Sanções e Boicote Por Marcos Gorinstein da Conexão Israel

Quando pensei em escrever esse texto tinha somente uma certeza: certeza de que ainda não tenho certeza da sua tese central, ou seja, o boicote a Israel. O objetivo é fomentar o debate, amadurecer opiniões e cada um, individualmente ou em grupo, formará e tomará suas decisões sobre o tema.

Atualmente, temos visto o crescimento da pressão sobre Estado de Israel e ao seu governo para que o Estado Palestino seja finalmente criado e que a ocupação acabe. Como muito bem apresentado em seu texto, Claudio Daylac descreve o atual movimento de boicotes e sanções e suas implicações na sociedade israelense, acostumada a viver boicotes.

Muitas vezes, ao se discutir a criação do Estado de Israel, o argumento de que a ONU aprovou a partilha do território Palestino surge como o elemento jurídico, legal e oficial para que Israel pudesse existir. Não quero discutir esse argumento, pois a própria legitimidade da ONU pode ser colocada em questão e esse não é o debate proposto com esse texto.

A questão é que a aprovação da ONU é utilizada como argumento quando se defende o Estado de Israel. Contudo, após 1948 e, principalmente após 1967, Israel desrespeita inúmeras resoluções da mesma entidade, especialmente no que diz respeito à construção de assentamentos no território destinado à criação do Estado Palestino. Israel vem construindo nos Territórios Ocupados desde a década de 1970 quase sem restrições.

A comunidade internacional se mostra contra e os diversos governos aprovam as construções, que, sem dúvida, são um obstáculo à construção de um contínuo Estado Palestino e, consequentemente, à paz.

Israel se porta como uma “criança mimada”, desrespeitando o que seus aliados políticos defendem e nada acontece. Mesmo antes do inicio da ocupação o boicote oferecido pela Liga Árabe não se apresentou como uma real ameaça. Seja por influência política ou econômica ou por um sentimento de culpa por conta da história recente, EUA e Europa nunca foram veementes com os governos israelenses no que toca o fim da construção de assentamentos.

Recentemente, à luz das negociações quem vêm sendo dirigidas pelo Secretário de Estado Americano John Kerry, o governo Israelense, mais uma vez, demonstra total imaturidade e falta de interesse na resolução do conflito.

Chamar os opositores da Ocupação de antissemitas já virou banalidade. Kerry já foi chamado de antissemita e semana passada, o Presidente do Parlamento Europeu, ao discursar na Knesset, o parlamento Israelense, teve que engolir a saída em debandada dos membros do partido Habait HaYehudi, da coalizão de Bibi Netanyahu. Isso porque em seu discurso disse que quando esteve em Ramallah conversou com um palestino que lhe disse que os palestinos são privados ao direito à água e que recebem um terço da quantidade diária que é destinada a israelenses e colonos em território palestino. Mais uma prova do amadorismo e irresponsabilidade desse governo.

Nessa onda de irresponsabilidade, o atual governo israelense vem colocando o país em uma situação cada vez mais complicada, isolando-o politicamente. Até mesmo com o sempre aliado Estados Unidos, a situação está ficando complicada. O que Bibi Netanyahu quer é para a volta do partido Republicano ao poder para que seu belicismo, truculência e intolerância possam ser levados a diante.

O país vem crescendo bem. Contudo, de forma desigual, baseando sua economia em empresas de alta tecnologia e já é até chamado por alguns de Novo Vale do Silício. Uma pequena parcela da população vem se beneficiando e melhorando sua condição de vida e todos que conseguem trabalhar em algum nicho ou prestar serviços em áreas onde as empresas de alta tecnologia se desenvolvem, têm grandes chances de sucesso.

Mas essa não é a realidade de grande parte da população. A situação vem ficando cada vez mais complicada para quem não trabalha na área tecnológica. O custo de vida vem subindo substancialmente deixando a maioria da população em situação complicada. As manifestações pelas cidades de Israel durante o ano de 2011, levando mais de meio milhão de pessoas às ruas, deixava clara a insatisfação de parte da população com a política econômica do governo Netanyahu.

Esse rápido panorama da conjuntura econômica tem como objetivo levantar a questão de que, desde o final da Segunda Intifada, com a construção da cerca que separa Israel dos Territórios Ocupados e a saída de Gaza, vemos uma sociedade que discute cada vez menos a questão do conflito com os palestinos.

Se antes, por motivos diversos, Tel Aviv era conhecida por “Medinat Tel Aviv”, uma bolha que cresce a parte do que acontece no resto do país, hoje podemos dizer que o país, de uma forma geral, vive dentro de uma bolha no que se refere ao conflito Palestino-Israelense. Ninguém debate o tema. Não se fala disso no dia-a-dia. O cotidiano atropelou o conflito, que ficou do outro lado do muro.

O ponto central desse fenômeno é a manutenção do status quo. Está cômodo para a população Israelense viver dessa forma. A classe média, que ainda resiste à neoliberalização e à precarização da economia, não se preocupa com o que acontece do outro lado e a grande maioria da população que vem sofrendo com a concentração de renda e a desigual distribuição da mesma, está mais preocupada em colocar comida na mesa da família e pagar suas contas.

O que acontece em Gaza e na Cisjordânia só vem sendo discutido de forma ampla na sociedade durante o período eleitoral. Nesse momento há um apelo ao perigo que pode representar a criação do Estado Palestino e isso pode parcialmente explicar o atual desenho político do parlamento e da aliança de centro direita do atual governo Netanyahu. Há uma desconexão total do conflito com a economia israelense. Apesar dos monstruosos gastos públicos com o exército e a própria militarização da sociedade.

Acontece um movimento interessante na política onde o conflito é discutido no momento eleitoral por ter esse apelo nacional, contudo não é discutido no cotidiano, quando o estrangulamento econômico passa a ter maior importância.

Um possível acordo de paz com os palestinos e a consequente construção do Estado Palestino levantam dúvidas sobre a estabilidade do status quo dessa parcela da população que não está “com a corda no pescoço”. Essa parcela da população que forma opinião e que teria, atualmente, mais força para pressionar por negociações.

Possíveis sanções econômicas ao Estado de Israel trariam consequências pesadas em um primeiro momento, principalmente para a parte de baixo da pirâmide social israelense. Em longo prazo, inevitavelmente, toda a bolha sentiria a pressão.

Sanções levariam a economia israelense a um estrangulamento que afetaria, gradualmente, todos os setores da sociedade. Diminuição no emprego, enfraquecimento do mercado imobiliário e consequente inadimplência, diminuição do crédito, inflação… Enfim, poderia afetar o cotidiano da sociedade levando o conflito novamente às discussões diárias.

Importante notar que esse tipo de movimento não tem nada a ver com o atual movimento BDS (Boycott, divestment and sanctions) quem tem como objetivo a criação de um Estado Palestino em todo território da Palestina histórica ou, como se diz, do rio Jordão ao Mar. Esse movimento acaba por cometer o mesmo erro de parte da direita que não quer a criação do Estado Palestino: não reconhecem a importância do estado nacional para os povos, como uma forma de defesa física e cultural.

Essa seria uma política nem um pouco antisemita (diga-se de passagem), para pressionar o governo e a população Israelense para resolvermos de vez esse conflito que é prejudicial para ambas as sociedades (não acredito que a vida se resuma a acúmulo de capitais).

Para que possamos ter um Estado de Israel democrático e para todos os seus cidadãos é imprescindível que se derrube o mito que vem sendo fortalecido de que qualquer oposição à política israelense seja antisemitismo. Por outro lado, também é fundamental ficar atento à essa questão.

Por incrível que pareça, sanções econômicas a Israel podem trazer de volta o que o sionismo tinha de melhor, a construção de dois Estados para dois povos. Resgatando valores como democracia, coexistência e respeito ao próximo.

A construção de um acordo que permita a construção de um Estado Palestino soberano lado a lado com o Estado de Israel só tem a beneficiar toda a população da região, enfraquecendo políticas extremistas e fortalecendo um processo de paz verdadeiro e na base.

Marcos Gorinstein, carioca, 34 anos, sociólogo, é mestrando no Departamento de Estudos Românicos e Latino Americanos na Universidade Hebraica de Jerusalém.

Imagem de capa: Flickr de Daquella manera, segundo a seguinte licença Creative Commons.

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