Chanuquiá de prata
Esta é a história de um milagre; a história de uma menorá de prata, de oito braços - uma chanuquiá, que foi guardada, por mais de 200 anos, e foi repassada de geração em geração, até chegar aos nossos dias.
Essa chanuquiá era um verdadeiro tesouro de família. Confeccionada a mão por um grande artesão, havia sido encomendada por um homem muito rico, que a queria dar de presente à sua filha por ocasião de seu casamento com o filho de um grande rabino. Praticamente dois adolescentes, a noiva com 14 anos e o noivo com 17, o casal recebeu inúmeros presentes, mas o que mais lhes tocou foi a chanuquiá e um par de candelabros de prata para as velas de Shabat ofertados por seguidores do pai do noivo, um conceituado rabino.
Aqueles candelabros permaneceram com a noiva até seus últimos dias de vida e a chanuquiá trouxe luz e felicidade ao seu lar, durante oito noites de inverno, ano após ano, até o dia em que o filho mais velho do casal, prestes a se tornar rabino, casou-se com a filha de outro rabino. No dia do casamento, a chanuquiá, lustrada até brilhar como a própria sabedoria, estava de pé sobre a mesa, coberta de presentes para os noivos.
Assim a chanuquiá foi passando de pai para filho, de geração em geração, le'dor va'dor. Por 200 anos iluminou diferentes lares, ouvindo as bênçãos de Chanucá pronunciadas por diferentes vozes. Não foram poucas as vezes em que quase se perdeu. Certa vez, durante um pogrom, enquanto o populacho saqueava e agredia os judeus, foi salva por seu dono, que a colocou no fundo de um saco e, depois, baixou-a por uma corda até o fundo de um poço d'água. Em outra ocasião, foi resgatada do lado do corpo de um ladrão inconsciente, que fora atingido na cabeça com um bastão, por um vigia, enquanto fugia com um saco carregado de peças roubadas. No incidente, a bela chanuquiá ficou com um amassado em sua base.
Le'dor va'dor
De geração em geração, a bela peça seguiu seu percurso através dos anos. Em 1941, as tropas nazistas conquistavam a Europa, cidade após cidade, semeando violência e morte em seu caminho. Avram, o filho mais velho de Moshé, o rabino do shtetl que se espalhava sobre metade da cidade de Narodny, decidiu esconder a chanuquiá de prata que, há séculos, acompanhava sua família. Cavou um buraco bem profundo na base de uma árvore antiga e frondosa, no quintal de casa, e lá a enterrou cuidadosamente, muito bem embrulhada em um lençol de linho.
Enquanto ia ao encontro de sua família para contar o que acabara de fazer, deparou-se com seu pai, sua mãe e vários vizinhos enfileirados do outro lado da floresta. Assistiu quando foram impiedosamente fuzilados pelos nazistas. Viu também seus irmãos, Micha e Rachel, e várias outras crianças sendo levados pelos nazistas em um caminhão.
Sozinho e apavorado, Avram fugiu em direção à floresta, onde passou a viver. Tornou-se um guerrilheiro refugiado, um verdadeiro fantasma de um mundo que estava sendo destruído. Avram lutava, corria e se escondia. Passou fome, frio, foi ferido, mas não desistiu. Atravessou florestas e rios, montanhas e fronteiras. Não parava nunca. Quando pensava estar em segurança, percebia não estar a salvo. Ele foi traído várias vezes, e, várias vezes, por um triz, conseguiu escapar da morte. Foi capturado, mas conseguiu fugir. Vivia fugindo.
A guerra na Europa acabou, mas Avram continuou sua jornada. Conseguiu entrar no tumultuado território que pouco tempo mais tarde tornar-se-ia o Estado de Israel. E, de novo ele lutou. E novamente foi ferido. Desta vez o ferimento foi sério e ele teve que ficar durante meses longe das batalhas, preso a um leito de hospital.
Quando se recuperou, decidiu seguir viagem, mais uma vez. Dessa vez, para a América. Lá decidiu ficar, e lá conheceu uma mulher que havia visto os mesmos horrores que ele. Uma mulher cujo coração conhecia a mesma dor que o seu coração. Decidiu casar-se com ela, mas, antes do casamento, Avram viajou à Europa. Queria dar à sua noiva um presente especial, algo único no mundo. Tomou um avião, um trem e, finalmente, um ônibus, para chegar ao lugar onde nascera. Narodny ainda estava lá no mesmo lugar, mas seu nome mudara. O shtetl não estava mais lá; mas, por que estaria, se já não havia judeus, perguntou-se?
As pessoas que moravam na casa, que um dia fora sua, olharam-no, com desconfiança, quando ele foi até o jardim. Aproximou-se de uma determinada árvore e começou a cavar. Não tentaram dissuadi-lo porque levava em suas mãos uma carta das autoridades e eles temiam as autoridades. E, além disso, ficaram felizes em ver que ele não pedira nenhuma explicação de como essa casa, que uma vez lhe pertencera, ficara com eles. Avram estirou-se no chão e pôs-se a cavar, com determinação, como quem sabe o que procura, atirando para fora a terra, com as mãos. Quando se pôs de pé, novamente, trazia nas mãos o "seu" tesouro. A prata estava escura, mas, para ele, aquilo brilhava como nunca. Ele agarrava o candelabro contra o peito, dizendo em hebraico, aos prantos: "Bendito és Tu, Rei do Universo, Te agradecemos por nos teres trazido até hoje com vida".
Os camponeses poloneses o observavam. Apesar de não entenderem suas palavras, de alguma forma compreenderam o que havia acontecido e murmuraram: "Louvado seja D'us".
A noiva de Avram chorou quando viu o presente que ele lhe deu ao voltar aos Estados Unidos. Ele já lhe tinha contado a história da chanuquiá e ela prontamente entendeu que aquele gesto significava que a família que ambos haviam perdido no longo pesadelo nazista estaria representada em seu casamento.
Mas a história não acabou aí. De certa forma, aquilo foi um recomeço, em uma nova terra. Avram e sua esposa tiveram filhos. Seus filhos se tornaram jovens adultos. Quando sua filha mais velha estava prestes a se casar, a resplandescente chanuquiá voltou a reluzir em meio aos belos presentes. Depois da cerimônia na sinagoga, antes de ser servido o jantar do casamento, uma senhora já entrada nos anos se aproximou da mesa de presentes. Era vizinha e uma grande amiga da mãe do noivo. À medida que foi-se aproximando, seus olhos vidrados na bela peça de prata, seus passos foram diminuindo.
Ao se aproximar da mesa, levantou o braço onde estava tatuado, em azul, um número e colocou um dedo na saliência da base da chanuquiá. Desatou a chorar e caiu no chão, desmaiada.
O pai da noiva viu-a cair e correu para ajudá-la. Ele estava debruçado sobre ela quando ela reabriu os olhos. Ela o fitou e, num sussurro, como se estivesse com medo de sua própria voz, disse: "Avram"...
Ele era chamado nos Estados Unidos de "Abe" e ninguém o chamava de Avram há anos. Olhou para aquela senhora que o chamava pelo seu verdadeiro nome e confirmou com a cabeça, num transe. A voz sussurrou de novo. "Avram, sou eu, Rachel, sua irmã". Os dois se abraçaram, chorando. Os noivos choraram e todos os convidados também. Até os anjos no céu choraram. A vida dos recém-casados foi iniciada num mar de lágrimas de felicidade. Sua jornada se iniciou sob o clarão iluminado - por muitos e muitos anos por vir - pelas luzes da bela chanuquiá de prata.
Tradução e adaptação livre do artigo de Martin A. David, na edição de dezembro de 2000 do Jewish Magazine