Dessa vez o “A.” não é para Albert, mas para Arieh, ou Arik. Talvez esse sobrenome seja realmente abençoado.
Eu não tive muita escolha. Minha mãe e meu tio são grandes fãs do Arik e cresci vendo as fitas de vídeo infantis que ele gravou. O tema do meu bar mitzvá foi “Uf Gozal”, e como a maioria das coisas da cerimônia, isso não foi escolha minha, hehehe. Mas me lembro exatamente do momento em que o Arik Einstein se tornou um gosto meu. Eu tinha 15 anos, e dormia no sofá num almoço de dia dos pais na casa do meu tio, no Rio de Janeiro. O que tocava na sala era um cd do Arik Einstein, “Anashim Ohavim Lashir”. De repente eu acordei, e a primeira coisa que pensei foi “caraca, esse música é linda”. Peguei esse cd e escutei repetidas vezes a noite toda. Pronto. Quando adquiri proeficiência no hebraico, se romperam todas as barreiras, e eu mergulhei de cabeça no mundo de poesia do Arik.
Sempre admirei o mundo da poesia. Como fiz muitos anos de teatro, tive contato com muitos textos, muitos poetas, e o Arik foi a minha porta de entrada para o mundo da poesia em hebraico. A poesia é distinta de outras formas de arte. Ao invés de utilizar cores, formas, sons, movimentos, texturas, ou outros elementos, a poesia utiliza única e exclusivamente palavras. A poesia pode ser sobre o tema mais triste do mundo, mas pela simples escolha das palavras, as rimas, a combinação, isso se torna bonito. O triste pode se tornar belo, e a poesia se utiliza de uma mágica para tornar isso possível. E prova que, diferentemente da matemática, a ordem dos fatores pode sim alterar o produto. E o que já é belo por si só, a poesia o torna eterno e etéreo.
Um dia, descobri que o Arik não escreveu a letra de muitas das músicas que ele cantou. Isso me deixou um pouco decepcionado, me fez achar que perdeu um pouco a graça. Mas quanto mais eu descobria os diferentes autores das músicas que ele cantava, mais fui abrindo a minha cabeça para um fato muito simbólico. Grandes poetas da língua hebraica tiveram suas palavras entoadas pela voz macia e aveludada do Arik Einstein: Avraham Halfi, Bialik, Lea Goldberg, Rachel, Naomi Shemer, Natan Yonatan, Meir Ariel, Shalom Chanoch, Yonatan Gefen, e muitos outros. Eu não sei quantos deles escolheram pessoalmente, ou tiveram suas homenagens póstumas na voz do Arik, mas sei que quando tantos poetas geniais, muitos deles também músicos, escolhem ou tem escolhidas as suas poesias para serem cantadas pelo mesmo intérprete, algo de especial ele deve ter. Além da voz linda, percebe-se que o Arik coloca a sua alma na música. No vídeo da música “Tzaar Lach”, que ele canta com a jovem Yehudit Ravitz, entre eles o piano de cauda do Yoni Rechter, o olhar dele quando canta “assim indicam os olhos” já me dizem tudo. A interpretação da poesia “Atur Mitzchech Zahav Shachor” (“Sua testa está adornada com ouro preto”), do Avraham Halfi e melodia do Yoni Rechter, com o Arik, a Yehudit Ravitz e a Korin Alal parece uma música do paraíso que sem querer caiu na terra, e ficamos com ela. O Arik abriu a minha cabeça para o fato de que poesia não é só um arranjo de palavras. Poesia pode ser um ato. O Arik Einstein transformou o ato de cantar em poesia.
Depois que o Rabin foi assassinado, lançaram um álbum duplo chamado “Shalom Chaver”, com músicas em homenagem ao primeiro ministro assassinado. A maioria das músicas já existiam, mas quando colocadas num contexto de lembrança do Rabin, ganhavam um sentido especial. Esse foi o caso da música “Livkot Lecha”, que o Aviv Gefen compôs e escreveu para um amigo que morrera muito antes num acidente de carro. A música ganhou uma versão linda do Arik Einstein, que foi escolhida para ser a primeira música do primeiro disco. A primeira música do segundo disco também é do Arik, e se não me engano, é a única do álbum duplo que foi escrita especialmente para a ocasião. Essa foi escrita pelo Arik e composta pelo Shem Tov Levi. Enquanto todas as atenções se voltavam para o homem que morreu, Arik pensou na mulher que ficou viva, sozinha. A música é dedicada à viúva de Rabin, Léa. O nome da música é “Ze Pitom Nafal Alea” (“De repente se abateu sobre ela”). A genialidade é que, no hebraico, quando se usa uma preposição como “al” (“sobre) ou “el” (“para”), junto com o pronome pessoal “hi” (“ela”), junta-se numa palavra só. Ao invés de “al hi” ou “el hi” fica “alea” e “elea”. Mas pode-se usar também com um substantivo “al José”, “el Ana”, e, é claro “al Lea” e “el Lea”. A música é toda feita na base desse trocadilho, e esse é um dos motivos da minha paixão pela poesia.
O Arik me ensinou diversas coisas, pelas quais serei eternamente grato:
Em “haBalada al Yoel Moshe Salomon” aprendi que a vida é para quem acredita.
Em “Lama li Lakachat la Lev” aprendi “vá devagar com isso, e então você poderá simplesmente correr desde o início”.
Em “Tze miZe” aprendi “pegue agora um livro bom, lá com certeza você vai encontrar no que pensar”.
Como em “Cafe Turki”, “o que ele tinha, o povo está esperando”.
Em “Ma Iti”, “O que há comigo, o que há comigo, o que há comigo? Não me entendo comigo mesmo”
Em “Don Kishot”, “Don Kishot, você pode descansar, tem tantos moinhos de vento…”
Em “Avshalom”, “Por quê não agora, o que certamente virá amanhã?”
Em “Guitara ve Kinor”, “Ele é um violão, ela é um violino”
Em “beLeilot haKaitz haChamim”, “Nas noites quentes de verão, nada acontece”.
Em “Dmaot shel Malachim”, “Quando os anjos choram em outro mundo, então nesse mundo nós ficamos ainda mais tristes”.
Em “haOr baKatze”, “A vida, minha menina, é uma história séria. As vezes eu morro de medo”.
Em “Haiom haShir Sheli Aztuv”, aprendi que as vezes, quando estamos tristes, “Não há o que fazer, não há o que mudar, só resta esperar que chegue a noite amanhã”.
Em “haShikor”, “Pode ser que você já não volte para a casa que você mora”.
Em “haShaot haKtanot Shel haLayla”, “As pequenas horas da noite (madrugada) são talvez as grandes horas na verdade”.
Em “Chofim”, “As praias, às vezes, sentem saudades do rio”.
Em “Kama Tov sheBata haBaita”, aprendi que às vezes é bom ver outras cores, pode nos tornar mais felizes.
Em “Yoshev al haGader”, aprendi que é bom estar “Sentado sobre a cerca, perna pra cá perna pra lá. Sentado sobre a cerca, de boa com todo mundo”.
Em “Yesh biAhava”, “Tenho amor em mim, e ele vencerá”.
Em “Ma sheYoter Amok Yoter Kachol”, aprendi que quando o Sol está para nascer “Já não é mais ontem, e ainda não é amanhã”.
Em “Sa Leat”, aprendi que é bom deixar “os pensamentos correrem em todas as direções. Não vão começar sem a gente, vá devagar”. Em “Sa Leat b”, um pouco mais radical, “que comecem sem a gente, vá devagar”.
Em “Prag”, aprendi que mesmo em Israel, logo após a Guerra dos Seis Dias, é possível sonhar com uma música sobre Praga.
Em “Pessek Zman” aprendi que é bom dar um intervalo, ou literalmente pegar um pessek zman (chocolate), e não se preocupar, afinal, “Talvez isso seja apenas uma crise pequena, que já vai passar. Talvez eu simplesmente estava um pouco cansado”, e a alma precisa de um descanso.
Em “Shabat baBoker” aprendi que é permitido fazer um monte de coisas no Shabat, e que ver por esse lado é mais agradável do que ficar repetindo o que é proibido.
“Adon Shoko” me lembra a minha infância, e dá vontade de tomar leite com Nescau.
Em “Shir haShaiara” sempre dou um sorriso quando penso que temos que deixar O Velho (David Ben Gurion) feliz.
Em “Sus Etz”, aprendi que “Não tema, você não ficou de fora”, e que às vezes simplesmente escutamos o riso do destino.
Em “Ki Shikor Ani” ainda me arrepio com a interpretação dele no vídeo. “A luz vai iluminar alguém como eu?”, “Você sabe o caminho”.
Obrigado, Arik, por me ajudar a sublimar as minhas angústias, celebrar minhas alegrias, apreciar minha tranquilidade, viver meu amor, e me ensinar lições de vida.
Agradeço muito à minha mãe e ao meu tio Elias que, por me apresentarem ao mundo do Arik Einstein tão cedo me permitiram ir muito longe nas minhas explorações de suas poesias. Explorações que ainda não terminei, e quem quiser está convidado a me acompanhar.
Agradeço também ao meu querido amigo Jonja, pelo convite para escrever este texto. Vou guardar com carinho os momentos que passamos sentados na varanda da minha casa, escutando muitas músicas do Arik Einstein.
Esse é um poster de um evento que aconteceu no kibutz Yotvata em 2012. Moradores de todos os kibutzim da Aravá se organizaram e cada um cantou sua música preferida do Arik Einstein, numa noite em homenagem a ele, já que todos já se conformaram que ele não faz shows. Atores interpretaram um teatro contando histórias da vida dele entre as músicas. Foi uma noite muito agradável e especial, e, o melhor, a primeira foi bem no meu aniversário!
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Rafael Stern é formado em Geografia pela Universidade Federal Fluminense, e atualmente faz mestrado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Durante o ano de 2012 viveu em Israel, quando estudou no Machon Aravá, e depois ficou trabalhando no Instituto Weizmann.
http://www.conexaoisrael.org/a-einstein-o-genio/2013-11-28/colaborador
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