. De fato, não fazia sentido algum o ódio que Haman nutria pelos judeus. De concreto havia o insulto que lhe fizera o líder dos judeus, Mordechai, ao se recusar a lhe fazer reverência. Dá para entender que ele se ressentisse com aquela recusa; talvez até nutrisse certo ódio por Mordechai por aquilo que considerava uma afronta pessoal. Mas seria aquele ato isolado razão para acertar contas com a nação inteira a que ele pertencia? Falando claramente, seu ódio pelos judeus precedia a causa alegada. Ninguém resolve exterminar todo um povo por se sentir injuriado por um de seus integrantes. O argumento que Haman usou para justificar sua alegação de que os judeus seriam indesejáveis era usado pelos anti-semitas através das gerações. Era algo assim: "os judeus são uma nação que não se assimila; eles insistem em ser diferentes dos demais; portanto, não são confiáveis e não merecem confiança. E qual é a solução que ele prega para o problema judeu? "A Solução Final": a aniquilação de todos os judeus, sejam eles homens, mulheres ou crianças".
Sem dúvida, o argumento de Haman não é convincente, a tal ponto que o Rei Achashverosh não se deixa arrastar por seu ódio cruel; na verdade, primeiro o rei da Pérsia ordena um decreto de genocídio contra os judeus; mas, posteriormente lhes concede o direito de defesa; homenageia seu líder, Mordechai, e até o nomeia seu Ministro Chefe. Tivesse o Rei aceito o argumento de Haman, ele não teria mudado de idéia, por mais enamorado que estivesse de Esther. Parece, pois, que Achashverosh via os judeus como um povo como qualquer outro dos que habitavam seu grande e diversificado império. Ele nunca os odiou, de fato, mas tampouco os amava. Assim como Haman é o arquétipo do anti-semita, o Rei é o arquétipo da pessoa neutra. O primeiro trazia o mal dentro de si; o segundo, o permitia, ou, no mínimo, o ignorava.
Haman e Achashverosh
Por que Haman odiava os judeus? Não foi pelo fato de estar ressentido com Mordechai, assim como não foi porque, como Primeiro Ministro, temesse que um dia os judeus se revoltassem contra seu reino. Os judeus exilados na Pérsia eram, de fato, um povo introvertido, que se dedicava à oração e ao estudo, que ansiava pelo retorno à Terra de Israel e sonhava com a reconstrução do Segundo Templo - o que ocorreu pouco depois da história de Purim. Por que, então, Haman quis destruir um povo inteiro? A resposta é simples: desde que o mal foi introduzido neste mundo, as forças da luz e da escuridão se digladiam pela supremacia. Em tudo o que se escreveu sobre o conflito entre o bem e o mal, o vilão sempre é obcecado pelo herói. Aliás, não custa lembrar que, na 2a Guerra Mundial, Hitler estava mais obcecado em exterminar os judeus do que em ganhar a guerra.
Amalek, ancestral de Haman, não revelou a razão de seu ataque aos Filhos de Israel. Este último foi um pouco mais explícito, ainda que tenha dado uma desculpa esfarrapada. Mas foi seu descendente espiritual mais conhecido quem revelou por que ele próprio e seus antepassados tanto detestavam os judeus: Hitler proclamou que entraria em guerra contra os judeus porque queria lutar contra "D'us e Seus mandamentos que 'negavam a vida'". Afirmou, também, que "a batalha pelo domínio mundial será travada entre nós e os judeus. Todo o resto é ilusão e fachada".
Como à época os judeus não constituíam ameaça militar nem política para a Alemanha nazista e como a maioria dos judeus mortos no Holocausto eram judeus religiosos e empobrecidos que viviam na Polônia e na Rússia, Hitler não se estava referindo a uma guerra política, militar ou mesmo econômica. Ele se referia ao conflito mais básico de todos: o conflito entre o bem e o mal, entre a luz e a escuridão. O maior vilão da história do mundo estava no encalço do herói - o povo escolhido por D'us para trazer luz, moralidade e redenção ao mundo.
Os Hamans do mundo detestam os judeus, pois para atingir seus objetivos eles primeiro precisam vencer o herói da história; tendo conseguido isto, o restante é decorrência. A Alemanha nazista, que enaltecia e praticava o mal, pretendia conquistar o mundo. Para instituir a lei da selva - glorificar a morte, a depravação e a tortura, o racismo e a injustiça, a perseguição e a aniquilação dos mais fracos - os nazistas primeiro teriam que obliterar o povo que introduziu o monoteísmo e as Leis Divinas, com o fim de ensinar e levar os homens a praticar a justiça, a reverenciar a vida e a proteger e ajudar os fracos e os desesperançados. A História é testemunha de que seus maiores vilões primeiro atiraram no povo judeu para depois atacar o restante da humanidade.
Homens como Haman são uma ameaça não somente para os judeus, mas para todo o gênero humano. Contudo, para que um Haman execute seus planos malignos, é necessário haver um Achashverosh.
Na história de Purim, o Rei é também um personagem um tanto assustador, em virtude da facilidade e falta de consciência com que aceita os planos de seu malvado ministro. Concorda com a "Solução Final" deste último para o Povo Judeu sem requerer muita argumentação. Ele, que tinha um império e não necessitava de mais posses, aceita um presente substancial de Haman e, em troca, concede-lhe permissão de realizar seu desejo, emitindo o decreto genocida contra o Povo Judeu. Mais tarde, o rei da Pérsia, por amor a Esther, muda de idéia. Mas é sua neutralidade imparcial o que dá espaço para que o anti-semitismo exista e se desenvolva em seu reino.
Hoje em dia, poucos países são monarquias, mas Achashverosh é personificado por todo ser humano leniente ou indiferente diante do mal, do racismo ou do preconceito, bem como da perseguição a seus semelhantes. Haman é um personagem muito mais maldoso do que o Rei, mas os Hamans do mundo - e eles são muitos - não conseguem implementar seus planos sem o apoio dos Achashveroshes. Por vezes, esse apoio provém de um governante, mas em geral vem do próprio povo. A História nos ensina, como o fez especialmente no Holocausto, que o espectador neutro pode ser tão prejudicial quanto o anti-semita declarado. Seis milhões de judeus foram exterminados porque o Haman daquela geração e seus carrascos realizaram o "serviço", mas também porque milhões de Achashveroshes foram lenientes - ou, no mínimo, fizeram vista grossa ao que estava ocorrendo à sua volta.
A resposta judaica à história de Purim foi registrar o acontecido e ordenar que a Meguilat Esther fosse lida publicamente, ano após ano, para que os eventos do passado jamais fossem esquecidos. O passado deve servir como advertência para o futuro, não apenas para o Povo Judeu, mas para todos os povos de boa vontade. Portanto, devemos ficar atentos à leitura do Pergaminho de Esther, ainda que a realidade do passado pareça ter mudado.
Entre nós, judeus, celebramos Purim obedecendo aos mandamentos Divinos: lemos a Meguilá, fazemos donativos aos necessitados, enviamos alimentos de presente aos amigos e, na companhia de outros judeus, celebramos a data. O cumprimento desses mandamentos cria vínculos entre os judeus e entre nosso povo e D'us. Os mandamentos de Purim, além de cumprir a Vontade do Rei do Universo, fazem-nos lembrar de que apesar de haver muitos Hamans e Achashveroshes no mundo, desde que nós, judeus, estejamos próximos a D'us e estejamos unidos, conseguiremos triunfar sobre a escuridão, trazendo luz e esperança não apenas para nosso povo, mas para toda a humanidade.
Que assim seja, Ken iehi ratzón.
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