Um documento divulgado na segunda-feira 9 por um painel de três juristas de Israel chegou a conclusões que podem ter enorme impacto negativo para o processo de paz entre israelenses e palestinos. A Comissão Levy, como é chamada, considerou que os assentamentos civis e os postos militares de Israel na “Judeia e Samaria” (o nome bíblico da Cisjordânia) são legais e que Israel não é uma força de ocupação naquele território. Essas conclusões, se adotadas oficialmente pelo governo de Israel, significam a anexação definitiva dos assentamentos e a automática inviabilização de um Estado palestino, bem como da paz entre os dois povos.

A base da argumentação da Comissão Levy é a forma como Israel tomou a Cisjordânia. A região foi uma das várias capturadas pelo Exército de Israel em 1967, na Guerra dos Seis Dias travada contra Egito, Jordânia e Síria. A Cisjordânia, então habitada por árabes sem nacionalidade definida, era reivindicada pela Jordânia, que mais tarde abriu mão desta soberania em favor daqueles árabes sem pátria, os palestinos. Israel tomou o território inicialmente por motivos militares, mas desde então milhares de israelenses, a maioria por motivos religiosos, rumaram para a “Judeia e Samaria”. Este empreendimento de ocupação é considerado ilegal pela própria Justiça de Israel, pela Corte Internacional de Justiça e viola a Convenção de Genebra, que veda a transferência de populações para territórios ocupados. Para a Comissão Levy, entretanto, não há ilegalidade alguma. Para os juristas, Israel não realiza uma ocupação porque a Jordânia abriu mão da posse sobre a Cisjordânia e porque documentos antigos, como a Declaração Balfour, determinam que toda a Palestina histórica (onde estão Israel e os territórios palestinos) deve ser transformada na terra nacional dos judeus.

Esses argumentos da Comissão Levy podem se tornar um impedimento para a paz pois desconsideram a existência dos palestinos. Imediatamente após a Guerra dos Seis Dias, era justamente esse tipo de retórica que o governo de Israel usava para manter a ocupação – Golda Meir, primeira-ministra de Israel entre 1969 e 1974, ficou marcada pela frase “palestinos não existem”. Ao longo dos anos, entretanto, a lógica mudou. No processo de paz do início dos anos 1990, houve o reconhecimento mútuo de israelenses e palestinos sobre os direitos do outro de existir e de ter um Estado. Enquanto os palestinos reconheceram que a identidade israelense foi forjada na luta para estabelecer um Estado judeu, Israel reconheceu que a identidade palestina foi estabelecida na luta pela criação de um Estado palestino. Hoje, toda a possibilidade de a violência entre os dois povos acabar resta na chamada solução de dois Estados, um para israelenses e outro para os palestinos. A remoção, ao menos parcial, dos assentamentos e postos militares, é uma das condições básicas para que os palestinos tenham um Estado contíguo e viável.

Apenas extremistas, entre israelenses e palestinos, considera que a Palestina histórica deve ficar nas mãos apenas de judeus ou de árabes. A Comissão Levy, montada pelo primeiro-ministro Benjamin Netanyahu para agradar aos colonos ultraortodoxos que vivem nos assentamentos, conseguiu seus objetivos. Deu argumentos “jurídicos” para estes defenderem uma ocupação que, na prática, impossibilita o Estado palestino e, com ele, a paz. Se o governo Netanyahu, ou qualquer outro que venha depois dele, decidir adotar oficialmente as recomendações da Comissão Levy, a paz estará condenada e a violência não terá tempo para acabar.

http://www.cartacapital.com.br/internacional/parecer-juridico-em-israel-pode-ser-mais-um-obstaculo-para-a-paz-com-os-palestinos/

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