“Sim, é uma guerra civil. E Houla poderia ser o ponto de ruptura. E agora a ONU é testemunha. Mas o partido Baaz tem raízes mais profundas que o sangue – perguntem a qualquer libanês – e nós, no Ocidente, logo nos esqueceremos de Hula, quando outra imagem de morte no YouTube aparecer em nossas telas da campina síria. Ou do Iêmen. Ou da próxima revolução”, escreve o jornalista Robert Fisk, em artigo publicado no jornal argentino Página/12, 30-05-2012. A tradução é do Cepat.

Eis o artigo.

Bashar Al Assad sairá incólume desta. Como saiu de Deraa. E de Homs. Sairá incólume de Hula. O mesmo acontecerá com a oposição armada ao regime e com a Al Qaida e qualquer outro grupo que aderir à tragédia da Síria. Sim, talvez seja este o momento crítico, o ponto de ruptura do horror, quando o colapso baazista se tornar inevitável, mais que provável.

Pode ser que o querido William Hague, ministro britânico do Exterior, esteja absolutamente horrorizado. A ONU também. Todos estão. Mas uma centena de Houlas atapetam o Oriente Médio, com suas crianças mortas empilham as estatísticas, estando facas, cordas e rifles entre as armas homicidas.

E o que aconteceria se os soldados de Assad deixassem que a milícia alauita fizesse para eles o trabalho sujo? Acaso a FLN (Frente de Libertação Nacional) argelina não usou as unidades da Guarda da Pátria para assassinar os seus opositores na década de 1990? Kadafi não empregou, no ano passado, os seus leais milicianos e Mubarak os seus drogados ex-policiais, os baltagi, para arrasar os opositores do regime? Acaso Israel não se valeu de seus aliados falangistas libaneses para intimidar e matar os seus opositores no Líbano? Não foi tudo isso também governar assassinando? E, pensando bem, não foram as forças especiais de Rifaat, o tio de Bashar al Assad, que massacraram os insurgentes de Hama em 1982? (Não digam isto em voz muito alta, porque Rifaat vive agora entre Paris e Londres.) Então, quem acredita em Bashar não pode sair incólume de Hula?

O paralelismo com a Argélia é estremecedor. Os líderes corruptos da FLN queriam uma democracia, chegaram inclusive a convocar eleições. Mas uma vez que ficou claro que a oposição islamista – a infortunada Frente Islâmica da Salvação – venceria, o governo declarou guerra aos terroristas que tentavam destruir a Argélia. Sitiaram aldeias, bombardearam cidades – tudo em nome do combate ao terror – até que a oposição começou a massacrar civis nos arredores de Blida, milhares deles: bebês com a garganta cortada, mulheres violadas. E depois aconteceu que o exército argelino também participou das chacinas. Onde diz Hula, leiam Bentalha, lugar que todos esquecemos, assim como esqueceremos Hula também.

E nós ocidentais bufamos e ficamos ofegantes e apelamos aos dois lados na Argélia para mostrar contenção, mas queríamos estabilidade na antiga colônia francesa – não esqueçamos que a Síria é um antigo território sob mandato francês –, e estávamos muito preocupados com o fato de que insurgentes ao estilo Al Qaeda se adonassem da Argélia, assim que, finalmente, os Estados Unidos apoiaram os militares argelinos do mesmo modo que os russos apóiam hoje os militares sírios. E a FLN saiu incólume depois de 200.000 mortos, comparados com os apenas 100.000 que produziu até agora a guerra na Síria.

E vale a pena recordar que, confrontados com a insurreição da década de 1990, os argelinos buscaram desesperadamente países aos quais recorrer em busca de conselho. Escolheram a Síria, então sob o império de Hafez Assad, e enviaram uma delegação militar a Damasco para aprender como o regime destruiu Hama em 1982. Agora os norte-americanos – que há seis meses apresentavam Bashar como um morto em vida – preferem um final tipo Iêmen à guerra na Síria, como se a crise iememita não fosse o bastante sangrenta por si. Mas substituir Assad por um assassino da mesma espécie (a solução de Sanaa) não é algo que os sírios estejam dispostos a aceitar.

Sim, é uma guerra civil. E Hula poderia ser o ponto de ruptura. E agora a ONU é testemunha. Mas o partido Baaz tem raízes mais profundas que o sangue – perguntem a qualquer libanês – e nós, no Ocidente, logo nos esqueceremos de Hula, quando outra imagem de morte no YouTube aparecer em nossas telas da campina síria. Ou do Iêmen. Ou da próxima revolução.

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