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Quero contribuir para este artigo muito interessante sobre as ligações entre judeus e ciganos. No século XVIII, de acordo com uma estimativa conservadora, dez por cento da população alemã levavam a vida de pessoas vadias. O historiador israelense Jacob Toury estima que antes de 1780, entre 60 e 75 % da população judaica na Alemanha pertencia a essa camada marginalizada e vagabunda. "Esta população vadia, que no final do Regime Antigo incluía mascates, mendigos, músicos ou itinerantes de artesanatos como amolador de tesoura, e até certo ponto judeus e ciganos, tinham uma língua franca, o Rotwelsch [rot significando mendigo, welsch estrangeiro], cujas principais fontes são o iídiche (pelo menos 30% do vocabulário) e (a partir do século 15) o cigano" (Gerber, p.60-63). 

 

Se o “Rotwelsch” é um documento linguístico do entrelaçamento principalmente de judeus e sinti/roma/ciganos, isto também se aplica a muitos sobrenomes que são comuns entre os judeus tanto como entre “ciganos”. Por exemplo os seguintes músicos favoritos meus, representantes do “gypsy swing”, todos identificando-se como sinti/roma/ciganos; para cada sobrenome pesquisei e informei entre parênteses o número de vítimas da Shoah registrado no Yad Vashem: Adler (14.680) e Lehmann (2.297), Limberger (9) e Bamberger (571), Feller (1.199) e Winterstein (365), Reinhardt (271) e Schwarz (55.923), Roth (16.063) e Weiss (63.811). Meu avó materno, alias, agricultor católico com esposa de ascendência judaica, gostava de relatar que ele na sua árvore genealógica tinha três sobrenomes de cor, quer dizer os mencionados Schwarz (preto), Rot (vermelho) e Weiss (branco).

Após a Shoah, Raul Hilberg observa: “No passado, os ciganos sempre foram contados entre os judeus, tanto na opinião popular como nos estudos científicos. Um escritor alemão do século XVII, Johann Christof Wagenseil, escreveu um livro no qual queria provar que ‘os primeiros ciganos ... eram judeus nascidos na Alemanha’.Os nazistas não estavam tão seguros sobre as origens dos Ciganos; no entanto, eles também acreditavam que havia um parentesco racial com os judeus” (Hilberg 1982, p.677-678).

 

Fontes:

Gerber, Barbara: Jud Süß. Ascensão e queda no início do século XVIII. Uma contribuição à pesquisa histórica sobre o anti-semitismo e sua recepção. Hamburgo 1990.

Hilberg, Raul: Die Vernichtung der europäischen Juden. A história completa do Holocausto. Berlim 1982.

Riggenmann, Konrad Yona: Die Schwarze Lis. Biografia abreviada da ladra e puta de judeu Elisabetha Gassnerin. Uma peça teatral histórica. Norderstedt 2018.

 

Como o Jayme Fucs Bar, gostaria de terminar com uma história bem pessoal, também em torno de uma mulher, mais precisamente da protagonista da minha peça teatral histórica sobre a Elisabeta Gassner, chamada Schwarze Lis, uma mãe de cinco filhos, famosa como ladra no século XVIII, mulher que pertencia a essa camada vadia da população onde judeus e ciganos conviveram na época. Nos interrogatórios, ela havia falado repetidamente, com expressão tipicamente judaica e premonição da própria morte, daquele "outro mundo" que também se destaca numa bênção para lavar as mãos que o historiador Amílcar Paulo ouviu de judeus portugueses cripto-judaicos em 1985: “Dai-me neste mundo paz, e no outro salvação”. Como a Lis Gassner, née Ebner (sobrenomes com 374/382 registros em Yad Vashem)  havia sido retratada por um pintor antes de sua execução, reconheci uma semelhança impressionante entre ela e meu amigo de infância Sepp (José) Gassner, com quem eu tinha compartilhado a barraca no acampamento do grupo juvenil católico, e corrido através do campo de futebol do clube esportivo da nossa aldeia. Seu sobrinho Thomas, o filho de meu colega de turma Johannes Gassner, foi aluno meu até que depois da quarta série entrou no colégio.

Porque um jovem motorista de carro estava, por poucos segundos, mais ocupado trocando um CD do que observando o transito, o Sepp morreu num acidente de moto em 15 de agosto de 1994, por acaso na mesma idade de 46 anos como a Elisabeta, decapitada em 16 de julho de 1788 e não por acaso no presidio particular do Conde Schenk, de quem ela havia roubado, anos antes, ao ele sair da igreja após o culto, uma bolsa contendo 1700 gulden, soma bonita com que se podia comprar mais de cinquenta bons cavalos ou setenta vacas, ou três pequenas fazendas completas. O Conde tinha preparado este dinheirinho para o jogo de cartas da tarde, porque seu convidado naquele dia era ninguém menos do que o herdeiro ao trono, e mais tarde Czar da Russia, Pavel I.

No final do mesmo verão após o acidente fatal de Sepp, seu filho Stefan tornou-se meu aluno do sétimo ano e, nos três anos seguintes, foi um exemplo de iniciativa e atitude social numa turma boa. Na 8ª série, nas aulas de história, apresentei a Elisabeta Gassner, née Ebner, como um exemplo das condições sociais injustos daqueles tempos feudais tardios, pré-revolucionários. Quase pedindo desculpa, falei para Stefan que ele possivelmente poderia estar distantemente relacionado a essa ladra famosa. Depois da escola, Stefan abandonou o aprendizado de açougueiro (profissão do pai dele) e tornou-se paramédico de pronto-socorro. Só agora ele me disse um dia que após aquela aula sobre a ladra, ele tinha perguntado em casa, e sido informado que sua família realmente originava do vilarejo onde a Lis morava. E sobre a nova versão da minha peça, Stefan me escreveu em 2018: "Também ninguém em nossa família se incomoda de constar no livro como descendente dela. Porque faz parte da nossa história familiar.”

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Kibutz Nachshon: lavando a alma. Por Wladimir Weltman

Kibutz Nachshon: lavando a alma. Por Wladimir Weltman

… quando fui para lá morar no Kibutz Nachshon, buscava meu sonho juvenil socialista na terra dos meus ancestrais. Era o excitante projeto de voltar a terra prometida depois da diáspora de 2000 anos…

https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/nachshon2-300x150.jpg 300w" sizes="(max-width: 389px) 100vw, 389px" />Em 1977, com 22 anos de idade, fui morar em Israel, num kibutz.

Para quem não sabe, o kibutz foi uma experiência única e de sucesso por muitos anos; pequenas fazendas coletivas-socialistas que garantiram as fronteiras de Israel e a comida no prato do povo. Os kibutzim (plural de kibutz) operavam sob o princípio de que as receitas geradas pelo trabalho coletivo iam para um fundo comum. Essa renda era usada para administrar o kibutz, fazer investimentos no local e para a subsistência de cada membro. Cada um recebia o mesmo, independentemente de cargo ou tarefas. O kibutz era uma democracia participativa, onde cada indivíduo tinha seu voto nas decisões da comunidade. E isso foi assim, com bons resultados, até recentemente. Os kibutzim em Israel começaram a mudar nos anos 80 e 90. Muitos passaram de fazendas à fábricas. O que antes era coletivizado agora é privatizado. Do socialismo passaram ao capitalismo. O que de certa forma muito tem a ver com a própria história de Israel…

Mas quando fui para lá morar no Kibutz Nachshon, buscava meu sonho juvenil socialista na terra dos meus ancestrais. Era o excitante projeto de voltar a terra prometida depois da diáspora de 2000 anos. Minha ingênua perspectiva de Israel, colorida por livros como “Exodus” (Leon Uris), “Meus Gloriosos Irmãos” (Howard Fast), “A Fonte de Israel” (James A. Michener) e filmes como “A Sombra de Um Gigante”, “Resgate em Entebe” e “Os Dez Mandamentos”, bateu de frente com um país em plena transformação, após a Guerra dos Seis Dias. Como diz o grande Rabino Woody Allen: “Se você quer fazer Deus rir, conte a ele sobre seus planos”.

https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Nachshon-1977-os-3-300x260.png 300w, https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Nachshon-1977-os-3-768x666.png 768w, https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Nachshon-1977-os-3.png 790w" sizes="(max-width: 426px) 100vw, 426px" />Para mim e para meus amigos, que como eu imigraram pra Israel e o kibutz (éramos 25 brasileiros), essa experiência foi transformadora, um pouco traumática e, em muitos momentos, dolorosa. A morte de um sonho sempre dói. Ainda mais para o meu grupo formado por jovens brasileiros de classe média, a maioria com tendencias intelectuais e artísticas – fotógrafos, jornalistas, músicos, atores, bailarinos, designers, psicólogos, acadêmicos etc. Nós caímos de paraquedas numa fazenda, tendo que do dia para a noite aprender a criar galinhas, arar a terra, pastorear ovelhas, limpar esterco e demais atividades agrícolas, nem sempre as mais agradáveis. E o pior, onde nossos projetos profissionais pessoais,  próximos as nossas próprias aptidões, eram considerados “hobbies burgueses”. Com poucas exceções, a maioria deixou o kibutz e, posteriormente, Israel.

https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/haaretz-300x52.png 300w" sizes="(max-width: 226px) 100vw, 226px" />Passados 45 anos, esta semana, um de meus companheiros do kibutz, meu irmão Sergio Zalis, me enviou um artigo publicado no jornal israelense HAARETZ, que literalmente me lavou a alma e restituiu em parte meu carinho por Israel e pelo kibutz, abalados pelas políticas recentes do Estado Judeu, que tanto me entristecem.

O artigo tratava de um documento de 55 anos atrás recém-descoberto de uma reunião importante do Kibutz Nachshon, (o meu kibutz) – estabelecido em 1950 no Vale de Ayalon por membros do movimento juvenil sionista de esquerda Hashomer Hatzair. Nessa reunião eles discutiam qual seria a atitude deles quanto as terras árabes, que ficaram nas mãos de Israel, depois da Guerra dos Seis Dias. A tal reunião aconteceu em julho de 1967, um mês após a guerra. As decisões da tal reunião foram impressas no boletim informativo do kibutz, mas alarmados com a possível reação externa ao seu conteúdo, lacraram o documento. Finalmente o relatório censurado foi revelado nesse artigo do HAARETZ.

A discussão em questão tratava do destino de três aldeias árabes onde os habitantes foram expulsos e as casas demolidas durante a Guerra dos Seis Dias – Imwas, Bait Nuba e Yalo, todas elas na área de Latrun. Os habitantes foram expulsos para a área de Ramallah e, ​​em seguida, tratores arrasaram as casas.

Lavando a alma - Nachshonhttps://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Latrun-2-300x189.jpg 300w" sizes="(max-width: 444px) 100vw, 444px" />O boletim de Nachshon dizia o seguinte: “Temos sofrido recentemente com sentimentos contraditórios. Visitamos o Mosteiro Trapista (Latrun), fizemos contato com os monges, vimos seu salão, a adega e a igreja, e quase nos esquecemos de Imwas, de pé em suas ruínas além dos muros do mosteiro, e dos habitantes exilados e privados de suas propriedades. Mal terminou a alegria pela vitória e já estamos preocupados com o resultado da luta política. Também há preocupações relacionadas ao trabalho nas terras dos aldeões e às suas colheitas.”

O editorial que acompanhava o boletim do kibutz era intitulado: “Não tomaremos essas terras”. Isso expressava a decisão dos membros do kibutz de não participar do saque da propriedade abandonada ou da coleta de espólios das aldeias arrasadas. A ata da reunião determinava que o pessoal do kibutz se dispunha a fazer o seguinte: “Tentar localizar os proprietários e devolver a propriedade a eles. Foi decidido que não vamos cultivar as terras e vamos lutar para impedir que outros as tomem e as cultivem.”

Em última análise, apenas um membro na votação do kibutz apoiou a tomada das terras e a colheita de grãos dos aldeões árabes. Todos os demais votaram contra. Os membros do kibutz também votaram quanto a “conduzir uma séria luta pública pela questão da destruição das aldeias”.

Lavando a alma - Nachshonhttps://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/refugiados-300x213.jpg 300w, https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/refugiados-1024x728.jpg 1024w, https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/refugiados-768x546.jpg 768w, https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/refugiados-640x455.jpg 640w, https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/refugiados-1320x939.jpg 1320w" sizes="(max-width: 426px) 100vw, 426px" />Perguntei a meu amigo Bentzion Laor, que também fazia parte do nosso grupo de brasileiros em Israel e que ainda hoje vive lá, quem foi responsável pela destruição das três aldeias árabes. Ele me contou que a ordem partiu de Moshé Dayan, comandante das forças israelenses na Guerra dos Seis Dias. O motivo seria o trauma que ele e boa parte dos israelenses tinham da Batalha de Latrun, durante a Guerra de Independência de Israel, em 1948, uma das poucas derrotas que sofreram naquele conflito.

A Batalha de Latrun foi uma série de confrontos militares entre as forças israelenses e a Legião Árabe da Jordânia nos arredores de Latrun entre maio e julho de 1948. Latrun é o mosteiro na junção das estradas Jerusalém-Tel Aviv e Gaza-Ramallah (Nachshon fica exatamente em frente ao mosteiro e a estrada). Apesar de atacar o forte de Tegart em Latrun cinco vezes, Israel não conseguiu tomar a posição, que ficou sob controle jordaniano até a Guerra dos Seis Dias. A Batalha de Latrun deixou sua marca no imaginário coletivo israelense. Os combates custaram a vida de 168 soldados israelenses, sendo que a maioria eram sobreviventes do Holocausto.

Hoje no local existe um museu militar israelense e um memorial aos combatentes de 1948. O Moshav (fazenda cooperativada israelense) Mevo Horon foi estabelecido nas terras da aldeia de Bait Nuba e um parque florestal, o “Canada Park”, agora fica nas terras das aldeias Imwas e Yalo. Nachshon jamais se apoderou dessas terras e até hoje muita gente do kibutz não frequenta o “Canada Park”.

Graças a essa reportagem fiz as pazes com meu antigo kibutz. Não consegui me adaptar a vida de fazendeiro socialista e minhas críticas a Nachshon hoje as deixo em segundo plano, principalmente porque a luz desses fatos reportados, vejo que eles pensavam exatamente como eu e meus companheiros brasileiros do kibutz. Todos nós fomos do Hashomer Hatzair, organização juvenil judaica de esquerda, de onde surgiram figuras como Mordechai Anielewicz, o líder da revolta do gueto de Varsóvia; Leopold Trepper, cabeça da espionagem soviética na Segunda Guerra Mundial na Europa, conhecida como a “Orquestra Vermelha” e o candidato a presidência americana, Bernie Sanders.

Lavando a alma - Nachshonhttps://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Park-Canada-300x147.jpg 300w, https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Park-Canada-768x377.jpg 768w, https://www.chumbogordo.com.br/wp-content/uploads/2022/06/Park-Canada.jpg 1024w" sizes="(max-width: 503px) 100vw, 503px" />A reportagem serve também para mostrar aos detratores de Israel, que vivem acusando o país de ser intolerante ante as reivindicações palestinas e ao destino trágico dos refugiados, que existe muita gente justa e correta em Israel, que desde sempre se preocupou e ainda se preocupa com seus vizinhos árabes.

Se houver boa vontade de ambas as partes, um dia, quem sabe, a paz será viável.

 

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