Diário de Guerra 38 - Emuná [fé e crença] no judaísmo - Jayme Fucs Bar
Muitas vezes judeus e não judeus me questionam e se manifestam muito contrários à forma como prático e creio no judaísmo e de como manifesto a minha própria emuná. Às vezes parece até ridículo alguém achar que somente o que ele acredita é a “verdade absoluta” e a sua emuná e as outras existentes no mundo são enquadradas como pecaminosas ou hereges.
Por isso, resolvi escrever este pequeno texto sobre emuná, para que esclareça a certas pessoas sobre esse direito legítimo de ter emunot diferentes!
Uma vez, um amigo me disse: “Eu não acredito em Deus”. Fiquei curioso e perguntei: “O que você quer dizer, na sua emuná, em não acreditar em Deus? Ou melhor: fale sobre esse Deus em que você não acredita!”.
Ele, meio inibido, me respondeu: “Eu não acredito em um Deus sobrenatural, um pai que vive no céu, que criou o mundo em sete dias, que o universo tem somente 5 mil anos e que tudo que acontece neste mundo é responsabilidade divina”.
Dei uma grande risada e disse: “Nesse Deus que você descreveu para mim, eu também não acredito! Mas isso não quer dizer que eu não acredito em Deus!
Respeito também todos aqueles que têm uma emuná em Deus diferente da forma que eu acredito!”. A emuná é um direito de cada um. Jamais devemos julgar a emuná do outro, pois ninguém tem a verdade absoluta. Cada um possui o direito de manifestar sua emuná da forma que desejar, mesmo que seja de forma diferente do que você pessoalmente acredita.
O judaísmo sempre foi muito rico nas suas diversas manifestações da emuná! O pluralismo é o que faz o judaísmo ser um tesouro de diversidade e sabedoria! Se você é agnóstico, panteísta, transcendental ou acredita no Deus Sobrenatural, ou mesmo se tem emuná no ateísmo, tudo bem! Tudo isso é legítimo!
Se você é ortodoxo, tradicionalista, caraíta, reformista, conservador, humanista, reconstrucionista, cabalista, Bnei Moshe, secular etc., todas essas correntes são legítimas no judaísmo e devem ser igualmente respeitadas.
Na minha emuná, o judaísmo não é somente uma religião: é algo muito mais amplo que uma simples crença religiosa. Talvez a melhor forma de definir o judaísmo na minha concepção é aquela ensinada por Mordecai Kaplan, que definiu o judaísmo como civilização!
Não importa o tipo de emuná que você tenha, o mais importante no judaísmo é o que você vai fazer em sua vida para si e para o outro. Não tem nenhum sentido somente em possuir uma emuná em Deus se você não tem emuná também nos seres humanos.
Acredito que uma regra básica deve existir para a sobrevivência do judaísmo, que é saber respeitar o direito do “outro” de manifestar sua emuná, mas isso exige uma só condição básica: que essa emuná não se torne nunca uma arma de opressão e de exclusão do direito do “outro” existir e ser diferente.
Eu pessoalmente me defino como judeu panteísta. Eu acredito no Único e tenho a consciência de que, como bem definiu Maimônides, “nós, seres humanos, estamos além da possibilidade humana de definir o que seja Deus e tudo que possamos definir sobre Deus não passa de simples especulações humanas”.
Eu acredito que tudo que existe neste universo é parte da criação do Único, somos todos parte dessa unicidade e, se desejamos sentir o que vem a ser esse esplendor, devemos observar que Deus se manifesta na Natureza e em nossas próprias paixões! Deus é a perfeição e o equilíbrio.
A única coisa desequilibrada na criação do Único somos nós, seres humanos, que ganhamos o livre-arbítrio e o usamos, muitas vezes, de forma incorreta e destruidora para nossa própria espécie.
Vocês não precisam concordar ou discordar de mim, essa é a minha emuná e a beleza disso é que teríamos milhares de formas e expressões diversas e extremamente ricas, se fosse possível analisar o que cada um de vocês tem como sua emuná particular.
Na minha emuná, Deus não é responsável pelos problemas da humanidade e do planeta Terra. Deus não é responsável pela guerra, fome, pela miséria e pela violência degenerada no mundo, nem mesmo pela destruição ecológica do planeta. Nós, seres humanos, temos a função de ser responsáveis por humanizar nossas vidas e saber valorizá-la.
Precisamos saber fazer da vida o “Kodesh Hakodashim”, o Santo dos Santos! Tudo isso está em nossas mãos, e não nas mãos de Deus.
Existe um conto judaico que nos ajuda a entender esse conceito de emuná. Conta-se que existia uma família judia muito pobre que fugiu dos pogroms na Polônia para a América. Como imigrantes recém-chegados, quase não tinham o que comer e rezavam muito pedindo um milagre.
De repente, ouviram uma batida na porta e, ao abrir, encontraram dezenas de pessoas. “Quem são vocês?”, perguntou o pai. Cada um dos visitantes se apresentou: “Eu sou a fé. Eu sou a felicidade. Eu sou a saúde. Eu sou o sucesso. Eu sou o poder”. A família, sem entender nada, foi esclarecida num coro único: “Nós somos os seus desejos! Mas, vocês só podem escolher um de nós para entrar em sua casa”.
Os membros da família debatiam o que seria melhor: sucesso ou saúde? Felicidade ou poder? Alegria ou riqueza? No final, tomaram sua decisão. Eles saíram de casa e falaram aos desejos: “Nós escolhemos a emuná”.
E assim a emuná entrou na casa. Então, todos ficaram surpresos, pois os outros desejos entraram junto com ela! “O que está acontecendo aqui?”. O pai ficou espantado. “Vocês disseram que nós poderíamos escolher apenas um desejo”. “É verdade que vocês só poderiam escolher um só desejo”, explicou a alegria. “Mas aonde a fé ( emuna) vai, nós vamos atrás”.
O judaísmo é composto por emunot diferentes! Você tem o direito de seguir sua emuná e ninguém tem o direito de te atrapalhar.
Se você seguir sua emuná, com certeza terá uma grande chance de ter seus desejos e sonhos realizados.
Os Meus desejos são, que essa guerra acabe, e que todos os soldados e reféns, possam voltar para suas casas, junto as suas famílias e que seja possível voltar a viver numa nova realidade sem guerra e sem violência.
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Comentários

  • Deus deu a Torah a Israel, e Israel à humanidade. (Manifesto do movimento conservador –EUA)

     

    Israel é uma aposta de Deus na humanidade .(Rabino Avrahan Yeshua Heschel)

     

     

    A Civilização de Israel foi a primeira a intriduzir Deus na História. 

    Anteriormente, o tempo sagrado era o refúgio necessário e intransponivel ao tempo histórico e seus terrores. (Mircea Eliade)

     

    O Sagrado foi intoduzido na Civilização histórica  de Israel, com a visão de redimi-la, o que se concretizaria nos tempos messiânicos.

     

    Selecionei trechos de Raquel Elior, que expressam os fundamentos que edificaram a dimensaão  sagrada na civilização histórica de Israel, e  suas continuidades.

     

     

     

     

     

    A expressão da liberdade humana no misticismo judaico

    Rachel Elior- 2006

     

     

     

    A história judaica começou como uma história de escravidão. É bem provável que esta seja a única história nacional no mundo ocidental que escolheu a escravidão e a atrocidade humana, a injustiça e a crueldade como o principal ponto de partida, a fim de celebrar a liberdade humana, a justiça, a literacia, a lei eterna e a libertação divina.

     

    Na tradição judaica, Deus é mencionado com gratidão como eterno libertador da servidão no Egito, bem como redentor esperado dos sofrimentos do exílio na época da redenção. Os escravos, gratos ao serem libertados da servidão humana no Egito, aceitaram voluntariamente uma lei divina e a justiça sagrada que prometia liberdade e igualdade em lugar da soberania despótica, da crueldade e da escravidão, que asse guravam apenas subjugação, asfixia e extinção. Além disso, a Bíblia afirma que os judeus trocavam a subjugação cruel na “casa de servidão”, uma casa na qual todo governante humano poderoso poderia ter mudado a lei contra o seu povo segundo uma decisão má e arbitrária, por uma posição orientada pela obediência voluntária às eternas e divinas leis de liberdade, repouso completo e justiça social, as quais nunca poderiam ser mudadas por capricho ou decreto humano.

     

    A revelação no Sinai (Ex. capítulos 19-20), que ocorreu no feriado das alianças (Newsom, 2000,pp.339-341), Shevuo’t (Jubileus 1:1; 6:17-22), um feriado conhecido, no mundo cristão, como Pentecostes, introduziu para o povo judeu libertado as fundações da lei divina eterna de liberdade e justiça social descrita acima como o “conhecimento da verdade e da justiça” ou “conhecimento, verdade e justiça”, e como “tempos marcados de liberdade”

     

    A lei estabeleceu uma sociedade que não reconhecia direitos natos excepcionais, nobreza permanente, escravidão indefinida, estratificação social, superioridade e inferioridade dinástica, direitos feudais, raça ou cor, ou qualquer outra distinção significativa entre o povo judeu, eis que todos os homens nele nascem iguais.

     

    A tradição jurídica e moral detalhada no Pentateuco explica os diferentes mandamentos divinos pertinentes a cada aspecto da vida individual e comunitária em uma sociedade patriarcal tradicional, na qual todos os membros do sexo masculino nasceram iguais e estão sujeitos à mesma lei divina.

    O Eterno falou a Moisés, dizendo: “Fale ao povo de Israel e diga-lhes: Essas são as festas fixas do Eterno, que vós proclamareis como convocações sagradas, minhas festas fixas. Seis dias se trabalhará, mas o sétimo dia é um Shabat de repouso completo, uma convocação sagrada: vós não trabalhareis; é Shabat para o Eterno em todos os lugares onde morarem. Essas são as festas fixadas pelo Eterno, as convocações sagradas, que celebrareis no momento marcado para elas.” (Lev. 23:1-4)

     

     

    Juntamente com a origem divina das duas tábuas do testemunho e a validade eterna imutável gravada nas tábuas, harut al haluchot, os sábios haviam afirmado a Liberdade nas Tábuas, mudando a vocalização de uma letra, herut al haluhot, uma mudança que assegurou a liberdade humana ilimitada de pensamento e interpretação com relação ao texto sagrado, que adquirira infinitos significados.

    A livre interpretação humana da ‘escritura de Deus gravada nas tábuas’ foi a singular contribuição dos sábios à tradição judaica de liberdade. A liberdade de fazer uma leitura de novos significados em textos sagrados antigos foi estabelecida nos primeiros séculos após a destruição do Segundo Tempo (70 EC). Ideias como “as setenta faces da Torá”,significando que há maneiras infinitas de ler textos canônicos, além do seu nível literal, eram limitadas apenas pela concordância da comunidade com respeito à unidade de ação e à liberdade de pensamento. Desde que se vivesse de acordo com as restrições do calendário tradicional de setenta dias de liberdade anuais e se obedecesse ao significado literal dos Dez Mandamentos e de seus esclarecimentos bíblicos no Pentateuco, desde que se enviassem os filhos do sexo masculino para aprender a ler e desde que se pagasse a sua parte na caridade e nas responsabilidades comunitárias, cada um era livre para pensar, ler e escrever, ensinar, indagar, interpretar,buscar novos significados dentro dos textos sagrados e envolver-se em qualquer tipo de hermenêutica que iluminasse novamente o sentido literal do texto sagrado, cada um à sua vontade.

     

    Os judeus que foram dispersos através do mundo, nunca tiveram uma entidade central que os guiasse ou limitasse, conforme foi observado acima: cada congregação era independente e soberana para levar adiante os seus assuntos mundanos dentro dos limites da lei judaica e conduzir suas indagações intelectuais tão livremente quanto quisesse,desde que as crianças aprendessem a ler e os jovens estivessem envolvidos em estudos antes de fundarem famílias e se comprometerem com o seu ganha-pão. Em cada comunidade judaica, os estudos eram altamente valorizados e sempre incentivados, não havia pagamento para estudar, e estudantes que se destacassem por seus estudos eram incentivados a dedicarem a sua vida toda ao aprendizado contínuo custeado pela comunidade (KATZ, 1993).

     

    A congregação judaica foi sempre uma comunidade “textocêntrica”; textos sagrados que eram lidos em voz alta e estudados continuamente por todos os homens da comunidade que não estavam trabalhando, estavam no seu centro, e estudo, oração, exegese e bênçãos em relação à leitura pública dos textos sagrados eram cultivados em toda a parte. A comunidade judaica ideal vivia de acordo com os preceitos da lei escrita, bem como da lei oral em desenvolvimento. A natureza da relação entre a lei escrita sagrada antiga, a Torá, “gravada nas tábuas”, e a lei oral, Mishnah, representando ‘a ‘liberdade’ humana ‘nas tábuas’, era dialética.

     

    Isso poderá ser explicado como as relações dialéticas entre trama e urdidura em um quadro de tecelagem ou tear: as relações entre os fios longitudinais do passado sagrado textual, expressos em textos escritos sagrados, e os fios transversais do presente criativo inovador expressos pela lei oral; cada grupo de fios, sozinho, não representa nada – mas juntos, intertramando o velho e o novo, podem criar uma linda textura. A tradição mística medieval, que atravessou as fronteiras de tempo e espaço e afirmou sua origem histórica até a geração dos sábios do século II EC, embora escrita anonimamente e de maneira pseudoepigráfica ao final do século XIII, havia adotado esses princípios dialéticos de liberdade hermenêutica relacionada a textos sagrados anteriores, que adquiriram infinitas camadas de significado e se definiram no Livro do Esplendor, Sefer haZohar,

     

    As duas principais tendências interpretativas eram conhecidas como Halakhah e Aggadah, ou lei oral e mito livre, respectivamente. O primeiro conceito, a lei oral criada pelo esforço  exegético racional humano, negociando entre o passado e o presente, era delimitado por precedentes legais oficiais, textos comprobatórios, argumentação razoável, necessidades existenciais, limitações práticas,considerações racionais, influência cultural externa e crítica oficial, já que era obrigatório como o discurso legal na esfera pública em uma sociedade tradicional que obtinha toda a sua autoridade do passado ao mesmo tempo em que negociava com as limitações e desafios de um presente em mudança constante.

     A segunda tendência, o mito ou a narrativa da imaginação criativa dentro do contexto religioso, não tinha consequências para a implementação na vida diária, mas tinha grande influência e estava livre de todos os critérios racionais acima mencionados. Os mitos da Aggadah eram desenvolvidos em todas as formas, desde a exegese homilética até a poesia mística, como uma expressão profunda da liberdade humana. Além disso, a Aggadah se permitia contar de novo as narrativasque apareciam nos textos sagrados, oferecer novos significados para velhas histórias, inventar novas imagens, atravessar as fronteira de tempo e espaço, criar novas narrativas no céu e na terra, especular e tentar juntar as pontas da lacuna entre a maneira de ser das coisas antes e hoje, em relação à maneira como deveriam ter sido, poderiam ter sido ou deveriam ser. A Aggadah é a fonte do Misticismo Judaico conhecido como Kabbalah, que diz respeito às invenções da imaginação criativa e à especulação linguística criativa que tratam do mundo invisível que era associado com a passagem do exílio para a redenção, enquanto que a Halakhahé a fonte de toda a tradição jurídica nas suas esferas existencial, prática e ideal.

     

     

    Os judeus que viveram como exilados ou como minoria perseguida sob a Cruz e sob o Crescente, não tiveram nenhuma liberdade em sua vida mundana no decorrer de seu longo exílio. Tinham de obedecer a numerosas restrições e proibições e eram subjugados até o ponto da humilhação e da discriminação, alvos de acusações falsas impostas pela igreja e pelas autoridades locais, conforme pode ser visto em muitos estudos sobre a história do an-tissemitismo. Os judeus, que não gozaram de liberdade, soberania ou unidade geopolítica por mais de dois milênios, haviam se tornado uma congregação de memória que consagrava a liberdade e a literacia num sagrado ciclo sagrado séptuplo. Segundo a lei judaica, não há punição para alguém que não deseje trabalhar nos primeiros seis dias da semana, por um motivo qualquer, mas há punições severas para aqueles que não repousam nem participam das convocações para leitura pública nos 52 dias de sábado e nos 18 dias dos temposfixados pelo Eterno.

     

    A liberdade de que os judeus gozavam no exílio era a liberdade de pensamento, a liberdade de ler, escrever, imaginar, interpretar, criar e recriar.

    Conforme observado anteriormente, os judeus não tinham igreja nem inquisição: ninguém supervisionava o reino da criatividade imaginária dos membros da sociedade tradicional, que podiam escrever livremente, anonimamente, pseudoepigraficamente, comunitariamente ou sob o seu próprio nome,e ninguém estabelecia fronteiras para a sua imaginação inquiridora dentro das fronteiras infinitas da linguagem.

    Misticismo é a história da imaginação criativa dentro de contextos religiosos, aquela escrita pelos conquistados e pelos derrotados, pelos censurados e pelos perseguidos, aqueles que devassavam o mundo invisível não percebido buscando respostas para o seu destino trágico e impotente em um mundo material caótico. A tradição mística judaica,Kabbalah, a filha da Aggadah e do Midrash, exercia a liberdade de contar novamente a história de Deus, a história da criação, a história da vocação humana, a história do exílio e da redenção, a história dos mandamentos e a história das línguas divina e humana, a fim de valorizar um novo significado para histórias antigas, de uma maneira que iluminasse o presente com uma nova luz e a fim de reinventar o passado para assegurar um futuro redentor (ELIOR, 2006).

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