Kipur para adultos? Por Paulo Blank

Os que se dedicam ao pensamento de Israel dizem que existiria uma religião infantil e, outra, para adultos. Ortodoxos chamam a segunda de Torá Leshmá, sem recompensas. Cumprir mitzvot. Só isso. Para um judeu laico, praticá-la no sentido da ética por que acha certo. Só isso.

Maimônides e Leibovitz, este, sempre contempotâneo, diriam o mesmo. Por fidelidade à lêtra da lei de Israel, ainda durante a guerra dos seis dias Leibovitz pediu a imediata desocupaçao dos territórios conquistados. Enquanto fundador de Israel, deve ter tido muitas razões para defender esta posição.

Emanuel Lévinas dizia que religião de adultos implica em difícil liberdade. Ele também considera um Deus fora do mundo. Acertar contas com Seu tribunal: trata-se de olhar infantil em busca de prêmios e temeroso de castigos. O que importa é consciência ética responsável por si e por outros.

Ateu em grego significa sem deus. Jeremias afirma: conhecer deus é praticar a Torá. Bem diferente de tantas percepções contemporâneas. Todos conversam com Ele. Jeremias não pensava em 613 mitzvot. Um cercado de previsibildade com a idade média servindo de ambiente de fundo. Na torá eram dez palavras.
Nove voltadas para o cuidado humano com o outro. O filme Kadosh serve como documentário de referência sobre o tema.

Um Deus pessoal de quem se espera favores e perdões garantidos, é resquício pagão. Leibovitz diria que Ele se torna um funcionário particular. Lévinas, judeu praticante, afirma que é uma glória para Deus ter criado um humano que o contempla desde longe. Desde o risco de ateísmo. Certas ortodoxias judaicas parecem mais atéias do que o maior descrente.

Num momento da longa meditação do Kipur, lemos: por termos pescoço duro poderíamos nos considerar justos. Aconselha-se dobrar o pescoço, ajoelhar e lançar-se ao chão num ato de prostração diante do nada de imagem. Diante do ANI-eu, cheio de si, o AIN-vazio de nada. Seria este o mistério a-teu que belas roupagens ocultam do Kipur?

Benjamim Mandelbaum, de querida memória, dizia que o perdão é uma perda muito grande. Perda do pescoço narcisita? Provavelmente. Um breve momento de experimentar o não poder. Coisa que politicos imperiais e homens santos nem se preocupam em fingir praticar.

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