Postado por Jayme Fucs Bar em 16 de Outubro de 2011 às 12:42pm
A Al Jazeera superou Israel e se transformou no maior inimigo dos partidários de Bashar al Assad na Síria. Na vanguarda da cobertura dos protestos no país, a rede de TV do Qatar tem sido a responsável por exibir para todo o mundo árabe e mesmo dentro do país reportagens do que seriam atrocidades do regime sírio na repressão aos levantes da oposição.
Esta postura tem irritado o governo e seus seguidores nas ruas de Damasco. Eles acusam a Al Jazeera e sua rival, Al Arabya, de mentir e defender uma agenda das monarquias do golfo para limpar os cristãos do mundo árabe e instalar regimes radicais islâmicos sunitas.
Procurada, a Al Jazeera não respondeu. Mas em outras ocasiões o canal defendeu a sua cobertura, que tem sido elogiada em todo o mundo durante a Primavera Árabe.
Um jovem estudante de odontologia de origem alauíta, a mesma de Assad, repetiu para mim o mesmo discurso propagado pela imprensa oficial. “A Al Jazeera mente o tempo todo e fabrica notícias”, afirmou. Roula, uma cristã síria, afirma que apenas assiste os canais sírios. “É a única forma de não sermos manipulados por estes regimes do Qatar e da Arábia Saudita”, diz.
Nestas TVs oficiais de Damasco, todos os dias, programas jornalísticos checam os fatos exibidos pela Al Jazeera. O canal árabe teria afirmado, na semana passada, que uma figura proeminente de Homs havia sido morta pelas forças do regime. Dois dias depois, ele apareceu vivo no canal sírio dando entrevista, mostrando o seu documento de identidade.
Os seguidores de Assad também afirmam que a Al Jazeera, assim como a Al Arabya, adultera imagens, mostrando cenas que teriam acontecido no Egito ou na Líbia como se fossem Síria. A imprensa oficial síria não perde tempo e inventou uma história de que a “Al Jazeera construiu uma cidade cenográfica com atores fingindo ser as forças de segurança da Síria matando civis”. Esta história já foi comprovadamente desmentida pela TV do Qatar.
Uma funcionária do Ministério da Informação sírio, depois de atacar seguidamente a Al Jazeera, mostrou também como o jornal francês Liberation publicou uma foto dizendo ser na Síria, quando na realidade seria de um conflito no Líbano em 2008. Segundo o membro do Ministério da Informação que acompanhava os meus movimentos, o canal do Qatar “soma entre as vítimas pessoas que morreram do coração e em acidentes de carro como se houvessem sido assassinadas pelo Exército”.
Estrangeiros residentes em Damasco confirmam que a Al Jazeera realmente exagera em algumas de suas informações. O canal do Qatar cita protestos em locais de Damasco onde não está acontecendo nada, e eu pude confirmar isso em uma sexta-feira. O cana do Qatar também omite manifestações como a desta quarta, que reuniu dezenas (ou mesmo centenas) de milhares a favor de Assad – o New York Times publicou uma foto grande do ato pró-governo em sua edição impressa.
Opositores, por sua vez, dizem ser patética a cobertura dos canais estatais da Síria, que ignoram a mortes de civis. Os programas apenas citam os membros das forças de segurança que foram mortos e dizem que “grupos terroristas matam civis para culpar o governo”. Nos sete meses de levantes, a imprensa oficial, de acordo com a oposição, nunca admitiu ter matado um civil sequer – a ONU coloca o número em 2,9 mil.
As TVs e jornais sírios aproveitam ainda qualquer possibilidade de exibir um suposto apoio internacional. A visita de uma deputada ucraniana foi acompanhada por repórteres sírios e retratada como um apoio da “Ucrânia a Bashar al Assad”. Outro dia, a agência de notícias estatal SANA dava destaque para declarações dos ministros das Relações Exteriores de Cuba, Venezuela, Equador, Bolívia e Nicarágua, que estão em Damasco, declarando suporte a Assad.
A imprensa síria indicou ainda que os brasileiros estariam ao lado do regime devido à abstenção no Conselho de Segurança. Recep Tayyp Erdogan, considerado um dos maiores aliados de Bashar al Assad na região até a eclosão dos protestos, passou a ser descrito como “louco” depois de começar a criticar o líder sírio. “Cada dia ele diz uma coisa, não faz sentido”, disse um funcionário do Ministério da Informação.
Na Síria, alguns jornalistas locais não têm idéia de que sofrem restrições ao trabalho. “Você pode fazer reportagens nas ruas do Brasil e dos EUA sem autorização do governo?”, questionou, ficando surpresa ao receber uma resposta positiva. Além da censura interna, jornais israelenses ou ligados à oposição libanesa são bloqueados na internet pelo governo sírio. O mesmo se aplica a qualquer notícias que contenha a palavra “Israel” no New York Times, BBC, Guardian, no Estadão, na Folha e na Veja. Ironicamente, notícias ligadas à oposição ainda aparecem.
Obs. A resposta do post da teoria dos jogos será publicada depois da série de matérias sobre a Síria
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O jornalista Gustavo Chacra, correspondente do jornal “O Estado de S. Paulo” e do portal estadão.com.br em Nova York e nas Nações Unidas desde 2009, é mestre em Relações Internacionais pela Universidade Columbia. Já fez reportagens do Líbano, Israel, Síria, Cisjordânia, Faixa de Gaza, Jordânia, Egito, Turquia, Omã, Emirados Árabes, Iêmen e Chipre quando era correspondente do jornal no Oriente Médio. Participou da cobertura da Guerra de Gaza, Crise em Honduras, Crise Econômica nos EUA e na Argentina, Guerra no Líbano, Terremoto no Haiti e crescimento da Al-Qaeda no Iêmen. No passado, trabalhou como correspondente da Folha em Buenos Aires. Este blog foi vencedor do Prêmio Estado de Jornalismo, empatado com o blogueiro Ariel Palacios
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