Tenhoimensa admiração e gratidão por todos os que fizeram e fazem da Hebraica o meu centro de gravidade e o lugar de referência na infância de todos os meus filhos (e agora também dos netos), e especialmente por aqueles que, como você, têm se dedicado a torná-la pluralista e aberta a todas as formas de prática do judaísmo, cultural ou religioso.
Ditoisso, e sendo eu um dos muitos incluídos no termo pluralista que usei acima, sinto-me no dever de contribuir para a construção coletiva de uma visão sobre o nosso papel na questão que julgo ser a mais importante para a identidade judaica em nossos dias e para as novas gerações: o futuro de Israel, como país democrático, e em paz com o futuro Estado palestino, ambos se fortalecendo perante as pressões do jogo das grandes potências (especialmente da China, no seu eixo China-Irã, mas também dos Estados Unidos, nem sempre benfazejos, e que um dia podem cair nas mãos de forças totalitárias, quem sabe o futuro? os alemães previam o nazismo?).
Sejaqual for o futuro, não podemos nos esquecer do tamanho da população muçulmana no mundo, e dos conflitos internos ao islamismo, entre correntes modernizantes e correntes fundamentalistas e retrógradas. Quem sabe qual será a correlação de forças nessa imensa população daqui a 5, 10, 20 anos?
Nessaperspectiva, chamo a atenção para o que considero um deslize sério (alguns acharão que estou buscando pelo em casca de ovo), numa pequena frase no olho do artigo "Soma de esforços para compreender Israel".
Eisa frase, que me provocou profundo "nisht guit" (pág 74 da edição de setembro)
:
"É possível reverter aaparente posição pró-palestina dos meios de comunicação?"
Minha objeção é simples: trata-se de uma expressão que induz, de forma insidiosa, a contraposição entre o pró-palestino e o pró-israelense, excluindo outras possibilidades.
Ora, sou dos muitos judeus que desejam bem estar, paz, justiça e pleno usufruto de todos os direitos humanos ao povo palestino. Então sou pró-palestino, certo? Claro. Isso me faz ser anti-israelense? Nunca. Sou contrário não a posições pró-palestinas, mas sim à demonização e à deslegitimação de Israel, assimcomo sou contrário à demonização do islamismo e dos palestinos, como vejo acontecer em grande parte da imprensa mundial.
Trata-se,a meu ver, não de combater posições pró-palestinas, mas, ao contrário, de reconhecer a legitimidade dos interesses e das narrativas do povo palestino, num diálogo em que Israel seja também escutado quanto à sua legitimidade e às suas narrativas. Muitos judeus e palestinos estão engajados nesse sentido, no mundo todo, sem se tornarem reféns do sensacionalismo nomal da mídia. E eu acredito que a Hebraica faria bem em não se submeter de forma acrítica ao esforço de Relações Públicas do governo israelense, um esforço de comunicação unidirecional centro-periferia, de Israel para cá. Informação sim, mas filtrada dos vieses que encobrem as responsabilidades israelenses na imagem negativa de Israel (para ter certeza de que não se trata apenas de conspiração na mídia, basta assistir a filmes premiados no Festival do Cinema Judaico de vários anos na própria Hebraica, e visitar o site do B´Tselem, a mais importante organização de direitos humanos em Israel, formada por israelenses e palestinos.
Pensoque a maneira de conscientizar a nossa juventude sobre como defender o Estado de Israel é combater o auto-engano da mensagem insidiosamente embutida naquela frase, e envolver a juventude num processo de debates em que todas as visões sejam ouvidas, e não hegemonizado pela visão particular de uma coalizão particular que ocasionalmente governa Israel. Certamente essa visão imbuída de uma polaridade entre israelenses e palestino (sugerida no termo pró e contra) não é a visão de ao menos 30 a 40% da própria população israelense e também fração semelhante da população palestina, como mostraram diversas pesquisas sobre o apoio às negociações em Oslo, em Taba, e à iniciativa de Genebra.
Será que esses 30-40% dos palestinos não se vêem como irmãos dos 30-40% israelenses? Portanto,ser pró-palestino no caso deles tem sido a atitude de cidadãos fiéis ao Estado de Israel, como o maestro Daniel Barenboim, os cantores Shlomo Gronich e David Deor, de toda a frente em torno do Shalom Achshav e de muitos outros, como tem nos mostrado muitos dos filmes que a própria Hebraica tem sido generosa em nos trazer.
Explicopor que decidi fazer esta carta de forma aberta. Fui encorajado pela assertividade da sua carta de Chag Sameach, que critica o anonimato. Faço-a às claras, com o interesse, que penso ser positivo, de contribuir para o fortalecimento do senso de identidade judaica de nossos jovens, coerentemente com o excelente artigo sobre as "Cartas a um Jovem Casal", do rabino Jonathan Sacks (pág 43) que nos diz sabiamente: "Quando os judeus se rebelam contra o judaísmo (Spinoza, Marx, Freud), eles o fazem de uma forma que transforma o mundo". Acho que devemos nos rebelar contra a mensagem de palavras-problema e frases-problema, como a de que ser pró-palestino é ser contra Israel.
Aofazer a carta de forma aberta, quero abrir essa discussão em tempo real, e não deixá-la morrer num fluxo tradicional de "Cartas do Leitor", que poderia abafá-la como ocorria nos tempos pré-internet. Nesse mundo em rápida transição para uma nova civilização, as opiniões hoje começam a se formar horizontalmente.
Torçopara ver o momento em que a revista Hebraica abra sua forma de publicação tradicional para o debate em tempo real na rede social dos seus associados. Enquanto isso não ocorre, que tal um debate presencial na Hebraica sobre essas questões, com sábios de várias correntes da nossa comunidade: Sobel, Rattner, Barat, Weitman e tantos outros?
PS: sobre palavras-ponte e palavras-problema, sugiro que a Hebraica publique o artigo de Paulo Blank: “Eu vi Barghouti”, que está neste link darede Judaísmo Humanista. O artigo ajuda a entender por que considero a frase "posição pró-palestina dos meios de comunicação" uma frase que não é inocente, e sim inadequada e perigosa.
Aceite,por favor, um forte abraço de admiração e meus desejos de um Ano Novo com muitos novos exemplos de dedicação sua ao fortalecimento de nossa comunidade e às suas contribuições para nosso país.
Sérgio Storch
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