Muitos me perguntam por que coloco no cabeçalho de meus textos as letras B”H e qual o seu significado. De forma sintética respondo que é uma transliteração das letras hebraicas bet e hê — uma abreviatura de Baruch haShem, que significa “bendito seja D-us”.
Sobre o motivo, concordo com Kolatch , que acrescenta bet-áyin (abreviatura de beezrat haShem =,com a ajuda de D-us), ao dizer que: “ambas as formas são empregadas por pessoas que estão constantemente conscientes da função de D-us no mundo”. Ou ainda, simplesmente, como diz o Salmo 92: “Bom é agradecer a D-us, louvar ao Altíssimo”.
Já fui questionada se esta prática não seria contra o 3º mandamento: não usar o nome de D-us em vão. E aí temos, a meu ver, três questões distintas:
A pronúncia do nome de D-us.
O que diz o terceiro mandamento.
A escrita do B”H.
Quanto à primeira, pode-se dizer que há um consenso geral. O Nome de D-us, o tetragrama, é proibido na fala pela Torá Oral: ele era pronunciado apenas uma vez por ano, pelo Sumo Sacerdote, no Yom Kipur, no Templo em Jerusalém. Quanto a escrevê-lo, Asheri escreve que “tememos que o papel em que está escrito receba um uso indigno, e dessa maneira profane o Nome. Por essa razão, todos os livros e documentos velhos e não mais utilizáveis em que o Nome aparece em hebraico devem ser enterrados num local especialmente consagrado, chamado de geniza”.
Seguindo esta linha, escrever B“H em um e-mail, por exemplo, pode ser visto de duas formas: 1) com o risco da banalização ou profanação involuntária por uso indevido por terceiros ou 2) não profanação, já que não é colocado o Nome, propriamente dito, mas uma alusão a D-us.
O cerne da questão está no 3º mandamento, sua tradução e interpretação. Diz-se a partir de um jogo de palavras em italiano – tradutori, traditori – que tradução é (ou pode conduzir a) traição (do texto original). O próprio termo Mandamento não traduz corretamente a palavra nem seu espírito (que usei devido ao uso popular, para facilitar a referência): em hebraico dibrá significa palavra, fala.
As pessoas traduzem das mais diversas formas o texto hebraico de Êxodo, 20:6 principalmente a primeira parte: Lo tissá et shem haShem la-shav. Há os que traduzem por “Não invocarás o nome de D-us em vão”. Browne diz: “Não invocar o nome do Senhor, teu D-us, com maus desígnios”.
Tissá (do verbo hebraico nassá) pode significar : “alçar, elevar, levantar, içar; perdoar, eximir, dispensar; transladar, levar, carregar; casar, desposar”. Shav é “falsidade, mentira, nulidade”; la-shav é “em vão” - significados também dados por Even Shoshan que inclusive cita o versículo bíblico no dicionário etimológico como exemplo do sentido de shav.
Indo aos comentaristas, Kassuto distingue, conceituando, lo tissá como lo tevate (não pronuncie, expresse) e la-shav como: para promessas em vão ou para outras palavras que sejam vãs. Os povos antigos utilizavam-se dos nomes de seus deuses para abjurações, feitiçarias e adivinhações. Rashi comenta exemplificando: la-shav = em vão, inutilmente. E qual seria uma jura em vão? A feita para mudar algo sabido, conhecido, como que uma coluna de pedra é de ouro.
Logo, o uso do Baruch HaShem depende do que é colocado, expresso ou escrito — após. Ou do uso que é feito com tal.
Quanto a ser superstição, tem uma “atenuante” que seria a questão do min’hag, costume.
Para Unterman “Em alguns aspectos o costume é mais poderoso que a Halachá, já que ele atua na comunidade como uma força de preservação”. Adiante ele escreve: “A Bíblia proíbe práticas supersticiosas, com base no versículo: “Estarás inteiro com o Senhor teu D-us” (Deut. 18:13), que proíbe a introdução de crenças paralelas no monoteísmo de Israel. Contudo, apesar da proscrição de certos tipos de comportamento “`a maneira dos amorreus”, toda uma série de práticas supersticiosas penetraram na tradição popular judaica. (...) Crenças populares, como a do mau-olhado, que se fixaram firmemente na Halachá, mantiveram sua influência sobre a imaginação do povo. Outras sustentavam-se em bases mais religiosas do que supersticiosas... Os rabinos tentaram muitas vezes erradicar práticas supersticiosas que eles sentiam serem alheias ao judaísmo... só tiveram êxito limitado, seja porque outros rabinos aprovavam tais práticas, seja porque estavam tão profundamente entranhadas na consciência do judeu comum que toda oposição a elas lhes parecia herética”.
Dov Noy questiona, por exemplo, se “a relação entre prática religiosa e o folclore não se aplica também à mezuzá, que seria uma espécie de amuleto com uma função de proteção?”
Há alguns anos provoquei uma polêmica ao publicar um artigo : “Portal judaico deve ter mezuzá?”
Ambos os temas envolvem aspectos que vão de preceitos judaicos e sua interpretação ao questionamento de preceitos e da própria interpretação. E que dependem da atitude interna e da percepção das pessoas. A mezuzá, uma mitzvá positiva explícita pode ser percebida e/ou utilizada até por judeus como um amuleto, uma prática supersticiosa. Vendo minha mezuzá no carro, quando eu dirigia, muitos me perguntavam se era um “santinho”. Respondia como respondo sobre o B”H: buscando explicar o que é, o que proporciona uma oportunidade de Hasbará do judaísmo, aliando minha Kavaná, meu amor pela beleza do judaísmo como uma forma de combater pacificamente, através do esclarecimento, o anti-semitismo por ignorância.
Outro ponto em comum é o fato de serem “identificadores” judaicos.
Procuro manter, interna e externamente, tudo o que me identifica como judia, dentro e fora de casa e, ao ser questionada, poder ser capaz de esclarecer.
Finalmente, gostaria de informar que não sou judia... sou levita!
*Jane Bichmacher de Glasman é Doutora em Língua Hebraica, Literaturas e Cultura Judaica, Professora Adjunta, Fundadora e ex-Diretora do Programa de Estudos Judaicos – UERJ e escritora.
Kolatch, Alfredo J. Livro Judaico dos Porquês. SP, Ed. Sêfer, 1996, p.317.
Asheri, Michael. O Judaísmo Vivo. RJ, Imago, 1987.
Browne, Lewis. A Sabedoria de Israel. V.I. RJ. Biblos, 1963. (V. I, p. 6)
Berezin, Rifka. Dicionário Hebraico-Português. SP, Edusp, 1995. (Berezin, 1997, p.464) (p.622)
Even-Shoshan, Avraham. Há-mylon He-Hadash. Jerusalém, Israel, Kiryat Sefer, 1988. (p.1333)
Kassuto, Prof. M. D. Sifrey HaMikrá. Tel Aviv, Yavne, 1969. (Shmot, p.71)
Sefer Shemot im miv’har perush Rashi. Org. Biyliyk e Even-Shoshan. Jerusalém, Kiryat Sefer, 1969.
Unterman, Alen. Dicionário Judaico de Lendas e tradições. RJ, Zahar, 1992. (p.176)
Unterman, Alen. Dicionário Judaico de Lendas e tradições. RJ, Zahar, 1992. (p.256) no verbete sobre superstições
Noy, Dov. Folclore e Cultura Popular Judaicos (curso dado em 1986). SP, Associação Universitária de Cultura Judaica.
http://www.visaojudaica.com.br/Principal/Artigos_e_reportagens/artigosereportagens1.htm
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