Entre Bibi, Abbas e Zoabi por Michel Gherman

O slogan da campanha pelos jovens sequestrados pelo Hamas na Cisjordânia, “bring back our boys”, nos remete a outra campanha anterior, “bring back our girls”, que se relaciona às meninas sequestradas pelo Boko Haram na Nigéria.

De fato, o contexto e a conjuntura dos dois sequestros é completamente diferente, havendo poucos pontos de semelhança entre a realidade nigeriana e a realidade palestina/israelense, a não ser um: em ambos os casos os “sequestradores” defendem um projeto político religioso, excludente e fundamentalista. Não tenho certeza que Hamas e Boko Haram não seriam inimigos entre si, mas ambos podem ser definidos como fundamentalistas islâmicos.

Claro, sequestrar centenas de meninas nigerianas, estuprá-las e vende-las como escravas pode parecer um ato mais extremo do que sequestrar três adolescentes judeus que vivem nos territórios ocupados. Mas não é. Ambos guardam um princípio idêntico: o outro tem natureza distinta da minha. Ao desumanizar o outro lado, Hamas e Boko Haram não veem limites em seus atos e se permitem sequestrar e matar em nome de suas versões do Islã.

Sabe quem concorda comigo? Mahmoud Abbas (Abu Mazen). Na semana passada, em um discurso histórico, Abu Mazen disse, em árabe e em uma conferência de países islâmicos, que os meninos sequestrados eram “humanos como nós” e que “os responsáveis pelos atos queriam a destruição da Autoridade Nacional Palestina”. Este discurso é importante por alguns pontos. Primeiro, porque Abu Mazen reconhece um grande erro político, ao se aliar ao Hamas, ele acabou por fortalecer seu inimigo. Em segundo lugar, o presidente palestino clama que seu algoz-vítima é humano, tão humano quanto ele. Abu Mazen fala como palestino e islâmico pra uma plateia de islâmicos não-palestinos. O inimigo? O fundamentalismo.

Sabe quem discorda de mim? Outra palestina, Hanin Zoabi. Deputada do parlamento israelense, Zoabi é mulher e não é religiosa. Apesar disso, ela se apressou em justificar o sequestro e acusar os sequestrados. Zoabi legitimou o Hamas e reproduziu uma lógica racista e nacional sobre uma percepção igualitária e humana. Interessante notar: escutei Zoabi em hebraico, e Mazen falou em árabe.

Um deles privilegia o humano ao nacional, enquanto a outra privilegia o nacional ao humano.

Na logica de Zoabi, aquela compartilhada por todos os fascismos, não há nenhuma relação possível entre os dramas das meninas da Nigéria e dos meninos israelenses. Na lógica de Abu Mazen, aquela compartilhada por todos os humanismos, não há como não relacionar as vítimas do Boko Haram aos sequestrados do Hamas.

michel ghermanMichel Gherman possui graduação em História com licenciatura em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. É Mestre em Antropologia e Sociologia pela Universidade Hebraica de Jerusalém. Atualmente, cursa doutorado no Programa de História Social da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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