Cada Papa tem a sua cruz
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O mundo árabe insurge, a política italiana está nos limites do colapso, enquanto o presidente do Conselho – quando não se assusta com o risco de novos fundamentalismos – ataca a escola pública no vã e grosseira tentativa de ganhar os favores das hierarquias vaticanas. E o Pontífice, o que faz? Manda publicar, pela editora Herder, de Friburgo, um livro em que finalmente desmente a interpretação "deicida" do Evangelho.

Falamos sobre isso com Amos Luzzatto, presidente da União das Comunidades Judaicas Italianas e estudioso que participou de inúmeros encontros nacionais e internacionais sobre os temas da cultura judaica, tendo publicado numerosas obras.

A entrevista é de Iaia Vantaggiato, publicada no jornal Il Manifesto, 03-03-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis a entrevista.

A partir de hoje, é oficial: "Não foram os judeus que condenaram Jesus". Quem escreveu isso foi o Pontífice, em um livro que será publicado no dia 10 de março e que, justamente, não se poderia definir como um instant book.

Eu não sou capaz de fazer a exegese do Evangelho. Só sei que Jesus foi morto na cruz e que se tratou de uma execução capital tipicamente "romana". De resto, também eram romanos os executores materiais. Os judeus estavam "ocupados", a autoridade era romana. Certamente, entendo que, depois, o cristianismo tenha escolhido Roma como o seu centro propulsor, mas Jesus foi morto pelos romanos.

Os tribunais judeus não contemplavam condenações capitais?

Certamente, mas com modalidades muitos diferentes. Sobretudo, não previam a crucificação, e, depois, a execução devia ser executada junto ao Santuário e não antes que transcorressem 30 dias da condenação.

A propósito do Santuário, o Pontífice diz exatamente isto: foi a aristocracia do Templo que condenou Jesus, não o "povo de Israel" como tal.

Aqui também não há nada de novo.

Já sabíamos disso?

A aristocracia do Templo eram os saduceus. E isso é um fato. Ora, queremos pensar que "todo" o povo hebreu tenha se reunido diante da casa de Pilatos para pedir a condenação à morte de Jesus?

Justamente, Ratzinger diz que não foi assim. O senhor lhe dá razão.

Sim, até porque é difícil pensar em um povo inteiro que grita "matem-no!". Vamos hoje para a frente do palácio de Pilatos, onde aquele crucifige foi invocado. Vamos hoje a Jerusalém. Esse lugar se chama Ecce Homo e é de dimensões muito reduzidas. Ali na frente devem ter estado não mais do que 60, 70 pessoas, e não um milhão. Entretanto, com relação a Ratzinger, antes tarde do que nunca. Não me surpreende, mas também não há necessidade de me convencer.

Mas, enfim, que sentido tem hoje um livro como esse?

Talvez o Pontífice quer corrigir um velho provérbio que hoje não se pode mais sustentar, ou melhor, dois. O crucifige em primeiro lugar e depois aquela afirmação que diz: "que o seu sangue recaia sobre as nossas cabeças e sobre os nossos filhos". Uma afirmação que esteve na base de todas as perseguições contra os judeus. Repito, porém: o fato de um Papa teólogo me dizer que isso não foi assim não me causa prazer.

É o mesmo Papa, no entanto, que, na oração da Sexta-feira Santa, reintroduziu a passagem sobre os "pérfidos judeus".

Sim, mas ali... Eles, por pérfidos, entendem sem fé, isto é, sem a "sua" fé. Os evangelhos podem ser interpretados com malevolência ou com benevolência. Eu reconheço ao Papa a preferência pelo segundo caminho.

A partir de hoje, muda alguma coisa nas relações com o Vaticano?

Para mim, tudo continua como antes.

Incluindo o fato de que, segundo a Igreja, Jesus era o Messias e que, por isso, ele não era simpático aos judeus?

Um século e meio depois de Jesus, durante a II Revolta contra Adriano, houve um grande líder político e militar que se chamava Var Kokhbà. Alguns pensavam que ele fosse o novo messias. Nenhum judeu pensou em condená-lo. O problema não é se Deus é pai, mas se é o pai de "um" ou também de todos os outros.

Ratzinger também fala de arrependimento, de esperança, de guerras e de poder.

São coisas que, se ditas em termos genéricos, sempre vão bem. Tome a esperança: ela vai sempre bem.

Sim, mas por que esse livro?

Talvez para dar uma contribuição ao diálogo judaico-cristão. Porém, para fazer um julgamento um pouco mais atualizado, esperaria dois ou três dias. Talvez, alguém terá algum comentário a fazer. Eu, no momento, não encontro nada de novo. E não vou encontrar nada de novo até que veja o início de um debate por parte de círculos qualificados.

Bento XVI diz ainda que a verdade deve entrar na política. Mais ou menos.

Que a política deve assumir a verdade? Certamente. Mas nem isso me parece ser uma grande inovação. É verdade que estamos habituados a uma política que não diz aquilo que deve ser dito, mas também é verdade que não se diz que a verdade é o aquilo que o Papa me diz.

O senhor vê atritos inéditos nas relações entre o Estado italiano e a Santa Sé?

Há dificuldades. O Estado italiano pede o apoio da Igreja e, ao mesmo tempo, não demonstra ser fiel àquilo que a Igreja prega.

Isso também não é uma novidade.

Desta vez, fomos além.

Até o ataque contra a escola pública por parte de Berslusconi foi infeliz.

Um ataque de tal forma arriscado que até a Igreja se sentiu no dever de se manifestar. Além disso, existe uma base católica que – de outra forma – se sentiria traída e abandonada.

Digamos que, quanto a "risco", a pior frase do primeiro-ministro foi aquela sobre o "perigo muçulmano".

Eu acredito que nos encontramos diante de uma insurreição pela democracia e contra os tiranos e não diante de uma "guerra qualquer". E acredito também que, da insurreição do mundo árabe, que é um mundo jovem, a Europa tenha tudo a aprender. Antes de tudo, a vontade de liberdade. Quanto ao "perigo", os muçulmanos também poderiam dizer que têm medo da chegada dos católicos. O ponto é que nós queremos uma convivência pacífica, mas só com nós mesmos.

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