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Antropóloga pede criminalização de sites discriminatórios - Da Redação / Agência Senado
[antropóloga Adriana Dias ]

- Em minha pesquisa de mestrado, que defendi em 2007, localizei 13 mil sites neonazistas em língua portuguesa, inglesa e espanhola. Hoje, infelizmente, dada a impunidade, eles alcançam a marca de 20 mil sites. São dezenas de comunidades em blogs e redes sociais e centenas de perfis no Twitter - comentou.

Integrante da comunidade judaica, Adriana Dias denunciou ainda ser possível encontrar, em sites brasileiros de teor neonazista, livros infantis para colorir defendendo a versão da supremacia racial dos brancos. No ano em que são celebrados os 100 anos da Revolta da Chibata, os 315 anos da morte do líder negro Zumbi dos Palmares e os 70 anos da abertura do campo de concentração de Auschwitz, onde 1,5 milhão de judeus foram mortos, a antropóloga reivindica a investigação e punição dos crimes por discriminação e preconceito.

-É preciso coibir definitivamente toda e qualquer manifestação de racismo, de preconceito e de intolerância. O atual estado de ódio, de incompreensão, o gigante retorno do anti-semitismo, do racismo, da homofobia, da intolerância com a pessoa com deficiência, nos convence da gravidade do momento presente, enquanto toma o coração e a mente dos nossos jovens - apelou.

Da Redação / Agência Senado
(Reprodução autorizada mediante citação da Agência Senado)
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entendimento

Boa tarde.
Estou um pouco confusa, em relacao a este site.
Eu frequento ,quando posso a sinagoga do bnei , mas como estou morando no recreio, andei pesquisando o que possa ter diferente.
Eu entrei neste site, eu percebo , que este grupo se reune, poucas vezes no leblom.
Mas nao tem dados, como : em todo o shabat?
quem e o rabino responsavel, sao religiosos? e alem disto, misturam conceitos?
Eu acredito em Deus, tambem , fui e frenquentei varias tendencias religiosas, e agora estou justamente , fazendo o caminho de volta.
Ou seja, estou procurando a pureza, e a firmeza , na propria Torah.
nao gostaria de pertencer a nenhuma seita, nem fazer algo de moda.
Isto nao me preeenche.Mas eu sinto falta de me relacionar com pessoas e fazer amizades, em um ambiente saudavel de pessoas judias.
Eu sei que existem aqueles que andam na presenca de Deus, e os que anunciam assim,mas estao distantes.
Eu nao quero julgar ninguem, mas nao quero estar no engano.
Obrigado a quem puder me esclarecer...
Bella
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Evitando o vazio - Marcelo Gleiser

domingo, 21 de novembro de 2010

Evitando o vazio - Marcelo Gleiser


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A noção do vazio absoluto é desconfortável, provoca uma certa ansiedade. Queremos sempre preenchê-lo com algo
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SERÁ QUE PODEMOS contemplar o vazio absoluto? E se pudermos, será que tal coisa - a ausência de tudo- existe? O que definimos como o "nada" mudou radicalmente com o passar do tempo.

A noção do vazio absoluto é desconfortável, provoca certa ansiedade. Queremos enchê-lo com algo.
Já na Grécia Antiga, a questão incitava o debate. Parmênides dizia que o nada não existe e não faz sentido. Haveria apenas o Ser, que está em todos os lugares. Sua ausência significaria a existência do não Ser, que lhe parecia impossível.

Contra essas ideias, os atomistas diziam que a realidade é composta de átomos movendo-se no vazio. Esses átomos podem se combinar para dar forma a tudo o que existe.
Aristóteles discordava disso. Para ele, o vazio também era uma impossibilidade, mas seus argumentos eram mais concretos.

Uma pedra cairá com velocidades diferentes num copo cheio de água ou de mel: quanto mais denso o meio, mais lento o movimento.

Portanto, um meio vazio e com densidade zero permitiria velocidades infinitas, o que era um absurdo. Aristóteles postulou então a existência do éter, uma substância imutável que permeia o Cosmo.
No século 17, Descartes afirmou também que um fluido preenchia o espaço, o que explicaria as órbitas dos planetas em torno do Sol: ao girar, o astro causava o giro do fluido que, por sua vez, fazia com que os planetas girassem.

Newton mostrou que Descartes estava errado: tal fluido criaria uma fricção que causaria instabilidades nas órbitas planetárias. O espaço ficou vazio outra vez.

Quando o escocês James Clerk Maxwell demonstrou, no século 19, que a luz era uma onda eletromagnética, teve de inventar um meio onde essa onda se propagasse. Afinal, ondas de água se propagam na água, e ondas de som, no ar. Maxwell supôs que um meio transparente, sem massa (para não atrapalhar as órbitas) e muito rígido (para permitir propagar ondas ultrarrápidas) enchia o cosmo.

O éter acabou voltando. Apenas em 1905 Einstein demonstrou que o éter não é necessário, porque ondas de luz são capazes de se propagar no vácuo. O espaço ficou vazio outra vez. Durante o século 20, o conceito de campo substituiu o conceito de força e ação à distância. Todo corpo com massa cria um campo gravitacional à sua volta, que influencia outros corpos com massa. Toda carga elétrica cria um campo elétrico que influencia outras cargas etc.

Os campos preenchem todo o espaço, criados por sua fontes. A realidade física é vista como sendo criada por campos e suas excitações. Elétrons, prótons, fótons são excitações de campos.

Devido a flutuações típicas na escala atômica, essas partículas podem surgir até do vazio. O vazio absoluto não existe, pois sempre haverá uma energia de excitação no espaço, a agitação quântica.

Essa energia pode criar matéria vinda do nada! Como foi descoberto em 1998, a expansão do Universo se acelera: galáxias se afastam mais rápido do que o esperado.

A causa desse efeito é desconhecida, mas ganhou o nome de energia escura. É possível que venha dessa agitação quântica do espaço vazio. O éter, ou algo do tipo, voltou.
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La llegada y la estadía en paz en Shjem llega a su final y aparecen nuevos conflictos que ponen en peligro la sobrevivencia de la descendencia de Iaacov y su asentamiento en la tierra de Canaán. El primer conflicto es de carácter moral y religioso con Dina, la hija de Iaacov. Este conflicto, sin embargo, da lugar a otro más grave que es el de la posibilidad de asimilación con los cananeos del lugar, perdiéndose así la identidad y el propósito patriarcal. Finalmente, surge el peligro de aniquilación o necesidad de un nuevo “exilio” fuera de Canaán para sobrevivir.
Shjem viola a Dina. Dina es la última hija de Lea. Iaacov queda establecido en Sihjem por varios años, de tal manera que ahora sus hijos son adultos y su hija ya está en edad matrimonial. Las relaciones con los de Sihjem son pacíficas y con deseos de socializar con las jóvenes, Dina va a la ciudad de Shjuem. Allí, Sihjem, el hijo del rey de la ciudad, toma a Dina y la viola. Pero el joven se siente ligado a Dina, se enamora de ella y pide al padre que la procure como su esposa. Desde un punto de vista social, aquí hay un intento de este hombre de enmendar el error cometido. No es el sentido de culpa moral o religiosa, sino el enamoramiento que lo motiva a buscar matrimonio. Es interesante notar que en otro incidente similar, en vez de amor, surge odio hacia la violada.
Los de Shjuem proponen emparentarse con Iaacov. Pero el deseo de Sihjem tiene obstáculos. Iaacov comparte las malas noticias con sus hijos, quienes consideran el acto de violación una afrenta familiar y reaccionan con indignación y furia. La violación, lejos de ser un simple desliz moral o social, es evaluada por los hijos de Israel con fuertes términos de corrupción moral y religiosa: amancillamiento o impureza ritual; vileza o violación de algo no permitido entre los de Israel; prostitución o perversión sexual.
A propuesta de Sihjem, Jamor propone formalmente a Iaacov una integración étnica política a través de matrimonios mixtos, convivencia pacífica y transacción comercial. Sihjem mismo ofrece una dote matrimonial cuantiosa como intento de persuasión.
Nuevamente surge el peligro de asimilación y pérdida de identidad étnica y religiosa en la descendencia patriarcal. Pero en esta situación Jacob permanece pasivo. Son sus hijos quienes actúan con una intención bien determinada: vengarse de los de Sihjem.
La condición que ponen los hijos de Iaacov es la circuncisión de todos los hombres de Shjuem. Esta condición, según explican ellos, está basada en una profunda convicción religiosa. Para convencer a los hombres de la ciudad de la circuncisión, Jamor y Shjuem usan toda su influencia y argumentos que evidencian ventajas políticas, sociales y económicas en esta alianza. Con la integración vendrá una extensión poblacional que ha de traer paz y cooperación entre estos dos grupos. Además una opción matrimonial amplia y lo más importante, grandes ventajas económicas. Así, no por convicción religiosa sino por las ventajas sociales y económicas a ganar, los hombres de Shjuem son circuncidados, y quedan totalmente vulnerables a cualquier ataque.
¡Rompe el ciclo! El acto de violación sexual es siempre horrible. Las consecuencias son dolorosas física y emocionalmente para los participantes, tanto para el agresor como para la persona agredida. En el caso de Sihjem, el hijo de Jamor, y Dina, la hija de Iaacov, los resultados tuvieron consecuencias multifamiliares y finalmente condujeron al asesinato.
Los patrones de disfunción en la conducta sexual, y los actos que ella produce se generan en ciclos. Por experiencia hemos aprendido: “la violencia engendra más violencia.”
Alguien tiene que romper el ciclo de violencia y comenzar el proceso de perdón, de recuperación y de curación dejando que Dios con su infinito amor sane totalmente las heridas que otros nos han causado o que nosotros hemos provocado a alguien.
La Biblia es rica en detalles sobre la personalidad de Iaacov. El carácter de Iaacov aparece a través del libro del Génesis con gran claridad, con más vivacidad y más cambios que en el caso de Isaac, o al lado de Abraham del cual no sabemos nada acerca de su infancia o su juventud. Sólo un midrash tardío nos da el nombre de su madre, un nombre extranjero sin referencia alguna en la Biblia.
Conocemos la vida de Iaacov desde su concepción, su nacimiento, infancia y juventud. Esta es la historia completa de una vida humana con sus combates, luchas, victorias y derrotas. La historia de la vida de Iaacov, tal como está contada en el texto bíblico constituye -no sé si esto sería demasiado- la primera biografía personal en la historia de la literatura mundial que conocemos.
La personalidad de Iaacov aparece entre los patriarcas como la más humana. El también es tenido en cuenta entre aquellos “que marchan ante Dios”, pero este caminar se encarna en la historia de una vida llena de sufrimiento y desgracias conocidas por el común de los mortales y mucho mejor comprendidas que las desgracias que Abraham conoció en su confrontación con Dios.
La historia de la vida de Iaacov comporta celos y rivalidades, problemas conyugales, luchas por el propio enriquecimiento, dificultades en la educación de los hijos, derrotas y victorias. Iaacov sobre sí mismo dirá que los días de su vida fueron breves y malos comparados con aquellos de sus padres

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Modigliani, além do mito - Morasha

Modigliani, além do mito - Morasha

"Sou Modigliani, judeu".É assim que o pintor italiano se apresentava. Orgulhava-se de sua herança cultural e, apesar de não ser praticante, jamais negou a identidade judaica. tornou-se símbolo de pintor boêmio criando-se, após sua morte um verdadeiro mito em torno de sua vida, trágica e curta.

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A história de vida do artista se sobrepôs a seu trabalho, afastando-o de idéias e tradições culturais que poderiam revelar muitos significados. A força do mito é responsável pelo fato de que um dos primeiros e mais conhecidos artistas modernistas, autor de mais de 500 obras de arte, tenha sido também um dos menos compreendidos.

Foi para desvendar esse mito e mostrar ao mundo outra faceta do grande artista que o Museu Judaico de Nova York decidiu realizar a primeira grande retrospectiva do artista, na cidade, nos últimos 50 anos. Até setembro próximo, estarão expostos cerca de cem trabalhos de Modigliani. O que se pretende é desvincular as obras do mito de artista boêmio, que viveu sob o efeito da pobreza e de uma saúde cronicamente frágil. Ao mesmo tempo, passar a analisá-las tendo em mente o fato de Modigliani ser um judeu italiano sefaradita, que viveu em Paris no início do século XX, e considerar em que medida sua herança cultural teria influenciado sua arte e o anti-semitismo - da Paris pós-Caso Dreyfus - teria impactado sua arte e sua atitude.

Um livro sobre a retrospectiva, "Modigliani beyond the Myth", editado por Mason Klein, famoso historiador de arte e curador do Museu Judaico de Nova York, responsável pela mostra, explora com mais detalhes a vida e obra do grande pintor.

Assim começou

Nascido em Livorno, em 1884, Amedeo Modigliani (cujo nome significa "amado por D'us") é o quarto filho do italiano Flaminio Modigliani e da francesa Eugénie Gársin. Nasceu justamente no momento em que seu pai enfrentava graves problemas financeiros e decretava falência. Depois de perderem toda a fortuna, os pais do pintor abriram um pequeno negócio e a família foi obrigada a recomeçar a vida em nível bem mais modesto.

Na metade do século XIX, Livorno era considerada um paraíso político e religioso. Amedeo passou a maior parte de sua infância sob a orientação da mãe e da família desta. Eugénie descendia de judeus sefaraditas de Marselha e, criada em um lar liberal, era muito culta, dominando fluentemente o inglês e o francês. Sentia uma ternura toda especial por esse filho e, a partir de 1886, começou a escrever um diário que, de fato, é uma das poucas fontes de informações confiáveis sobre a infância do artista. Neste, se perguntava: "Será ele um artista?" Em suas páginas conta parte do dia-a-dia de Amedeo - cujo apelido era Dedo. Era o avô Isaac quem tomava conta dele. Intelectualizado, apaixonado por história e filosofia além de exímio jogador de xadrez, o avô levou Dedo em suas primeiras visitas a museus. Foi quando entrou em contato com as obras dos grandes artistas.

Amedeo tinha apenas dez anos quando o avô faleceu, em 1894. Abalado por essa perda, o menino fechou-se em si mesmo, adoecendo algum tempo depois e não sendo aprovado nos exames escolares. Preocupada e esperando que a arte conseguisse tirá-lo da apatia em que se encontrava, sua mãe permite que ele tenha aulas de desenho. No liceu onde estudava, os professores percebiam sua forte inclinação para essa área.

Um ano após seu bar mitzvá, em 1898, Amedeo novamente adoece e os médicos diagnosticam febre tifóide. Por causa da saúde frágil, passou grande parte da infância e adolescência em casa e, sem poder fazer grandes esforços físicos, dedica-se à leitura.

Quando se curou, teve permissão para abandonar a escola e freqüentar diariamente um ateliê. Era o ano de 1899. Mas adoeceu novamente, no ano seguinte, e os médicos descobriram que sua doença era mais grave do que supunham - aos 16 anos foi diagnosticado como tuberculoso. Para tentar combater o mal, sua mãe organizou uma viagem para regiões mais quentes, no sul da Itália. O roteiro incluiu visitas a museus e galerias de artes, que despertaram a imaginação e sensibilidade do jovem, fortalecendo o desejo que já manifestara de sair de Livorno para se aprimorar nesse campo.

Assim, com o apoio financeiro do tio materno, em 1901 Modigliani mudou-se para Florença, onde se matricula na Escola de Belas Artes. Lá decide dedicar-se à escultura, mas esculpir o mármore era uma arte que exigia muito esforço físico, principalmente para alguém com problemas de saúde, como ele. Em 1903, Modigliani mudou-se para Veneza, onde continua os estudos no Instituto de Belas Artes local. Mas ao invés de se dedicar a aperfeiçoar sua arte, passava o tempo em bares e festas. Começava a boemia.

Aos 22 anos, decide morar em Paris, então centro da vanguarda artística. Acreditava que somente na França seria capaz de desenvolver uma linguagem artística própria e realizar suas ambições. Seu primeiro lar foi o Hotel Madeleine e sua primeira escola, a Academia Colarossi, famosa por seus ex-alunos, entre os quais Paul Gauguin e Auguste Rodin. Era um jovem bonito, de estatura pouco abaixo da média, que usava todos os dias o mesmo paletó de veludo cotelê. De personalidade volátil, vivia no bairro de Montmartre às custas da mesada que o tio regularmente enviava. Era o mesmo ambiente freqüentado por Picasso, Guillaume, Apolinaire, André Derain e Diego Rivera. Tornou-se amigo de artistas e intelectuais judeus, passando a fazer parte do famoso Círculo de Montparnasse, o grupo de artistas judeus que emigrou para Paris antes da Primeira Guerra Mundial.

A vida na "Cidade-Luz" foi um período de buscas, principalmente por um estilo e tipo de arte definido. No Bâteau-Lavoir, centro do Cubismo, ele se encontrava com os pintores Picasso e André Derain, o carismático poeta e pintor Max Jacob, o escritor André Salmón e outros. Sentia estar no lugar certo. Desistindo da escultura, dedicou-se de corpo e alma à pintura, escolhendo como tema crianças e mulheres. Em tudo o que pinta ou desenha, entre 1906 e 1909, Modigliani continuava em busca de um estilo próprio, que combinasse o antigo e o novo. Apenas o tema permanece idêntico ao longo de toda a sua obra: a figura humana. É desta época a obra "A judia", que mostra a influência de Cézanne e dos expressionistas. Começou a beber, prejudicando a saúde, já tão debilitada pela tuberculose. Nesse período conheceu Paul Alexandre, médico apreciador de arte, que o incentivou e apoiou nos sete anos seguintes, comprando muitas de suas obras.

Em 1910, Modigliani expôs seis trabalhos no 26º Salão de Artistas Independentes, dos quais quatro são postos à venda: "O violoncelista", "Lunaire" e dois estudos para o retrato da amiga Bice Boralevi. Nenhuma obra foi vendida; as galerias de arte geralmente consideravam seus trabalhos muito individuais e difíceis de serem comercializados. Começa, então, uma das fases mais frustrantes e improdutivas da vida do artista. Mas apesar de todas as dificuldades, Modigliani jamais deixou de acreditar em si mesmo e em seu talento. Em 1912, expõe sete esculturas no Salão de Outono. No inverno desse ano adoece gravemente, ficando internado por um tempo. Em abril seguinte retorna a Livorno para um período de convalescença.

Alguns meses depois volta à França, aparentemente recuperado, atirando-se novamente à vida desregrada. Ainda freqüentava seu círculo de amigos de Montparnasse, entre os quais, o escultor russo Ossip Zadkine, Moise Kisling, judeu polonês que se tornara muito próximo do artista, e o pintor Chaim Soutine, judeu russo por quem nutria afeto paternal. Soutine foi um dos primeiros a apreciar o seu talento. Em 1914, o amigo e artista Max Jacob intermedia um encontro entre Modigliani e o marchand Paul Guillaume, intelectual que iniciava suas atividades no mundo das artes. Impressionado com os desenhos de Modigliani, ele compra algumas pinturas e passa a promover seus trabalhos.

No verão de 1914, eclode a Primeira Guerra Mundial na Europa. Em agosto, Paris é bombardeada e ele se muda para Montparnasse. Sua saúde continua piorando e, mais uma vez, é ajudado por amigos. Quando se restabelece, em 1916, volta a pintar, pressionado por Paul Guillaume. Nessa mesma época foi apresentado a Leopold Zborowski que, além de amigo, tornou-se também seu patrono e marchand. Foi um ano muito produtivo no qual fez muitos retratos, recebendo um salário semanal. Foi também nesse período que conheceu Jeanne Hébuterne, a mulher com quem viveria até morrer. Sua arte torna-se mais clara e tranqüila, aparentemente como resultado da presença de Jeanne em sua vida. Seu trabalho começa a ser notado e o crítico Francis Carco compra-lhe alguns quadros, seguindo de perto sua carreira.

Em março de 1918, Paris é novamente bombardeada e o mercado de arte entra em colapso. Juntamente com Zborowski e Jeanne, Modigliani parte para uma vila na Côte D'Azur, onde o clima é mais adequado à sua saúde. Em novembro do mesmo ano, o casal tem uma filha. A partir de 1919, assume seriamente o papel de pai e artista, entregando-se de corpo e alma ao trabalho, mandando quatro trabalhos por mês a Zborowski. São desse período as únicas quatro paisagens de toda a sua obra, como também um retrato de crianças da cidade e o de Jeanne.

Em maio de 1919, Modigliani retorna a Paris. Alguns meses mais tarde, Zborowski o inclui em uma mostra na Mansard Gallery, em Londres, da qual participavam também Picasso, Matisse, Derain, Soutine, Kisling e outros. A exposição é um sucesso e suas obras, elogiadas pela crítica local, são vendidas a bons preços. Mas, no inverno, sua saúde piora. Bem doente, permite apenas que Jeanne cuide dele, recusando-se a ser internado.

Em 22 de janeiro de 1920 é levado inconsciente para o Hospital da Caridade, morrendo no dia 24 de meningite tubercular. Jeanne, grávida de nove meses, retorna à casa de seus pais no mesmo dia e, no meio da noite, atira-se do quinto andar do prédio, não agüentando a dor da perda. O italiano Modigliani construiu sua reputação internacional na França. Sua arte foi praticamente desconhecida, durante sua breve vida, na terra onde nasceu. Somente após sua morte, Modigliani foi reconhecido como "filho da terra", através de duas retrospectivas na Bienal de Veneza - a primeira em 1922, poucos meses depois que Mussolini assumiu o poder; e a segunda em 1930, no auge da ditadura e da popularidade do "Duce". Por ironia do destino, Modigliani, judeu, liberal, conhecido por sua visão cosmopolita e internacional e que acreditava no ideal socialista de que todos os homens são iguais, acabou sendo usado como símbolo da Itália fascista.

Além do mito

Conhecido por ser boêmio e levar uma vida dissoluta, Modigliani fazia parte dos chamados "Artistas Malditos" da capital francesa. Recusava-se a definir um estilo para sua arte, buscando uma forma ideal que mesclasse classicismo, expressionismo e modernismo. Seu traço era sublinhado, constantemente visível, e organizava a superfície de suas telas em ritmo de grandes curvas melodiosas. Segundo seus contemporâneos, buscava uma impossível reconciliação entre tradição e audácia. É possível dizer que a vida breve de Modigliani foi uma sucessão de misérias e tristezas, fracassos e doenças. Mas, apesar disso, não se encontra em seus retratos nada de "doentio" ou deprimente.

No final de 1919, poucos meses antes de morrer, aos 35 anos, pintou seu auto-retrato, um óleo sobre tela que pode ser visto no Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo. Na obra, ele se retrata com a paleta e um pincel na mão, como que se recusando a sucumbir às suas próprias condições. Segundo Manson Klein, esse auto-retrato coloca em xeque a imagem do artista apenas como boêmio, amargurado e fracassado. O artista se referia a si mesmo como "un juif du patriciat", um judeu nobre. Nesse romântico, mas incisivo auto-retrato, ele se revela como um indivíduo que reconcilia sua saúde debilitada com a dignidade e o intelectualismo aristocrático com a compaixão. E é dessa forma que se auto-retrata, como alguém que apesar de tudo se mantém elegante e nobre, imbuído pela vocação de dignificar a condição humana.

Sua carreira será toda uma longa reflexão sobre o rosto de homens e mulheres. Segundo Klein, por trás da opção pela arte dos retratos estava sua crença de que todas as pessoas eram iguais, independente de seu status. Modigliani as pintava com traços semelhantes: olhos e faces amendoados e pescoços longilíneos. Sua arte de retratos revela o equilíbrio entre a linguagem universal das formas geométricas e as características pessoais, emocionais e políticas do indivíduo.

Dois mundos estavam sempre presentes em Modigliani: a Itália e o judaísmo. Ele confronta o tema da identidade e do individualismo considerando a sua condição de judeu sefaradita italiano. Mais do que enraizadas em conceitos da história da arte, sua expressão artística e sua obra se originam de diversas fontes sócio-culturais. De um lado, o ideal igualitário socialista e o suposto fim das diferenças raciais, durante o Risorgimento italiano e do período da reunificação da Itália (1848 a 1870), quando em toda a Itália os judeus foram legal e civilmente emancipados. Do outro, sua rica herança sefaradita, sua compreensão do indelével caráter do judaísmo, independentemente de qualquer tipo de assimilação ou aculturação.

Aportando em Paris em 1906, mais como jovem e filosófico idealista e menos como judeu praticante, Modigliani confrontou-se com uma sociedade menos pluralista e tolerante, do ponto de vista religioso e cultural, do que de Livorno. Entre os imigrantes de Paris, muitos dos quais judeus, seu cosmopolitanismo personificava a diversidade cultural própria do famoso grupo de artistas de Montparnasse, do qual fazia parte. Porém, suas raízes diferiam profundamente das de seus colegas, principalmente os oriundos da Europa oriental. E ele introduz nesse meio não apenas o judaísmo sefaradita, mas também a cultura latina.

A comunidade judaica que moldara a personalidade de Modigliani diferia das demais espalhadas pela Europa, que na maior parte dos casos, mesmo no século XIX, permaneciam isoladas e oprimidas. Além dos judeus da Itália terem sido emancipados e gozarem de igualdades civis, foi na Livorno do século XIX que a história da intelectualidade sefaradita italiana atingiu seu ápice. Além do mais, a identidade singular de Modigliani é decorrente da habilidade do judeu italiano de aceitar a diversidade justamente em função do pluralismo cultural que existia no país.

É fácil perceber por que em Paris, enquanto Modigliani era identificado primeiro como italiano ou apenas como europeu ocidental, graças à sua fluência em francês, e só depois como judeu, artistas como Marc Chagall e Chaim Soutine eram identificados como judeus - e não como russos ou lituanos. A arte de Modigliani não pode ser entendida totalmente sem considerarmos as maneiras complexas pelas quais reagiu à nova realidade e à xenofobia e hegemonia cultural que encontrou em Paris.

Foi na França pós-Dreyfus que ele, pela primeira vez, sentiu na pele o anti-semitismo. De fato, antes de viver no enclave artístico de Montparnasse nunca imaginaria ter que reafirmar sua identidade judaica. O anti-semitismo, de certa maneira um choque para o artista, influenciou não somente a forma como interagia com os outros, mas também sua arte. Este fato motivou, em grande parte, sua maneira singular de se apresentar como "Modigliani, judeu".

Durante a vida na França, sempre criticou a maioria dos artistas judeus que optava por se assimilar, por dissimular sua verdadeira identidade, abraçando totalmente a liberdade trazida pela emancipação européia. Para ele, esta característica era resultado da falta de identidade judaica de muitos artistas que viviam na capital francesa antes da Primeira Guerra Mundial.Ao invés de se assimilar, Modigliani assumiu totalmente o judaísmo, investindo-se da posição ideológica de "pária". Quanto mais percebia que o tema "raça" se tornava importante, mais focado e simbólico se tornava seu método de trabalho.

Ao invés de ampliar suas manifestações artísticas, restringiu-se cada vez mais aos retratos, que compõem a vasta maioria de suas obras. A auto-identificação era extremamente importante para ele, que optara por ser "o outro", que preferia não ser entendido a ser percebido como burguês assimilado. Declarava sua identidade ao cumprimentar estranhos dizendo, "Sou Modigliani, judeu". Seu marco de diferença era o judaísmo.

A manifestação da identidade judaica em sua obra é abstrata, filosófica e ocidental, bem diferente, por exemplo, da maneira como aparece nas obras de Chagall, que utiliza símbolos e ícones do folclore russo. Apesar de ambos abordarem em suas obras temas como migração e mudanças, enquanto Chagall sintetiza o modernismo e o misticismo chassídico, Modigliani retrata a perda, o deslocamento e a falta de uma referência cultural específica. De certa maneira, Chagall fez parte de um esforço coletivo para desenvolver um estilo "nacional judaico" nas artes, baseado principalmente na necessidade de compensação pela desintegração da tradicional comunidade judaica. Modigliani, pelo contrário, estava determinado a permanecer independente. Para ele, a expressão artística, cultural e espiritual não podia ser determinada por nenhum tipo de dogma externo. Emergia do mais íntimo do ser.

Conclusão

Ao analisar quem foi Modigliani, o que representa sua arte, qual a sua mensagem, deve-se ir além do mito e aprofundar-se no pano-de-fundo histórico-religioso, assim como nos acontecimentos de sua curta e sofrida vida. Sua arte foi um reflexo daquilo em que acreditava e vivenciava. Seu universalismo estava sempre aliado a um respeito profundo pelo indivíduo, os traços semelhantes de seus retratos estão sempre aliados a características pessoais de cada indivíduo. A Itália e o judaísmo foram, para ele, dois grandes marcos. Suas raízes judaicas e a cultura que havia absorvido na infância, em Livorno, estavam presentes em sua vida e arte.

E ao refletir sobre o tema "raça", assunto crucial em Paris e na Europa da época - seu trabalho se tornava cada vez mais simbólico. Seus retratos, cada vez mais geométricos, estilizados. A crescente estilização de sua arte refletia a saudade que sentia de sua terra natal, a Itália, além de uma sensação de exílio. Este sentimento cresceu durante os anos de guerra. Declarava-se universalista, mas, para o pintor, ser judeu tornara-se essencial: fazia toda a diferença.

Bibliografia:

· Klein, Mason - "Modigliani Beyond the Myth", Museu Judaico de N. York, Yale University Press

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Rescate del legado de Maimónides junto a su tumba - EFE

Rescate del legado de Maimónides junto a su tumba

Un nuevo centro cultural junto a su tumba en la ciudad de Tiberíades (Tiberias) rescata el legado de Maimónides como pensador revolucionario y médico, en contraste con el tinte casi exclusivamente religioso atribuido a esta figura.

Autor de famosas obras sobre la teología y práctica judías, entre ellas sus magistrales interpretaciones de la Torá, Maimónides, nacido en Córdoba en 1135 y muerto en Al Fustat, junto a El Cairo, en 1204, está considerado por el judaísmo como el "gran maestro" de todos los tiempos, equiparable únicamente al bíblico Moisés.

Sus comentarios son estudiados de forma ininterrumpida en miles de seminarios rabínicos, lo que ha resultado en una casi entera monopolización de su obra y figura por parte de la ortodoxia.

"Precisamente la gran contribución de Maimónides fue su capacidad para combinar, para integrar toda la sabiduría: la que ofrecían el judaísmo, la ciencia, la medicina, la filosofía... todo ello, adornado por su gran capacidad educativa, hicieron de él lo que es", explica el rabino Gilad Mesing, encargado del nuevo centro.

Defensor del legado "universalista" del gran filósofo cordobés, Mesing busca dar fe del amplio espectro científico, filosófico y religioso abarcado por quien los judíos conocen como Ha'Rambam, acrónimo hebreo de "Rabi Moisés hijo de Maimón" (Rabí Moshé ben Maimón).

"Maimónides era un auténtico revolucionario, un pionero que renovó muchas cosas en muchos ámbitos", agrega Mesing mientras hojea viejas ediciones de su obra en distintos idiomas, de las cuales la más antigua en exposición es de 1480.

Situado a unos treinta metros de la tumba del filósofo, bajo administración del Comité de Lugares Santos, el Centro es una iniciativa privada que trata de insuflar aires nuevos a la peregrinación y culto religioso a su alrededor.

"Maimónides -explica- no quería que su tumba se convirtiera en lugar de peregrinaje. No creía en supersticiones, ni en prácticas cabalísticas, de hecho se oponía a todo esto porque lo veía como idolatría".

Miles de niños en edad escolar han pasado ya por el antiguo edificio de tres plantas rehabilitado y recubierto de piedra basáltica negra, típica de la zona y en particular de Tiberíades, a orillas del Mar de Galilea (Kineret).

La exposición gráfica y visual recoge sus primeros años en España ("No hay duda que sus grandes aspiraciones están relacionadas con el lugar donde nació y creció", dice Mesing), su paso por Fez (Marruecos) y su posterior desplazamiento a la Tierra de Israel para acabar sus días, a los 69 años, en Al Fustat.

Su muerte en Egipto, a unos 500 kilómetros, dio pie a numerosas leyendas sobre su lugar de reposo, algunas tan banales como que junto a Tiberíades fue donde se paró el obstinado camello que trasladaba su cadáver.

Pero Alón Lembritsky, asesor histórico del centro, descarta las leyendas y asegura que "no es una creencia que esté enterrado aquí. Es un hecho".

"Tenemos el testimonio de Rabi Yaacov, enviado de un seminario en París, que constató la existencia de la tumba unos 20 años después de su muerte", asegura.

La descripción que éste hizo apunta al mismo lugar donde se encuentra el venerado sepulto, una simple piedra semicircular en medio de una rotonda dividida por una mampara, para que hombres y mujeres recen por separado en las más estricta observancia ultra-ortodoxa.

Completa el sepulcro una gigantesca escultura rojiza con forma de corona visible desde toda la ciudad.

Lembritsky también trae a colación el testimonio de un historiador árabe, conocido del pensador y médico judío, que certifica que éste quería ser enterrado en Tiberíades por su cercanía a las tumbas de los famosos rabinos de la época posterior a la destrucción del Segundo Templo, en el 70 d.C.

Una época que precisamente Maimónides trató de esclarecer con sus tratados sobre la ley judía oral, y por las que fue atacado cuando sus oponentes le acusaron de querer imponerse al mismísimo Talmud.

Y es que para su época las interpretaciones del filósofo cordobés eran demasiado renovadoras, más aún cuando sus escritos contemplaban una amplia combinación de temáticas.

"Cuando hablamos de Maimónides es muy difícil separar las disciplinas. ¿Era más filósofo que hombre de fe? ¿Era más médico que astrónomo o matemático? Lo era todo a la vez y cuando escribía de medicina incluía preceptos de la Torá y viceversa", explica el historiador.

El centro pretende mostrar esa sabiduría humanista de Maimónides, simbiosis del razonamiento aristotélico y la sumisión absoluta a la autoridad divina, que contrasta con la imagen del rabino y hombre estrictamente religioso que predomina en el país. EFE

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A realidade é como percebemos - Marcelo Gleiser

domingo, 14 de novembro de 2010

A realidade é como percebemos

Marcelo Gleiser



Einstein e a física quântica derrubaram a objetividade imparcial: a mente e a realidade são inseparáveis

SEMANA PASSADA, DESCREVI como a física moderna vê a realidade como sendo composta de várias camadas, cada qual com seus princípios e leis.


Isso vai contra o reducionismo mais radical, que diz que tudo pode ser compreendido partindo do comportamento das entidades fundamentais da matéria. Segundo esse prima, existem apenas algumas leis fundamentais. Delas, todo o resto pode ser determinado. Gostaria de retornar ao tema hoje, mas focando num outro aspecto dessa questão que é bem complicado: o que é realidade e como sabemos.

Começo contrastando os filósofos Hume e Kant. Para Hume, o conhecimento vem apenas do que captamos com nossos sentidos. Baseados nesta informação, construímos a noção de realidade. Portanto, uma pessoa que cresceu sem qualquer contato com o mundo externo e que é alimentada por soros não seria capaz de reflexão. Kant diria que existem intuições já existentes desde o nascimento, estruturas de pensamento que dão significado à percepção sensorial.
Sem elas, os dados colhidos pelos sentidos não fariam sentido.

Duas dessas intuições são as noções de espaço e de tempo: elas costuram a estrutura da realidade, conectando e dando sentido ao fluxo de informação que vem do mundo exterior. Uma mente com estruturas diferentes, portanto, teria uma noção diferente da realidade.

Kant não diz que o sensório não é importante. Para ele, mesmo que o conhecimento comece com a experiência externa, não significa que venha desta experiência. Precisamos do fluxo de informação sensorial, mas construímos significado partindo de nossas intuições: os dados precisam ser ordenados no tempo e arranjados no espaço.

Durante as primeiras décadas do século 20, duas revoluções forçaram uma reavaliação da ordem kantiana. A relatividade de Einstein combinou espaço e tempo. Deixaram de ser quantidades absolutas, tornando-se dependentes do observador.

O que é real para um pode não ser para outro. A teoria de Einstein restaura uma forma de universalidade, pois provê meios para que observadores diferentes possam comparar suas medidas de espaço e tempo.

A segunda revolução veio com a física quântica. Para nossa discussão hoje, seu aspecto mais importante é a relação entre o observador e o observado. Na época de Kant, a separação entre os dois era absoluta. No mundo quântico dos átomos e partículas, a natureza física de um objeto (se um elétron é uma partícula ou uma onda, por exemplo) depende do ato de observação.

Ou seja, as escolhas feitas pelo observador induzem a natureza física do que é observado: o observador define a realidade. E como a intenção do observador vem de sua mente, a mente define a realidade. A mente precisa ainda das intuições a priori para interpretar o real, mas ela participa desta interpretação.

A objetividade imparcial se torna, então, obsoleta, já que mente e realidade tornam-se inseparáveis. Se essa relação na camada quântica afeta outras camadas é ainda objeto de discussão.
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A poesia hebraica na Andaluzia muçulmana –

uma poética da ambivalência

Dr. Saul Kirschbaum1

Resumo:

Na Andaluzia muçulmana surgiu uma importante poesia hebraica laica, de celebração da vida, ao

lado de uma tradição poética litúrgica concentrada na dor da destruição do Templo, no sofrimento

do exílio. O fato de que ambas as formas eram compostas exatamente pelos mesmos poetas, ao

mesmo tempo rabinos e pensadores do judaísmo, aponta para uma ambigüidade existencial que caracterizaria

o povo judeu desde então. Diversos poetas judeus, que na juventude compuseram poemas

laicos (sem, por isso, se considerarem impedidos de compor poesia religiosa), na velhice se

“arrependiam”, anunciavam sua ruptura com um passado pouco piedoso; não obstante, continuavam

a produzir poesia laica. Nesta ambigüidade, eram ecoados pelas autoridades religiosas, que

condenavam o modo de vida dos poetas, mas ao mesmo tempo os absolviam, já que sua participação

nas festas árabes “contribuía para o bem do povo”.

Palavras-chave: poesia hebraica laica, Idade de Ouro, pós-modernidade, encruzilhada de culturas,

crises identitárias.

Introdução

A conquista da península ibérica pelos exércitos árabes, iniciada em 711 e concluída em 756

com o estabelecimento do regime muçulmano omaiada, pôs fim, para os judeus, a muitas décadas

de opressão na Espanha visigoda. Para termos uma idéia das condições em que os judeus viviam na

véspera da chegada dos árabes, basta lermos o comentário do historiador Cecil Roth:

No regime dos Visigodos, que se estabeleceu sobre as ruínas da colônia romana,

adotou-se [a princípio] a forma ariana de cristianismo. Os judeus tinham então

poucos motivos de queixa; julga-se até que estivessem em posição privilegiada.

Mas, depois da conversão [ao catolicismo], seus senhores apressaram-se a mostrar

o zelo de perseguição tão característico do neófito. Em 589, quando o rei Recaredo

adotou o catolicismo romano, a legislação clerical corrente foi imposta também na

Espanha. A posse de escravos, os casamentos mistos, a conversão ao judaísmo, foram

proibidos sob penas rigorosíssimas. Os judeus foram excluídos de posições de

confiança ou de autoridade no Estado. Soberanos seguintes mostraram maior tolerância.

Mas a partir de 616, quando o rei Sisebuto subiu ao trono, a escuridão desceu

completa. Durante quase um século, a prática aberta do judaísmo foi absolutamente

proibida. Sucessivos concílios da Igreja, realizados em Toledo, sob a presidência

do próprio rei, enunciaram minuciosas prescrições segundo as quais antigos

judeus e seus descendentes deviam ser afastados de sua fé ancestral. Suas crianças

eram-lhes arrancadas e levadas para longe, a fim de receberem educação em casas

de catolicismo ortodoxo. (ROTH, 1963, vol. 2, p. 18)

Assim, não provoca espanto o fato de que os judeus tenham saudado os invasores como seus

libertadores. Há quem diga que os judeus foram mais longe do que apenas alegrar-se com a chegada

dos árabes, que teriam mesmo colaborado ativamente com a invasão, inclusive na forma de tropas

combatentes. No mínimo, como informa Abba Eban, sabe-se que “[n]a medida em que uma cidade

depois da outra era capturada, os judeus recebiam sua guarda, desde que estivessem presentes em

1 Bolsista da CAPES no programa PRODOC junto ao Programa de Língua Hebraica, Literatura e Cultura Judaicas,

DLO/FFLCH/USP. E_mail: saul@usp.br

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número suficiente. Desde o início, eles se tornaram um minoria confiável na Espanha muçulmana”

(EBAN, 1968, 144).

A aposta judaica mostrou-se acertada. O estabelecimento do califado inaugurou uma era de

tolerância e prosperidade. Os judeus que haviam sido convertidos à força ao cristianismo puderam

retornar ao judaísmo. Córdova, a capital do califado, foi transformada em um centro de alta cultura,

com uma universidade dotada de uma biblioteca contendo cerca de 400.000 volumes. O florescimento

cultural se fez acompanhar de incorporação política, com muitos judeus galgando posições

proeminentes na administração do estado. Os casos mais notórios foram o de Hasdai ibn Shaprut

(915-970), que veio a ser o principal conselheiro do califa em assuntos financeiros e diplomáticos –

graças a seus esforços em benefício da comunidade foi até mesmo possível criar a escola talmúdica

de Córdova2 -, e o de Samuel Hanaguid (993-1056), que se tornou vizir e comandante-em-chefe da

cidade-estado de Granada3. Em contato com a luxuriante civilização árabe, a poesia neo-hebraica de

inspiração litúrgica voltou a se expandir.

Podemos ter uma idéia do poderio e riqueza atingidos pela comunidade judaica de Córdova

pela narrativa de Abraham ibn Da´ud, cronista judeu do século doze. O rabino Hanoch ben Moshe,

conta Ibn Da´ud, era escoltado diariamente à corte do califa por “setecentos judeus em setecentas

carruagens, cada um deles adornado com trajes reais e usando o turbante de oficiais muçulmanos”

(apud HALKIN, 1999, pp. 9-10, tradução minha). Samuel Hanaguid, que tinha sido um estudante

destacado do rabino Hanoch ben Moshe, foi quem, para nela viver, restaurou uma velha cidadela

sob o nome árabe de hisn el-hamra, “a fortaleza vermelha”, a famosa alhambra, até hoje admirada.

Estava aberto o caminho para a “Idade de Ouro” dos judeus na península ibérica. Neste clima

de aceitação social e ascensão econômica e política, os intelectuais judeus se sentiram à vontade

para dedicarem-se também a uma intensa atividade cultural laica, que teve como paradigma a criação

poética árabe. Como observa Alter,

[o] nascimento de uma nova poesia hebraica /.../ foi um ato de assimilação competitiva.

Se os árabes de Andaluzia podiam se jactar de uma poesia refinada, elegante,

como peça-chave de sua cultura – uma poesia, além do mais, assentada não no dialeto

vernacular do árabe, mas na linguagem clássica do Corão – os judeus da Espanha

assumiram que tinham um modelo de perfeição lingüística ainda mais puro no

hebraico da Bíblia, a partir do qual poderia ser lavrada uma poesia esplêndida, que

ultrapassaria seus modelos árabes. Estavam envolvidas tanto imitação social quanto

literária (ALTER, 1991, p. xii, tradução minha).

Esta influência árabe, esta “assimilação competitiva”, se fez sentir não só nos aspectos formais,

nos modos de composição, no uso das métricas árabes, mas também nas temáticas abordadas.

Pela primeira vez, em séculos, podendo desfrutar das delícias de uma vida de abundância e liberdade,

os judeus passaram a compor poemas de celebração. É ainda Alter que comenta:

Os revestimentos físicos desse mundo afluente, hedonístico, seguidamente se refletiam

nos poemas: jardins prazeirosos com fontes murmurantes e pássaros canoros,

belos rapazes e moças servindo vinhos finos em taças de cristal, uma profusão de

vestimentas, utensílios e arquitetura ricamente ornamentados, eram ao mesmo tem-

2 “Alguns discípulos de uma célebre academia judaica foram feitos prisioneiros durante uma viagem pelo Mediterrâneo;

um deles, rabi Moshe, chegou com seu filho Hanoch a Córdova, onde seus correligionários os resgataram, contra tributo,

da escravidão. Um dia, sob humilde anonimato, ele se dirigiu à escola da comunidade, onde encontrou um rabino

ignorante explicando o Talmud. Apresentou algumas objeções que puseram o mestre, rabi Nathan, em dificuldade. Este,

mais desinteressado do que sábio, se levantou e deixou seu posto para o recém-chegado. Córdova tornou-se assim, pouco

a pouco, o centro da ciência talmúdica para todo o judaísmo, em um progresso tão rápido que eclipsou as academias

clássicas da Mesopotâmia” (CALIMANI, 1986, p. 119, tradução minha).

3 No século onze, o califado pediu ajuda, para combater os ducados cristãos do norte da Espanha, aos berberes do norte

da África, também muçulmanos. Estes derrotaram os cristãos, mas também provocaram o desmembramento do califado

em vários estados, chamados taifas, governados por emires soberanos.

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po diretamente representados nos poemas e espelhados nas imagens poéticas. A

poesia, antes seqüestrada na sinagoga, tornou-se, ao menos para a elite, um veículo

do quotidiano (ALTER, 1991, pp. xii-xiii, tradução minha).

É importante termos presente que até perto do final do primeiro milênio da era comum, a única

poesia composta em hebraico era litúrgica, e consistia de louvores a Deus ou de lamentos pelas

aflições de Israel. Agora, os poetas judeus falam da beleza da natureza, de amores eróticos, de prazer

sensual, de belos jovens (de ambos os sexos – referidos muitas vezes como faunos e gazelas)

servindo vinho, de jardins. E também de valores másculos, das emoções ligadas a altas ambições e

dos pesares humildes de doença, morte, velhice. Podemos exemplificar estas novas opções temáticas

com um pequeno poema de um dos mais importantes poetas da época, Iehudá Halevi, nascido

em Toledo antes de 1075, e morto (supõe-se) em Jerusalém, em 1141 ou depois:

EIS QUE ME DEU ...

Eis que me deu em prenda pura a uma gazela

que toda a noite para mim foi música de harpas e flautas acordadas;

ela me diz, quando eu empunho a taça cheia:

- Bebe de entre meus lábios sangue como de uvas.

É então que a lua surge como um til de ouro

escrito sobre a túnica da aurora.

(Tradução: Renata Pallotini. In GUINSBURG, 1969, p. 339)4

Não obstante muitos judeus terem se escandalizado, apesar de protestos contra o movimento

literário secular que perduraram por gerações, a nova poesia se alastrou como fogo selvagem. Continuou

produtiva depois que a Espanha foi re-cristianizada no processo da Reconquista, e também

depois da expulsão dos judeus, em 1492, se espalhando pelo Mediterrâneo.

Mas o problema que me concerne aqui é que o povo judeu está no exílio. O Templo foi destruído

pelos romanos em 70 e.c., Israel perdeu sua autonomia política e vive disperso entre os povos.

Só a vinda do Messias poderá trazer a redenção. Os versos de Jeremias, no salmo 137,

3 – Porquanto aqueles que nos levaram cativos,

nos pediam uma canção;

e os que nos destruíram,

que os alegrássemos, dizendo:

Cantai-nos um dos cânticos de Sião.

4 – Mas como entoaremos

o cântico do Senhor

em terra estranha?

5 – Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém,

esqueça-se a minha destra da sua destreza.

6 – Apegue-se-me a língua ao paladar,

se me não lembrar de ti,

se não preferir Jerusalém

à minha maior alegria.

são entendidos e aceitos por todos como uma conclamação ao luto permanente, uma proibição a

manifestações de alegria, um veto à celebração dos prazeres da vida. Esta situação é muito clara,

por exemplo, em um responsum de Hai Gaon5: “Quanto à sua questão sobre a posição legal de alguém

que, em nossa época [isto é, desde a destruição do Tempo] bebe [vinho] com acompanhamento

de música, especialmente entre não-judeus, ele é culpado e deve ser excomungado /.../” (apud

SCHEINDLIN, 1984, p. 275, tradução minha).

4 Ver também outro exemplo em “A gazelinha não-me-toques”, tradução comentada de poema de Iehudá Halevi por

Moacir Amâncio, em Cadernos de Língua e Literatura Hebraica num. 4, São Paulo: Pólo Editora, 2004.

5 Hai Gaon foi o último dos gueonim babilônios, contemporâneo de Samuel Hanaguid, morreu em 1038.

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Como dar conta da situação? Como manter o luto no coração, continuar respeitando as normas

da comunidade, e, ao mesmo tempo, viver no mundo, ou seja, participar das benesses oferecidas

por uma situação de afluência, de conforto material, de crescente aceitação por uma elite culta e

tolerante, como a elite árabe? Nos tempos atuais, tempos de fragmentação identitária, esperaríamos

que cada um fizesse sua escolha. Aqueles mais devotos optariam pelo piut, pela poesia religiosa

para recitação na sinagoga. Aqueles menos preocupados com as questões religiosas optariam pelas

letras seculares, pela poesia de conteúdo laico. Surpreendentemente, a resposta dos poetas judeus

espanhóis foi: “com um pé de cada lado”. Os poetas laicos mais importantes da época são justamente

os poetas litúrgicos mais importantes da época. Samuel Hanaguid, Shlomo ibn Gabirol, Moses

ibn Ezra, Iehudá Halevi compõem poemas laicos, eróticos, satíricos, no estilo de al-Andalus, ou

seja, utilizando as convenções poéticas árabes, e também são rabinos, pensam em Israel, compõem

cânticos de lamentação, choram a perda de Sião. Os poetas judeus, inevitavelmente, tinham que

enfrentar as contradições de viver entre duas culturas, na encruzilhada. O autor de

NO ORIENTE

Meu coração está no Oriente e eu, no extremo Ocidente –

como poderia eu provar meus alimentos e saboreá-los?

Como poderia eu cumprir meus votos e meus juramentos,

quando Sião está nas cadeias de Edom e eu, na servidão árabe?

Fácil seria a meus olhos renunciar a todo o bem de Sfarad,

tão precioso é a meus olhos contemplar as areias do Santuário desolado.

(Tradução: J. Guinsburg. In GUINSBURG, 1969, p. 144)

que tão bem ecoa o lamento de Jeremias, é exatamente o mesmo Iehudá Halevi de quem, antes,

transcrevemos o poema “Eis que me deu ...”, que celebra a noite de música e vinho desfrutada junto

a uma “gazela”. Halevi, considerado por muitos como o maior poeta judeu entre o final do período

bíblico e o século doze. A palavra de ordem é, podemos dizer, ambivalência. Assim como, séculos

mais tarde, os judeus responderiam a Napoleão que se consideravam “franceses na rua, israelitas em

casa”, a elite pensante judia de al-Andalus parece dizer que “está de luto, chora a perda de Sião, na

sinagoga, mas celebra a vida na rua (na verdade, nos suntuosos palácios dos ricos), na atmosfera

árabe do quotidiano”.

É claro que esta ambivalência, para se sustentar, supõe uma resposta adequada do establishment.

Uma negociação, mesmo que tácita. Os poetas certamente não poderiam manter “um pé de

cada lado” se de fato fossem considerados culpados e, por isso, excomungados. O responsum de

Hai Gaon, do qual citei acima só o início, deve ser lido por inteiro: “Quanto à sua questão sobre a

posição legal de alguém que, em nossa época [isto é, desde a destruição do Tempo] bebe [vinho]

com acompanhamento de música, especialmente entre não-judeus, ele é culpado e deve ser excomungado,

/.../”, continua com:

a menos que ele seja um cortesão [lit., seja admitido ante o governante], e trabalhe

para a proteção dos judeus, e esteja seguro a respeito de si mesmo, que não deslizará

para licenciosidade, e a menos que se saiba que no momento [de beber e escutar

música] ele está concentrado na destruição do Templo, e que ele está forçando seu

coração para ser triste e não esteja se divertindo, e a menos que ele escute [música]

apenas por deferência para com o rei, de modo a beneficiar Israel (SCHEINDLIN,

1984, pp. 275-6, tradução minha).

Ambivalência, pois, de ambos os lados. Contra todo o ritualismo que caracteriza o judaísmo,

que implica estabelecer contato somente com a exterioridade, uma “ortopraxis”, é necessário agora,

para legitimar a ambivalência, invadir a interioridade do judeu (poderoso e influente, freqüentador

da corte do governante árabe, poeta e intelectual) para saber em que ele está pensando enquanto

bebe e escuta música, para ter certeza de que no fundo do coração ele está triste, que ele aparenta

estar se divertindo apenas por deferência para com o governante não-judeu, e apenas como artifício

para beneficiar seu povo.

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Mas, apesar da negociação, apesar do acordo com o establishment, o poeta judeu não está em

paz consigo mesmo, uma vez consciente de sua ambivalência. Poetas compungidos, Brann os qualifica.

A culpa os devora. Diz o autor:

Os poetas hebreus se prostravam ante uma consciência literária problemática. Eles

estavam cientes de seu afastamento abrupto das normas hebraicas em um movimento

arabizante, mas, ao mesmo tempo, queriam, ansiosamente, ser identificados

como herdeiros da tradição literária do antigo Israel. Colocando isso de outra forma:

a poesia hebraica andaluza é um híbrido literário. Seu verso de vanguarda reflete

as normas adaptativas sub-culturais dos intelectuais judeus, mas essa poesia se

enraíza, através da linguagem, imaginário e associações, no texto mais tradicional,

a Bíblia hebraica (BRANN, 1987, p. 128, tradução minha).

Em meu entender, a questão talvez não seja apenas literária, como Brann dá a entender, mas,

e principalmente, existencial. A conseqüência desse estado de coisas seria que, tipicamente, os poetas,

na juventude, escreviam sobre amores, vinhos, celebração da vida6, e se “arrependiam”, se voltavam

para as questões religiosas, para o luto pela perda de Sião, quando envelheciam. O exemplo

mais contundente do fenômeno é a carreira deste Iehudá Halevi de quem mostramos acima poemas

antagônicos. Por volta de seus sessenta e cinco anos, em 1140, Halevi, num “renascimento místico”,

rompeu com os modos de vida de al-Andalus (“renunciou a todo o bem de Sfarad”, como anunciara

no poema “No Oriente”) e optou por uma vida de devoção religiosa, decidindo mudar-se para a

Palestina, onde acabou morrendo. Como poeta litúrgico, defendeu a idéia de que “o sofrimento de

Israel é uma santificação do nome de Deus”. Em sua obra maior, o Cuzarí, reconhecida como uma

defesa “não-filosófica” do judaísmo tradicional, Halevi sustenta que “Israel poderia ter apressado o

resgate submetendo-se de boa vontade ao jugo do exílio” (CARMI, 2006, p. 107, tradução minha).

Nesta mesma obra, condena expressamente a poesia laica composta pelos judeus de al-Andalus (da

qual ele mesmo é um dos expoentes):

/.../ quando alguém deseja contatar o que é sublime e espiritualmente mais elevado:

esta pessoa tende a isolar-se do contato com o sexo oposto, de gente jocosa e de regalar-

se com cantigas de amor ou chistosas, que podem afetá-la negativamente

(2003, p. 137, diálogo 2:60).

O mesmo conflito foi experimentado por seu mestre, Moisés ibn Ezra7, que, numa revisão de

sua carreira, anunciou que renunciara e abandonara a poesia, tendo resolvido devotar seus anos remanescentes

a assuntos mais valiosos8.

Porém, não obstante serem poetas “compungidos”, continuam a levar uma vida de ambivalência;

apesar dessas declarações dramáticas, continuam compondo poemas seculares. Halevi, a caminho

da Palestina, demorou-se alguns meses no Egito, onde escreveu muitos poemas de louvor a

judeus egípcios notáveis e de celebração das belezas do mundo9. Ibn Ezra, “refletindo sobre a condição

humana, corrigiu suas observações: ‘No entanto, eu nunca me abstive completamente de

compor poesia, sempre que a necessidade surgiu’” (apud BRANN, 1987, p. 126, tradução minha).

6 O que não os impedia de, ao mesmo tempo, comporem poesia religiosa; como assinalamos acima, os principais poetas

seculares são também os principais poetas litúrgicos.

7 Ross Brann inclui, entre os poetas “arrependidos”, Shem Tov ibn Falaquera (1224-1290) e Todros Abulafia (1247-

1295) (1987, p. 140, nota 21, tradução minha).

8 “Durante a juventude e o início da idade adulta, eu estimei a poesia como artesanato que armazena glória, e a considerei

como um meio de impressionar os outros. [Anos] depois, renunciei a ela e a abandonei – como uma gazela deserta

sua sombra – por ter resolvido devotar meus anos remanescentes a assuntos mais valiosos” (apud BRANN, 1987, p.

126, tradução minha).

9 “Entre setembro de 1140, quando desembarcou [no Egito], e maio de 1141, quando embarcou para a Palestina, o poeta

festejou judeus egípcios notáveis com pelo menos cinqüenta e um poemas e quatro cartas de ocasião em prosa hebraica

rimada. /.../ De fato, os poemas de Halevi para os judeus egípcios notáveis são conspícuos por seus panegíricos mundanos

e sua celebração das belezas deste mundo.” (BRANN, 1987, p. 125, tradução minha).

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O fato de, mesmo depois de condenarem sua obra poética da juventude, os poetas continuarem

a compor o mesmo tipo de poesia (ainda que, como o fez Iehudá Halevi, mudando a forma,

abandonando a métrica árabe-andalusa e voltando à escrita silábica hebraica mais antiga dos poemas

religiosos), recoloca o problema. O que é, afinal, esse “arrependimento”, essa “compunção”?

No mesmo ensaio que venho citando, Brann apresenta a questão de forma mais ampla:

Muitos poetas hebreus e árabes, andaluzes e orientais, desenvolveram escrúpulos

‘revisionistas’ em relação a versos que haviam composto quando jovens, sugerindo

uma tipologia do ‘poeta compungido’ – uma tradição histórico-literária de como

uns poucos poetas se comportaram e como muitos poetas gostariam de ser percebidos

(BRANN, 1987, p. 126, tradução minha).

De fato, muitos poetas árabes, ao envelhecerem, renunciaram à poesia profana e frívola, com

declarações públicas e gestos expressivos. Entre estes, Brann relaciona Abu Amr ibn al-Ala (século

8), Khalaf al-Ahmar (século 8), Abul Atahiya (século 9), Ibn Abd Rabbihi (século 10, al-Andalus),

Ali ibn Hazm (século 11, al-Andalus) e outros. Porém, Brann observa que

para poetas judeus, que estudavam assiduamente seus correspondentes árabes, a

tradição literária sugeria um modelo para ‘a vida do poeta’. Em uma poesia governada

por convenções, tipologias e ideais literários eram inegavelmente importantes.

Mas raramente, se alguma vez, os poetas viveram vidas tão nitidamente estilizadas

quanto seus versos (BRANN, 1987, p. 127, tradução minha).

Conclusão

Muito se tem escrito, nestes tempos de pós-modernidade, sobre crises identitárias, sobre viver

na encruzilhada de culturas, sobre desterritorialização cultural. Talvez a longa experiência dos judeus

com o exílio, com a situação de imigrantes desenraizados, sempre estrangeiros, tenha antecipado

estes fenômenos. Podemos formular uma nova hipótese, para deixar a questão em aberto: Será

que o “arrependimento” era apenas mais uma convenção literária assimilada da cultura árabe? Será

que a compunção expressada pelos poetas judeus era somente mais um aspecto da “assimilação

competitiva”, de que Alter fala? Outro aspecto disto que se poderia chamar uma “poética da ambivalência”,

uma estratégia de sobrevivência?

Referências bibliográficas:

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ALTER, Robert – “Foreword” (pp. ix-xvi) in PAGIS, Dan – Hebrew poetry of the Middle Ages and

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CALIMANI, Riccardo – L´errance juive: la dispersion, l´éxil, la survie. Trad. Maurice Darmon.

Paris, New York, Amsterdam: Diderot editeur, Arts et Sciences, 1996.

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SCHEINDLIN, Raymond P. – “A Miniature Anthology of Medieval Hebrew Wine Songs” (pp.

269-300) in ProofTexts – A Journal of Jewish Literary History. Vol. 4 No. 3, New York: The Johns

Hopkins University Press, september 1984.

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Um Seder humanista em 2011

Queridos

Uma comunidade precisa de momentos de encontro presencial.

Sempre me deparei com o desafio de organizar Seder em cima da hora.
Algumas vezes deu certo, e na maior parte delas já era tarde demais.

Como já não está tão longe, que tal começarmos a levantar as mãos para ver quem está interessado, e começarmos então a organizar?

Até quem mora fora do Brasil, como o Jayme Fuchs Bar, poderia se programar com antecedência, se tivermos iniciado os preparativos.

Vejam que não estamos sozinhos: há muito material, temos já centenas de pessoas aqui, e dá para fazer Seders em pelo menos 3 ou 4 cidades, para onde os que estão em regiões próximas poderão ir.

E sugiro que tenhamos também, além da confraternização que já é, como diz o Nilton Bonder, "farguinign" (basta por si só), um objetivo: nos organizarmos para uma campanha de hazbará judaico-humanista, nas escolas, clubes, imprensa etc.

Um abraço a todos

Sérgio



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Emmanuel Lévinas: o Judaísmo do Outro Homem
Por Denise Wasserman


Paulo Blank na ARI

No último dia 28 de outubro, o psicanalista Paulo Blank fez uma palestra no Centro de História e Cultura Judaica da ARI – CHCJ sobre Emannuel Lévinas, importante filósofo judeu do século XX.
Com poucos livros traduzidos no Brasil, Lévinas, de origem lituana, ficou mundialmente conhecido como filósofo francês por ter vivido a maior parte de sua vida neste país. Foi o responsável pela introdução da fenomenologia na França, como professor da Sorbonne.
Pensador de que todo o homem social interage e interdepende de outros indivíduos, propõe uma “ética da responsabilidade anterior á liberdade, do outro antes do eu”.
Conversamos com Paulo Blank para conhecer melhor o pensamento deste filósofo. Vamos lá?

.Quem foi Emmanuel Lévinas?
-Um filósofo que nasceu em 1926 na cidade de Kaunas perto de Vilna onde havia uma grande concentração de intelectuais judeus, religiosos ou não, e por isso era conhecida como a “Jerusalém da Lituânia”. Uma característica dos judeus religiosos da Lituânia é que tinham uma posição antagônica ao Chassidismo e a Cabalá, por verem neles uma grande possibilidade de idolatria.

.E isto poderia levá-los ao afastamento dos princípios judaicos?
- De certa maneira sim, embora nos pareça estranha esta ideia. A preocupação com o Hassidismo veio do abandono do estudo do Talmud, da importância dada ao êxtase, à comunhão com Deus, à adoração de rabinos como se estes fossem santos e milagreiros fazendo surgir uma espiritualidade cheia de magias e parecida com o espiritismo, fato que se tornou bem real e presente hoje em dia aqui mesmo no Rio de Janeiro.

.Emmanuel Lévinas era religioso?
-Na infância provavelmente não. Ele foi criado em uma ambiente não religioso, porém por uma família culta. Seu pai era dono de uma livraria, por este motivo, Lévinas logo teve contato com os clássicos da literatura russa, como Dostoiévski, por exemplo, muito citado em suas obras. Mais tarde tornou-se judeu tradicionalista, eu o chamaria de judeu shomer shabat seguidor da tradição sem ser um religioso radical, o judaísmo comporta estas diferenças...

.Apesar de nascido na Lituânia, ele é considerado um filósofo francês. Como se deu esta trajetória?
-Considerá-lo filósofo francês é uma maneira de descaracterizar o pensamento judaico que fundamenta toda a sua obra. Em 1927, Lévinas foi para Estrasburgo onde cursou a faculdade e se formou em Filosofia. Foi então para Friburgo (Alemanha), conheceu a Fenomenologia, tornando-se aluno de Edmund Husserl e Martin Heidegger, de quem passou a divergir ao longo de toda a sua obra.Como sabemos, Heiddeguer acabou ingressando no partido nazista e Lévinas jamais o perdoou, embora o considerasse o maior pensador desde Platão. Naquela época ele conviveu com o início do hitlerismo.

.O que resultou dessa descoberta?
- Em 1933, com 27 anos, ele publicou um curto trabalho intitulado “Reflexões sobre a filosofia do Hitlerismo”, onde ele percebe o hitlerismo como uma filosofia que negava todos os princípios da civilização europeia. Na medida em que as pessoas são definidas pelo sangue,não existe mais escolha.
Lévinas denunciou que isso seria o fim do homem europeu liberal,fim da democracia,fim de toda a cultura européia, inclusive a cristã. Uma de suas acusações é que 2000 anos de cultura cristã ocidental não foram capazes de proteger os judeus,ou seja,plantar e sustentar uma civilização onde a diferença fosse aceita como parte da vida humana. Nesta época,já de volta à França ele publica seus primeiros textos exclusivamente judaicos.

.Ele estava na França quando esta foi ocupada pelos nazistas?
-Ele serviu no exército francês, sendo prisioneiro numa campo de concentração de oficiais franceses . Exilado por cinco anos, não esqueceu o ódio do homem contra o outro homem deixada pela violência nazista. Em uma curta reflexão publicada no pós guerra ele conta como um cachorrino que ficava na porta do Laguer, quando saia para o trabalho forçado,recohecia nele uma essência humana ao saudá-lo toda manhã. Os habitantes da cidade vizinha nem reparavam na passagem pelas ruas daquela pessoas. Não será à toa que ele se transformou no pensador que trouxe de volta á filosofia uma questão que sempre foi paralela: a questão da ética como centro da vida humana.

. Ele teve influência de algum filósofo judeu?
- Lévinas teve influência de um grande filósofo judeu, Franz Rosenzweig, que publicou “ A Estrela da Redenção”, uma obra prima, onde o judaísmo se transforma em um método para pensar o mundo, deixando de ser somente objeto de estudo.Tal qual acontece com Lévinas a obra de Rosentzweig é mais conhecida fora do mundo judeu do que dentro dele.

.O que você destacaria entre os seus principais pensamentos?
- A maneira como ele trouxe o saber de Israel para o centro de seu pensamento e, de tal forma, que hoje ele é estudado profundamente pela igreja e nada pela sinagoga. Do pensamento de Israel ele capta a presença do outro como centro do mundo dos homens.O conceito de um outro diferente de mim é invenção da Torah. De como ele pode trazer o talmud como sabedoria contemporânea, fazendo com que os nossos mestres deixassem de ser privilégio das sinagogas e nos oferecer novos caminhos de se perceber judeu independente de sermos religiosos ou não.Uma intelectual israelense iimportante disse dele que ele é o único capaz de dar sentido a um judaísmo
em Israel.

.Como Lévinas
trata o Humanismo e a Ética?
- Chamei a minha conferência no CHCJ de “O Judaísmo do Outro Homem”, uma homenagem ao seu livro “O Humanismo do outro homem”. A emergência ética do nosso tempo abandona o eu como centro do mundo e faz do outro a sua preocupação permanente, apesar de ainda iludido com um poder que não tem. O importante é que Lévinas não é um filósofo das boas intenções e da pureza humana. A profunda ligação com o pensamento de Israel não lhe permitiria tal ingenuidade. Na Torah, a ideia da criação realizada por um Deus que se ausenta e nos deixa no comando já é uma postura ética. Uma ética que me faz responsável pelo destino do mundo mesmo que eu não queira. Fato que conhecemos muito bem do episódio de Caim e Abel. Quando Caim responde a Deus, “sou por acaso o guardião do meu irmão?”, ele já admitia, mesmo que negando, que somos guardiões responsáveis pelo outro que está sempre antes de mim e me perturba em sua existência me chamando para fora do meu eu. Esta é a fonte ética do filósofo judeu Emanuel Lévinas.
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MANOEL








Olha eu aí de novo, depois de postar este texto no Canto dos poetas e sonhadores. Depois de Festa de Família, no Sesc Av. Paulista, e de algumas incursões por este Brasil, com a peça Diálogo dos
Pênis; depois de Maringá, onde trabalhei com o meu dileto amigo Fábio
Moraes, e antes que comece a ensaiar Anne Frank – aguardem! – tenho a
excelsa honra de dizer que participei do filme “Só 10% é mentira”, do
cineasta, poeta e surfista Pedro Cezar. Um documentário emocionante
sobre o mundo e a obra do grande, imenso, Manoel de Barros.

Curioso é que o filme, seguindo a própria sugestão do poeta – afinal, só 10% é mentira – mistura ficção e realidade, numa saborosa alquimia da
invenção. E coisas engraçadíssimas se sucedem no plano da vida
cotidiana, como passo a relatar:

No supermercado. A moça se aproxima e se apresenta. É sobrinha do poeta. Acabara de dizer à filha de Manoel, sua prima, que o pesquisador da obra
do tio, aquele que aparece no filme, é seu vizinho e está sempre no
Zona Sul. Diz a mim – eu, que estou carregado de sacolas, mais uma lata
de cerveja na mão - que gostaria de conhecer os meus escritos sobre
Manoel de Barros. Depois de quase engasgar com a cerveja, tomo o que
resta da latinha e tento explicar: eu sou um simples ator que, no filme,
interpreta um estudioso da obra do Manoel, não mais que isso. E ensaio
uma confusa explicação a respeito de como o meu personagem cumpre, no
filme, a única função de expressar algo do pensamento do diretor e
roteirista com relação à poesia do Manoel.

Meio sem graça, eu, e um tanto decepcionada, ela, nos despedimos. Mas nos tornamos bons amigos e, vez em quando, topamos um com o outro lá pelas
bandas da Praça S. Salvador. Secretamente, sorrimos do mico que ambos
pagamos.

Mas nem tudo são sorrisos, em se tratando do filme. O meu amigo Júlio está, simplesmente, indignado. Onde já se viu – ele vocifera – contar
mentiras num documentário? Você foi apresentado no filme como um
conhecedor profundo da obra de Manoel de Barros!

Mas Júlio – eu respondo – o filme se chama “Só 10% é mentira”!

E assim vai.

Bem, meus caros, bem, Marisa, bem Júlio, se não sou um profundo conhecedor da obra, penso que não os decepcionarei se ousar dizer umas duas ou três
coisas que andei matutando sobre a poesia do Manoel. Assim, condenso
ator e personagem, de tal modo que a Marisa possa, finalmente, ler um
meu escrito – o único - sobre o tio e o Júlio considerar que, afinal, o
contrário de verdade não é mentira, mas invenção. Pelo menos em se tratando da obra de dois grandes artistas, a saber, Pedro Cezar e Manoel de Barros.

No filme, lá pelas tantas, digo alguma coisa como: “Quem se meter a querer entender a poesia do Manoel tá ferrado, porque ali só vai encontrar
beleza”. É, alguma coisa assim.

Mas, como o próprio Manoel, em um dos seus poemas, chega a citar Lacan, um dos grandes pensadores da contemporaneidade, e como pensar não supõe,
necessariamente, a veleidade de querer entender, rendo-me, pura e
simplesmente à sabedoria do velho Bertolt Brecht, que dizia: “Pensar é
um dos maiores prazeres da humanidade”.

Vamos, pois, ao prazer de matutar.

O Vinicius de Moraes tem um poema, O Dia da Criação (aquele em que diz: “Porque hoje é sábado...”), em que conclui, ao final, que talvez fosse
preferível que o Senhor tivesse encerrado os seus trabalhos no quinto
dia e descansado no sexto e no sétimo. E imagina, a partir daí, um
planeta entregue ùnicamente aos bichos, às plantas e às águas. E livre,
portanto, da humanidade.

É interessante a sugestão do Vinicius, porque, não havendo humanidade, não poderia haver a palavra, e, não havendo a palavra, as coisas do
mundo simplesmente não seriam nomeadas, não sendo nomeadas... bem...
será que as coisas teriam algum tipo de existência?

Como seria esse mundo mítico, onde as coisas seriam sem serem nomeadas, onde as palavras estivessem impossibilitadas de, em algum momento,
substituir e ocupar o lugar das coisas?

Bem, o fato é que, graças ao bom Deus, o homem e a mulher foram gerados e, a partir daí, as coisas puderam entrar na roda da linguagem, na roda da
nossa realidade cotidiana,ou seja, passaram a ter existência – simbólica - e a fazer parte do nosso universo linguageiro.

Mas acontece que a linguagem nunca abarca tudo, tem sempre alguma coisa que se recusa a entrar nessa roda, nessa ordem simbólica, como se diz,
alguma coisa que é impossível de ser dita, alguma coisa que as palavras
não alcançam e que permanece como uma espécie de resto. É, de resto...

É o que o Manoel diz, num dos seus poemas: “Aliás, Lacan entregava aos poetas a tarefa de contemplação dos restos”. Quer dizer, a tarefa de
nomear o inominável, o indizível, aquilo que é impossível de dizer.

Ao mesmo tempo salta aos olhos, na obra de Manoel, o desejo, quase a obsessão, de alcançar um estado de identidade absoluta com as coisas,
com as coisas antes mesmo que tivessem um nome – quem sabe se
“pré-coisas”? – como quando diz: “(...) Retirou meus limites de ser
humano e me ampliou para coisa”.

Assim, é impossível não reconhecer na sua poesia a compulsão irresistível de abandonar-se, de eliminar a distância entre si e o mundo das coisas, num
movimento demasiadamente humano – e nostálgico – de retorno a uma
condição primeva, primitiva, primordial, condição essa que – todos nós
sabemos, inclusive o Manoel – está para sempre perdida, desde que a
palavra se intrometeu entre nós, seres falantes, e o mundo natural.

E é com profunda humildade que o poeta confessa:

“Na verdade eu nem tenho ainda o sossego de

Uma pedra.

Não tenho os predicados de uma lata.

Nem sou uma pessoa sem ninguém dentro –

Feito um osso de gado

Ou um pé de sapato jogado no beco”.

Para concluir, em seguida:

“Eu não sou digno de receber no meu corpo os

Orvalhos da manhã”.

Ainda seguindo a via aberta por Lacan, é legal lembrar uma outra frase sua: “O significante mata a coisa”. E mais esta: “O mundo das palavras cria o
mundo das coisas”. Digamos, então, que a palavra mata para criar, quer
dizer, para criar uma outra coisa. Porque a pedra, antes de ser chamada
de pedra, tinha uma consistência de ser. A partir de que este ser ganha
um nome - pedra - ele entra na rede simbólica e morre enquanto ser.
Assim, quando digo “pedra”, sequer é preciso que ela esteja a vista. A
palavra adquire autonomia e ganha preponderância sobre a coisa.

É curioso, no entanto – e extremamente instigante – o modo singular, inusitado, encantador, originalíssimo e genial com que Manoel trata de
lidar com o velho paradoxo: não podemos prescindir da linguagem, ao
mesmo tempo em que somos órfãos de tudo aquilo que está para além dela.

E como ele faz isto? Assim:

“Há um cio vegetal na voz do artista.

Ele vai ter que envesgar seu idioma ao ponto

De alcançar o murmúrio das águas nas folhas

Das árvores.

Não terá mais o condão de refletir sobre as

coisas.

Mas terá o condão de sê-las”.

“Envesgar seu idioma”, vejam só! Toda a obra de Manoel de Barros parece ser, em última análise, uma verdadeira declaração de amor às palavras!

“(...) Só as palavras não foram castigadas com

A ordem natural das coisas.

As palavras continuam com os seus deslimites”.

Assim, o poeta Manoel de Barros, um artista digno desse nome, poeta maior (vivo) da língua portuguesa*, continua em busca desse tempo mítico, tempo
que a palavra matou, mas que só a palavra é capaz de inventar. Elas, as
palavras, constituem a matéria – ou o instrumento – com que Manoel, à
feição de um alquimista, procura o ouro de um paraíso que ele sabe
perdido para sempre, mas que tem o imperativo ético de continuar
buscando. Para isso os artistas são feitos. Ou se fazem.

Viva Manoel!

* Mas não sejamos ingratos. Ferreira Gullar também merece esse título!

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As muitas camadas da realidade - Marcelo Gleiser

domingo, 7 de novembro de 2010

As muitas camadas da realidade

Marcelo Gleiser


Podemos imaginar que a descrição científica da natureza é um bolo, com fatias de sabor variado


DURANTE SÉCULOS, cientistas sonharam em obter uma descrição completa do mundo, tentando fazer da ciência um símbolo maior do brilhantismo humano. Não seria fantástico se fôssemos capazes de prever o futuro em detalhe? A ciência como oráculo... muito irônico.

Essa seria a opressora realidade do cosmorrelógio, no qual leis estritamente determinísticas descreveriam todos os mecanismos da natureza. Esse sonho não passava de ilusão, e o projeto falhou.

Primeiro porque essa meta reducionista, para a qual tudo na natureza pode ser descrito a partir do comportamento das menores entidades de matéria, depende do acúmulo de muita informação (como as posições e velocidades de todas as partículas que compõem o Cosmo).

Mesmo os seus defensores mais ferrenhos, como o francês Laplace e outros, sabiam que, na prática, nunca daria certo. Medidas tomam tempo. E, quando você termina de medir algo aqui, o que está acolá já mudou de lugar! Mas, mesmo assim, acreditava-se num conjunto de leis que poderia ser usado para construir a realidade física do mais elementar ao mais complexo, a partir das entidades fundamentais da matéria e de suas interações.

Além disso, a física quântica, que descreve átomos, proíbe o conhecimento da posição e da velocidade de uma partícula com precisão arbitrária, impondo um limite absoluto ao que podemos conhecer.

Hoje, imagino (e espero) que poucos físicos acreditem que o projeto reducionista possa funcionar começando das partículas elementares e indo às moléculas, aos furacões ou à explicação de como os neurônios podem criar nosso senso de identidade.

Deixar de lado esta meta reducionista cria oportunidades únicas. Como escreveu o prêmio Nobel Philip Anderson, em 1972: "A cada nível de complexidade aparecem novas propriedades. Cada estágio requer leis e conceitos novos".

Podemos imaginar nossa descrição científica da natureza como um bolo de muitas camadas, cada qual com o seu sabor, ingredientes e feita segundo instruções diferentes. O bolo pode ser um só, mas não é possível cozinhá-lo começando com prótons e elétrons. (Da mesma maneira, uma sinfonia é muito mais do que um agrupamento de notas.)

Será que existem camadas-limite, indo da menor à maior? Ou será que a realidade é um "bolo de Babel", sem limites? Se considerarmos o que sabemos hoje, podemos dizer que existe uma distância mínima, onde o conceito de espaço deixa de fazer sentido: é o chamado "comprimento de Planck", igual a 1,6 x 10-35 metro (um próton tem aproximadamente 10-15 metro).

Em direção ao cósmico, a coisa é mais incerta. Podemos dizer que a porção observável do Universo, isto é, o volume de espaço onde podemos coletar informação usando formas diversas de radiação (como luz, ultravioleta e infravermelho), é de 46 bilhões de anos-luz.

Se o Universo continua além dessa fronteira- e não há razão para achar que não continue- não podemos sabê-lo. E se não podemos ver o que está além, esta é, de fato, a camada-limite do "muito grande". Portanto, nosso bolo da realidade não se estende ao infinitamente pequeno ou grande. Ao menos, essa é a receita atual.
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Parashat “Toldot - Autor: Rabino Elisha Wolfin

Parashat “Toldot”
Autor: Rabino Elisha Wolfin*

Interpretación y comentario
“Y estas son las generaciones”: dos hombres, dos pueblos y todo el mundo.
Mellizos. dos pueblos agitándose en un mismo útero y sólo Dios tiene la solución. La respuesta de Dios a la madre preocupada fue: “Dentro de tu vientre se esconden infinitas opciones. Todo el mundo: Iaacov y Esav. Uno pelirrojo, cazador, hombre de campo, amado de su padre. El segundo, indeciso, morador de tiendas, niño de su madre, que se ayudó del talón de su hermano más fuerte para salir afuera, tanto del útero, como de la tienda”.
De la misma manera que Iaacov y Esav se agitaron en el útero de su madre, también el mundo fue creado dentro del caos para pasar un proceso cuyo principio es el esclarecimiento, la separación y la distinción. Todo existía en una gran mezcla unificada. Dios sólo hizo orden y creó las dicotomías conocidas. Al orden llamó “bueno”; y al mundo ordenado llamó “muy bueno”. Solamente sobre el ser humano no dijo “bueno”, porque el ser humano fue creado a Su imagen y puede amenazar al orden Divino.
Pero, ¿qué busca el ser humano? ¿Por qué se empecina en atravesar los límites, separarse de lo “bueno”? ¿Cuál es la fuente de su codicia de fuerza y poder?
¡El ser humano busca a su Dios! Quiere volver al “Uno” (“Adonai, nuestro Dios, es Uno”), salir de su soledad y volver a casa. Desde que fue creado y depositado en el Jardín del Edén, y desde que fue expulsado y fueron cerrados sus portones delante de él, busca el camino de regreso y no lo encuentra. Quedó con el anhelo, la frustración y la codicia. El ser humano tiene razón en su anhelo de volver al “Uno”. En las profundidades de su alma, él recuerda que en el mundo de Dios no hay separaciones dolorosas, límites, cielo y tierra, macho y hembra, Iaacov y Esav, engaño y peligro, sólo unidad: “¡Adonai, nuestro Dios, es Uno!”
Dijeron nuestros Sabios: “La Torá habló en el lenguaje de los seres humanos”. La Torá enseña y crea para nosotros un camino en un mundo donde no hay camino. Ya en la salida del gran útero, la olla egipcia, Dios seca para sus hijos un sendero de escape definido, en un mar infinito. Cincuenta días después, Él les da el libro guía para la caminata por el gran desierto, donde tampoco hay camino ni sendero. En su larga travesía en el desierto, los hijos de Israel aprenden que Dios, el gran Educador, Ama el orden y Se enoja cuando el ser humano mezcla su mundo. La primera lección que aprende el ser humano es que toda cosa tiene que ser ella misma y no otra cosa. La mezcla de lana y lino y de híbridos, está prohibida; la mujer tiene prohibido vestir ropa de hombre y viceversa; está prohibido cocinar el cabrito en la leche de su madre. Los límites y las definiciones crean el “yo” y el “tú”, crean identidad. Pero también crean soledad y dolor, guerra y sufrimiento.
Iaacov crecerá y abandonará la tienda de su madre, que lo defendió todos estos años, y también sus descendientes serán expulsados sin compasión de la tienda de su Padre Celestial, en un acto traumático de crecimiento. Cuando fue destruido el primer Gran Templo de Jerusalén, la profecía Divina paternal acabó. Y cuando fue destruido el segundo Gran Templo de Jerusalén, también acabó “la voz celestial”, el último vestigio de la orientación paternal directa.
No hay más Padre Celestial que enseña el bien y el mal. Y justamente entonces, ante la ausencia de la verdad Divina celestial determinada, crearon los Sabios el lindo y complicado mecanismo para descubrir la Voluntad Divina: sobre la base de las piedras fundamentales que recibieron del Padre Celestial (la Torá), comenzaron a hablar, no con Él, ¡sino uno con el otro! Nacieron la conversación, el análisis, el estudio compartido, la discusión, y mediante ellos surgió una gama de rostros del Creador: “Éstas y éstas son palabras del Dios Vivo”. Así como de profundo es este dicho ¡así es la fuerza de la revolución que crearon nuestros Sabios!
El orden es importante porque -como en una espiral- nosotros volvemos a él cada vez que nos alejamos demasiado de nosotros mismos. Él nos ayuda a conocer las infinitas partes sueltas que conforman nuestra existencia. Él nos ayudó a crear los límites, con cuya ayuda podremos contener toda la complejidad infinita de nuestro mundo, sin caer en el caos. Lo que empezó con el caos, con mellizos que se agitaron en el vientre de su madre, salió al mundo para pasar un largo y doloroso proceso de composición y definición: quién soy yo, quién eres tú, dónde empiezo yo y dónde acabas tú: un camino de competencia y engaño, expulsión, exilio y noches de soledad y miedo. Y entonces el joven se convirtió en Israel, en un hombre maduro que se conoce a sí mismo, que está en paz consigo mismo, que no quiere ser otra persona y que no quiere ser Dios. Él está dispuesto a encontrar al otro y al diferente de sí mismo, su compañero del vientre unificado, cara a cara.
Sobre el lecho de sufrimiento, Iaacov va a escuchar la voz que quiso escuchar durante toda su vida, y por causa del miedo, la separación y la competencia, no fue capaz de oirla: “Shemá Israel. Escucha Israel, Adonai nuestro Dios, es Uno”. De la unidad viniste, y a la unidad volverás.
*Comunidad “Veahavta”, Zijrón Iaacov.

Editado por el Instituto Schechter de Estudios Judaicos, la Asamblea Rabínica de Israel, el Movimiento Conservador y la Unión Mundial de Sinagogas Conservadoras.
Traducción: rabina Sandra Kochmann

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Technion – Instituto Tecnológico de Israel na vanguarda da inovação

Albert Einstein, um dos maiores incentivadores do projeto de fundação da instituição e seu primeiro presidente, disse, certa vez: “Israel somente poderá vencer a luta pela sobrevivência se investir no desenvolvimento de tecnologia avançada”. Suas palavras não poderiam ser mais verdadeiras – Israel é, hoje, o responsável por grande parte da inovação tecnológica mundial das últimas décadas.

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A pedra fundamental do Technion – Instituto Tecnológico de Israel foi lançada em 1924, em Haifa, um quarto de século antes da criação do Estado de Israel. Foi a primeira instituição acadêmica de nível superior a ser criada na então Palestina sob mandato britânico.

Com ênfase especial para a área de ciências exatas, o Instituto tem sido responsável desde então pela formação de grande parte dos engenheiros, físicos, químicos, arquitetos e planejadores urbanos de Israel. Tornou-se, também, uma referência na área biológica, e um dos grandes centros israelenses de medicina.

O Technion tem aparecido em destaque em vários rankings internacionais, nas últimas décadas, sendo considerado considerado uma das melhores universidades em nível global. Sua Faculdade de Engenharia Elétrica foi classificada entre as 15 melhores do mundo e seu corpo docente das áreas de tecnologia, ciências da computação e engenharia qualificaram-se entre os 40 melhores mundialmente. Em 2008, a empresa QS Quacquarelli Symonds, especializada em educação, publicou o Ranking Internacional das Top 100 Faculdades de Engenharia. Neste ranking, o Technion se classificou em 29º lugar, antes da famosa École Polytechnique francesa, que ficou em 31º. Já o Times Higher Education Magazine classificou o Technion como o 25o no ranking das 50 principais universidades de tecnologia em 2007. Foi incluído, também, em 12º lugar, em uma lista das instituições mais citadas da área de ciências da computação, elaborada pelo Thomson Scientific-indexed Computer Science Journal. A instituição israelense apareceu logo atrás da AT&T, IBM e universidades como o MIT, de Massachusetts.

Consagrado internacionalmente pela qualidade dos docentes, desempenho acadêmico dos alunos e resultados de suas pesquisas aplicadas à indústria, o Technion foi eleito, no ano passado, “a melhor universidade do país” pelos estudantes israelenses.

O segredo de tanta excelência reside no constante investimento e aprimoramento científico do Instituto e em seu quadro de acadêmicos, que inclui entre outros os dois Prêmios Nobel de Química de 2004, Aaron Ciechanover e Avram Hershko. Ao lado do norte-americano Irwin Rose, os dois cientistas israelenses foram agraciados por descobertas sobre o impacto da molécula “ubiquitina” no funcionamento das proteínas. Suas pesquisas podem ajudar no tratamento de doenças como a leucemia e a fibrose cística, entre outras.

Os primeiros passos

O Technion foi concebido no início da década de 1900 pela fundação judaico-alemã, Ezra, como uma faculdade de engenharia e ciências e a única instituição de ensino superior na então Palestina, à época, parte do Império Otomano. Sua pedra fundamental foi lançada em 1912, em Hadar Hacarmel, mas as aulas apenas começaram a ser ministradas 12 anos mais tarde. Após muitas deliberações, decidiu-se que seriam ministradas em hebraico e não em alemão, apesar deste ser o idioma da maioria dos professores. Quando abriu suas portas, em 1924, o Technion oferecia apenas dois cursos – Engenharia Civil e Arquitetura, e contava somente com 16 alunos. O antigo edifício histórico onde foram ministradas as primeiras aulas é, hoje, um museu experimental de ciências, o Museu Nacional de Ciências, Tecnologia e do Espaço.

Na década de 1930, com o recrudescimento do anti-semitismo e a subida de Hitler ao poder, o Instituto recebeu um grande número de estudantes e professores vindos da Alemanha, Áustria e de outros centros da Europa. Na época, o Technion passava por grandes dificuldades financeiras e, para assegurar sua sobrevivência, os professores decidiram temporariamente trabalhar sem remuneração. Em meados da década de 1930, o Instituto volta a crescer e o número de alunos chega a 400, sendo criados novos cursos.

Nos anos que precedem a Independência de Israel, o Technion torna-se um dos centros do movimento underground judaico e grande fonte de soluções tecnológicas de defesa que eram cruciais para a luta pelo independência, pois a Haganá não possuía um arsenal de armas convencionais suficiente para enfrentar os exércitos árabes. Em 1948, os 680 alunos do Technion e o corpo docente rejubilam-se com a criação do Estado de Israel. O Instituto Tecnológico de Israel torna-se a casa de força por trás do Estado em esenvolvimento. Atendiam com presteza e ingeniosidade as novas demandas, lançando uma variedade de projetos que iam desde eletricidade a redes de telefonia, de indústrias de fundição à rápida produção de moradias para atender às necessidades das ondas imigratórias.

Em 1951, o número de alunos já chegara a 1.000 e o campus da universidade, em Haifa, se tornara pequeno. David Ben Gurion, na época Primeiro Ministro, destina ao novo campus da universidade 300 acres no Monte Carmel, e em 1953, o Instituto iniciou sua transferência para a Technion City, no Monte Carmel.

Suas portas abriram-se a centenas de universitários de países em desenvolvimento da África e da Ásia e seu corpo docente começa a prestar assistência tecnológica a vários países, em todo o mundo. Além disso, a maciça imigração proveniente da antiga União Soviética, iniciada ao final da década de 1980, fez a população estudantil saltar de 9.000 para 10.500, à época.

Com o passar dos anos, o Technion se manteve à frente das atividades tecnológicas do país, em áreas como defesa, dessanilização e energia nuclear. A partir da década de 1980, as pesquisas realizadas em seus laboratórios permitiram a rápida expansão das indústrias de alta tecnologia israelense.

Sua renomada reputação pela excelência fortaleceu-se através da intensificação da pesquisa em várias áreas que vão desde opções de poder nuclear para Israel a um novo programa de engenharia marinha, e também um trabalho pioneiro no campo da robótica industrial. Para atender a crescente demanda por engenheiros e cientistas altamente treinados, foi necessário expandir o campus universitário. Atualmente, o Technion engloba 18 faculdades em uma área de 1.325.000 m2 e um total de 12.500 alunos estudam em seu campus. .Desde sua fundação, em 1924, já formou mais de 85 mil alunos. Pesquisas recentes indicam que o Instituto responde por mais de 70% dos fundadores e diretores de empresas de alta tecnologia israelense e 75% dos diretores da indústria eletrônica do país passaram por suas faculdades.

Transferência de tecnologia

Hoje, a exemplo do que acontece em todas as universidades israelenses, o Technion possui um departamento voltado ao setor de transferência de tecnologia. Denominado T³ - o Technion Technology Transfer é a porta de acesso às mais avançadas inovações e pesquisas científicas desenvolvidas na instituição. Fazem parte dos objetivos deste departamento acompanhar os projetos inovadores desde a formatação das idéias passando pelo processo de desenvolvimento, licenciamento, até a formação de parcerias com fundos de investimentos e a indústria. O escritório de transferência cuida, também, da formação de novas empresas (spin-off companies) que têm por base pesquisas desenvolvidas por seus acadêmicos e estudantes, assessorando-os em questões ligadas a patentes, planos de negócios e comercialização de produtos.

Não faltam exemplos do que pode acontecer quando investimentos em educação, docentes de alto nível, pesquisa e desenvolvimento estão lado a lado. Na década de 1970, por exemplo, equipes de docentes e discentes do Technion projetaram um gigantesco coletor de energia solar usado para pesquisa. E, no início dos anos 1990, alunos desenvolveram e lançaram o Gurwin TechSat II, um micro-satélite totalmente projetado por eles. Com esta realização, a instituição tornou-se uma das cinco universidades no mundo a manter um programa estudantil para design, construção e lançamento de seu próprio satélite. Os alunos da Faculdade de Ciências da Computação construíram o “Rahfan” – um micro-helicóptero de robótica que navega, fotografa e faz manobras, independentemente. A invenção pode ser usada em operações especiais.

Há menos de dois anos a empresa israelense Teva Pharmaceuticals, uma das maiores do mundo no segmento de medicamentos genéricos, obteve autorização da Agência Americana de Drogas e Alimentos (Food and Drug Administration – FDA) para o Azilect, um fármaco para o tratamento do mal de Parkinson. O remédio foi desenvolvido por Moussa Youdim e John Finberg, dois pesquisadores do Technion.

O mercado de medicamentos para o tratamento de Parkinson supera o patamar dos US$ 3,7 bilhões por ano. Outra notícia amplamente divulgada pela mídia internacional foi o desenvolvimento de um nariz eletrônico, à base de nanopartículas de ouro, que poderá servir de teste-diagnóstico do câncer do pulmão. Este nano-receptor detecta no ar expirado quantidades ínfimas de pequenas moléculas carbonadas – os componentes orgânicos voláteis (COV) – cuja quantidade é alterada em pessoas que sofrem desse tipo de câncer. Uma detecção precoce do câncer do pulmão – causa principal da mortalidade por câncer no mundo, com 900.000 mortes por ano e menos de 15% de sobrevida em cinco anos – aumentaria teoricamente as chances de cura ou de sobrevida dos doentes. O trabalho foi desenvolvido pela equipe do professor Hossam Haick.

Em 2008, o professor Haim Abramovich, da Faculdade de Engenharia Aeroespacial do Technion, causou sensação quando anunciou que a empresa de sua criação, a Innowattech, desenvolvera uma tecnologia para geração de energia a partir de veículos em alta velocidade pela estrada. A empresa está fazendo algumas demonstrações-piloto: “Embutimos diferentes tipos de geradores sob a superfície do asfalto e estamos utilizando caminhões para correrem por cima dos geradores. Assim, captamos a energia produzida pela pressão dos pneus dos caminhões”, explica o professor. Outra proposta da Innowattech é a implementação do sistema nas pistas dos aeroportos, conseguindo que estes revertam a captação de energia das aterrissagens e decolagens dos aviões, bem como a intensa circulação de passageiros que ocupam quase permanentemente esses espaços, para a sustentação energética dos próprios aeroportos.

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Com um perfil diversificado de pesquisas, a inovação pode ser encontrada em todas as suas unidades, assim como as parcerias com empresas. Um exemplo é o SunPal, um produto desenvolvido em conjunto com a empresa Skylard, que indica quando é necessário reaplicar o protetor solar ou ir para a sombra. Disponível em formato de pequenos adesivos ou pulseiras, o produto deve ser colocado na região do corpo que será exposta ao sol. O usuário precisa passar o protetor solar sobre o adesivo para ativá-lo. O SunPal imita as reações da pele, mudando de cor de acordo com a exposição aos raios solares. “Quando o protetor precisa ser reaplicado, o adesivo fica marrom. Se a pele da pessoa já recebeu o máximo de radiação que pode agüentar sem se queimar, o mesmo fica laranja”, explica o físico Ori Faran, diretor da Skylard.

Não há dúvida de que as extraordinárias conquistas israelenses no campo da alta tecnologia, da indústria de ponta e farmacêutica são resultado direto dos avanços científicos e dos conhecimentos fornecidos a milhares de alunos nas universidades de Israel, das quais o Technion é um belo exemplo.

Dados Gerais do Instituto Technion

- Localização: Monte Carmel, Haifa
- Área: 1.300.000 metros quadrados
- Área construída: 446 mil metros quadrados
- Edifícios: 87
- Faculdades: 18
- Graduação: 9.000 alunos
- Mestrandos: 2.300
- Doutorandos: 900
- Total de estudantes: 12.500
- Docentes: 542
- Técnicos, instrutores e monitores: 1.200
- Capacidade dos dormitórios: 4.000 pessoas
- Número de alunos formados desde sua fundação: cerca de 85.000

Fontes: Revista Morasha Edição 68 - junho de 2010

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Entre o espiritual e o material - Marcelo Gleiser

domingo, 31 de outubro de 2010

Entre o espiritual e o material

Marcelo Gleiser


O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade está na interseção
EXISTIMOS NESSA FRONTEIRA, não muito bem delineada, entre o material e o espiritual. Somos criaturas feitas de matéria, mas temos algo mais. Somos átomos animados capazes de autorreflexão, de perguntar quem somos.

Devo dizer, de saída, que espiritual não implica algo sobrenatural e intangível. Uso a palavra para representar algo natural, mesmo intangível, pelo menos por enquanto.

Pois, se olharmos para o cérebro como o único local da mente, sabemos que é lá, na dança eletro-hormonal dos incontáveis neurônios, que é gerado o senso do "eu".

Infelizmente, vivemos meio perdidos na polarização artificial entre a matéria e o espírito e, com frequência, acabamos optando por um dos dois extremos, criando grandes crises sociais que podem terminar em atrocidades.

Vivemos numa época onde o materialismo acentuado -do querer antes de tudo, do eu antes do outro, do agora antes do legado-, está por causar consequências sérias.

Lembro-me das sábias linhas do filósofo Robert Pirsig, no clássico "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas": "Nossa racionalidade não está movendo a sociedade para um mundo melhor. Ao contrário, ela a está distanciando disso".

Ele continua: "Na Renascença, quando a necessidade de comida, de roupas e abrigo eram dominantes, as coisas funcionavam bem.

Mas agora, que massas de pessoas não têm mais essas necessidades, essas estruturas antigas de funcionamento não são adequadas. Nosso modo de comportamento passa a ser visto como de fato é: emocionalmente oco, esteticamente sem sentido e espiritualmente vazio".

O ponto é claro: atingimos uma espécie de saturação material. Para chegar a isso, sacrificamos o componente espiritual. O material é reptiliano: "Eu quero, eu pego. Se não consigo, eu mato (metaforicamente ou de fato). O que quero é mais importante do que o que você quer".

Claro, progredimos muito, dando conforto a milhões de pessoas, mas, no frenesi do sucesso, deixamos de lado o que nos torna humanos. Não só nossas necessidades, mas nossa generosidade, nossa capacidade de dividir e construir juntos.

Quando nossa sobrevivência está garantida, recaímos em nosso modo reptiliano de agir -autocentrado- e esquecemos da comunidade.

A diferença entre nossa realidade e a de Pirsig, que escreveu essas linhas acima em 1974, é que um novo tipo de conscientização está surgindo, em que o senso de comunidade está migrando do local ao global.

Isso me deixa otimista.

Em todo o planeta, um número cada vez maior de pessoas entendeu já que os excessos materialistas da nossa geração precisam terminar. Não é apenas porque o materialismo desenfreado é superficial. É porque é letal, tanto para nós quanto para a vida à nossa volta.

Olhamos para nosso planeta de modo que não olhávamos 20 anos atrás. O sucesso do filme "Avatar" não teria sido o mesmo em 1990.

O momento está chegando para um novo tipo de espiritualidade, que nos levará a uma existência mais equilibrada, onde o material e o espiritual mantêm um balanço dinâmico. O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade reside na interseção dos dois.
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