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SUKÁ E VULNERABILIDADE
A magia e a mística de Tzfat - Fonte Revista Morasha
http://www.morasha.com.br/conteudo/artigos/artigos_view.asp?a=732&p=1
Tzfat, também conhecida como Safed e Safad, é considerada a capital da Alta Galiléia. Localizada ao norte do Estado de Israel, é uma das quatro cidades mais sagradas no judaísmo, juntamente com Jerusalém, Hebron e Tiberíades. É um dos principais berços da mística judaica, a Cabalá. Tzfat é uma cidadezinha encrustada no pé de uma colina e cercada por montanhas. A oeste está o Monte Germack, que parece encravado no Monte Hermon, cujo pico está constantemente coberto por uma neve brilhante. Ao sul está o Monte Canaã, do qual se pode ver o Lago Kineret, também conhecido como Mar da Galiléia, que banha a cidade histórica de Tiberíades. A leste estão diversas localidades históricas, marcadas por ruínas de sinagogas e túmulos de vários Tzadikim. De acordo com a Cabalá, Jerusalém, Tzfat, Hebron e Tiberíades representam os quatro elementos físicos da Criação: fogo, água, terra e ar. Jerusalém representa o fogo. Assim como as chamas que ardiam no Beit Hamikdash, o Templo Sagrado, e queimavam as oferendas, o fogo espiritual desta cidade, a mais sagrada do mundo, inspirava as almas de seus habitantes. Tiberíades, erguida nas margens do Lago Kineret, simboliza a água. Segundo a tradição cabalística, Rabi Yitzhak Luria, o Ari, revelou a seus discípulos que se tivessem alguma dificuldade em entender alguns dos ensinamentos místicos, deveriam beber um gole da água do Kineret. Desta maneira, suas mentes absorveriam o conhecimento almejado. Hebron, localizado perto do deserto do Neguev, representa a terra. É lá que estão enterrados os nossos patriarcas - Avraham, Yitzhak e Yaacov, e três das quatro matriacas - Sara, Rivka e Léa. Tzfat, por sua vez, representa o ar, em hebraico, ruach. É uma palavra que tem muitos significados, entre os quais, vento, brisa, atmosfera, alma e espírito. A cidade é, de fato, uma mescla de tudo isso, mas principalmente de ar e de espírito. Sua atmosfera é clara, luminosa, tanto no sentido físico como no metafísico. Como sabemos, o ar é diferente do fogo, da água e da terra, pois não pode ser tocado fisicamente. Assim é Tzfat - e é isto que lhe dá uma energia, misteriosa e mística, que enfeitiça todos que a visitam. Ao redor de Tzfat, há uma coroa composta por inúmeros povoados que tiveram e continuam tendo papel marcante na história e na religião judaica. Há sinagogas e ieshivot em ruínas que contam séculos e séculos. As ruínas atestam tempos esplendorosos na Galiléia e no judaísmo. A localidade mais antiga na região de Tzfat é Pequin, onde os judeus sempre viveram antes do domínio romano se estender sobre a Terra de Israel. Atualmente, a cidade é habitada por judeus e druzos. Gush-Chalav - a cinco quilômetros de Tzfat - que, também traz as marcas do passado em suas ruínas de sinagogas e túmulos de Tzadikim, é conhecida principalmente pelas lutas contra os legionários romanos. Biria, ao norte, foi o berço de grandes sábios, eruditos e estudiosos, inclusive vários Tanaim, que foram os maiores rabinos citados no Talmud; a cidade é rica em ruínas de sinagogas e restos de pedras com símbolos sagrados. Kfar Biram, cuja população atual é cristã maronita, fica a noroeste de Tzfat. Na época da Mishná, era um centro importante de estudos. Vestígios de seu passado glorioso - a cidade possuía duas sinagogas - estão nos achados arqueológicos que trazem inscrições e símbolos religiosos. Biram, Kadita, Achbara, Safssufa, Tzipori e a antiga Ein Zetin são a prova da contínua presença judaica na região, através dos séculos. A nova Ein Zetin, reconstruída em 1884, foi abandonada em 1929, quando a Revolta Árabe, que eclodiu naquele ano, atingiu a cidade, e a população árabe local, enfurecida, massacrou cerca de 20 judeus. Outras cidades como Germack ("Hatzmon"), Kfar Alma, Kfar Hananía e Ramat Naftali datam ou são anteriores à epoca talmúdica. Estas cidades são mencionadas em diversas obras de pesquisadores de séculos passados, inclusive com estatísticas e nomes de seus mais ilustres habitantes. Na maioria dos povoados, a atividade era, principalmente, a agricultura. De seus pomares saíam as melhores frutas do Mediterrâneo, favorecidas pelo clima e pela água vinda das cordilheiras e geleiras das montanhas da Galiléia e do Líbano. Havia, também, um comércio ativo e uma desenvolvida indústria de tecidos de lã e de anilinas, e um comércio intenso com Sidon, no litoral do Líbano, com passagem para outros mercados. A magia das estrelas Tzfat é uma cidade mística. O ar é puro, os dia luminosos e as noites iluminadas pelas mais brilhantes estrelas do Oriente Médio. Este cenário inspira o homem a meditar, a elevar a alma e o coração, até o espírito encontrar o seu paraíso, longe das agruras materiais. No século 16, com a expulsão dos judeus da Península Ibérica e com o beneplácito do Império Otomano, um número significativo se estabeleceu na cidade, incluindo grandes rabinos. Tzfat se tornou o centro de estudos da Cabalá e principalmente do Zohar (O Livro do Esplendor), de Rabi Shimon bar Yochai. Tzfat é a cidade da Cabalá. O maior cabalista de todos os tempos, Rabi Yitzhak Luria, o Ari HaKadosh, lá se estabeleceu. Nascido em Jerusalém, o Arizal cresceu no Cairo. Durante anos ele se isolou numa ilha do rio Nilo, estudando o Zohar e a Torá. Foi quando o profeta Eliahu lhe revelou segredos e disse para que fosse para Tzfat. Em 1569, o Arizal se estabeleceu em Tzfat, onde reuniu em sua volta os maiores cabalistas da época e lhes transmitiu seus ensinamentos, que foram registrados por Rabi Chaim Vital. A fama de Tzfat atravessou os limites da Terra de Israel e, até hoje, milhares de turistas e peregrinos visitam anualmente a cidade, o túmulo e a Sinagoga do Ari. Muitos vão banhar-se nas águas da mikvê do Ari, cujo aniversário do falecimento é 5 de Av. Tzfat recebe milhares de judeus que se reúnem no seu túmulo para orar e pedir ao Tzadik que interceda por eles perante D'us. Tzfat foi o lar de outras grandes figuras da história judaica, entre eles, Rabi Yossef Caro, o autor do Shulchan-Aruch (Código de Lei Judaica); Rabi Moshé Cordovero, professor do Ari e autor da obra cabalística Pardess Rimonim; Rabi Shlomo Alkabetz, autor de Lechá-Dodi, hino litúrgico cantado no Shabat em todas as sinagogas do mundo. Outro grande sábio de Tzfat foi o Rabi Yakov Birav - o rabino-chefe da comunidade. Rico e generoso, homem de grande sabedoria e conhecedor profundo do Zohar, Rabi Birav quis restabelecer o Sanhedrin - a Suprema Corte Judaica - para acelerar a vinda do Mashiach. Mas para isso, era preciso superar alguns obstáculos: os 70 membros do Sanhedrim deveriam ser rabinos e ter um tipo de Smichá - certificação rabínica - que permitisse exercer as funções de acordo com os preceitos existentes antes da destruição do Segundo Templo por Roma. Porém, desde o decreto promulgado por Adriano, um dos mais cruéis imperadores romanos, a tradição de Smichá havia sido interrompida. Tzfat foi o lar de outras grandes figuras da história judaica, entre eles, Rabi Yossef Caro, o autor do Shulchan-Aruch (Código de Lei Judaica); Rabi Moshé Cordovero, professor do Ari e autor da obra cabalística Pardess Rimonim; Rabi Shlomo Alkabetz, autor de Lechá-Dodi, hino litúrgico cantado no Shabat em todas as sinagogas do mundo. Outro grande sábio de Tzfat foi o Rabi Yakov Birav - o rabino-chefe da comunidade. Rico e generoso, homem de grande sabedoria e conhecedor profundo do Zohar, Rabi Birav quis restabelecer o Sanhedrin - a Suprema Corte Judaica - para acelerar a vinda do Mashiach. Mas para isso, era preciso superar alguns obstáculos: os 70 membros do Sanhedrim deveriam ser rabinos e ter um tipo de Smichá - certificação rabínica - que permitisse exercer as funções de acordo com os preceitos existentes antes da destruição do Segundo Templo por Roma. Porém, desde o decreto promulgado por Adriano, um dos mais cruéis imperadores romanos, a tradição de Smichá havia sido interrompida.
Encontrou-se uma resolução para renovar o Sanhedrin baseado numa legislação de Maimônides: dever-se-ia convocar os rabinos mais sábios, eruditos e íntegros. Um deles seria escolhido e autorizado a conceder Smichá para os merecedores desta honra. Tudo isso foi organizado em Tzfat e implementado no ano de 1538. O nomeado para executar a tarefa foi o rabino Yacov Birav. Os sábios de Tzfat também concederam Smichá ao principal rabino de Jerusalém, Rabi Levy ben Haviv, mas este recusou a honra por vários motivos, entre eles que uma decisão tão importante dependia da aprovação dos sábios de toda a Terra de Israel e deveria advir de Jerusalém, e não de Tzfat.
O Fim da Era de Ouro
Após a gloriosa época dos cabalistas e, já no século 17, começou a decadência de Tzfat. Invasões, administração otomana corrupta e ruim, restrições e perseguições; ataques de árabes e de druzos com saques e assassinatos. A próspera economia da cidade foi decaindo e os jovens emigram. No século 19, dois terremotos quase destruíram toda a cidade. Mas, com garra e muita fé religiosa, a comunidade judaica enfrenta todas as vicissitudes e prossegue sua vida. A partir do início de 1800, pequenas ondas migratórias de chassidim e mitnagdim, aconselhados por seus rebes e pelo Gaon de Vilna, chegam a Safed, Jerusalém Hebron e Tiberíades. Começam a ser erguidos novos centros de estudos e sinagogas, principalmente em Tzfat, simultaneamente a um pequeno comércio local. Mas a principal fonte da economia era a Chaluká, dinheiro arrecadado nos países do leste europeu e enviado às quatro cidades religiosas de Eretz Israel. Esse sistema funcionou até a eclosão da Segunda Grande Guerra Mundial em 1939.
Lag Baomer em Safed
O cemitério de Safed abriga túmulos de personagens importantes da história judaica: autores do Talmud (Mishná e Guemará), cabalistas, sábios e eruditos. Diariamente encontram-se pessoas rezando e acendendo velas em redor dos locais onde os Tzadikim estão enterrados. Entre os túmulos, encontram-se não apenas heróis do passado distante, mas, também, do recente, como jovens que lutaram contra o Mandato Britânico, entre os quais Dov Gruner - que foi executado pelos ingleses, e membros das Forças de Defesa de Israel.
Anualmente, durante as festividades de Lag Baomer, a cidade vive uma dinâmica singular. Centenas de milhares de peregrinos passam por Tzfat em direção a Meron, a seis quilômetros, para celebrar uma data especial: o término de uma epidemia que dizimou 24 mil alunos de Rabi Akiva; e o aniversário do falecimento de Rabi Shimon Bar Yochai, o pai da Cabalá, cujo túmulo se encontra em Meron. Também é a data em que o sucessor do imperador romano Adriano revogou as restrições anti-judaicas impostas pelo governo romano anterior, concedendo liberdade de culto religioso e certa autonomia administrativa aos judeus.
Os peregrinos a Meron trazem roupas velhas e recipientes de óleo. E, na véspera da data, ao anoitecer, fazem uma fogueira com o óleo e com as roupas, alimentando-a a noite inteira, até a véspera do dia seguinte, quando terminam as festividades. É um período de 24 horas ininterruptas de rezas, lágrimas, cantos e danças.
Como parte das comemorações, na véspera de Lag Baomer centenas de judeus saem pelas ruas de Tzfat, começando pela casa dos Abuhab, uma família tradicional sefaradi da região, levando uma Torá centenária a Meron. O cortejo é acompanhado por conjunto de klezmer e segue até Meron. Ao longo do caminho, a Torá é passada de mãos em mãos às pessoas de mais destaque na comunidade.
Antes da criação do Estado de Israel, durante o domínio dos otomanos e britânicos, antes do pôr-do-sol, grupos de árabes, a cavalo e a pé, com seus instrumentos musicais, adentravam no pátio da sinagoga, cabeças cobertas com suas kefias, fazendo uma roda em volta dos judeus. Em uníssono, também faziam o seu show de danças e cantos regionais, rezando e pedindo a bênção para suas famílias e para suas necessidades ao Rabi Shimon Bar Yochai.
ENTREVISTA Jacques Semelin
Desde jovem um ativista da não violência, o historiador francês Jacques Semelin se dedica hoje a estudar as condições sociais em que ocorrem genocídios. Coordenador de uma enciclopédia virtual sobre Violência em Massa <<a href="http://WWW.MASSVIOLENCE.ORG">WWW.MASSVIOLENCE.ORG>, ele preserva o espanto diante dos massacres perpetrados em nome da civilização, sem no entanto subscrever a retórica inflada que considera inexplicáveis os extermínios em massa. Em “Purificar e destruir” (Difel, tradução de Jorge Bastos), Semelin faz um estudo comparativo entre o Holocausto, a limpeza étnica durante a guerra civil na Iugoslávia e o genocídio em Ruanda. Por email, ele falou com o GLOBO sobre o livro.
Miguel Conde
O GLOBO: Como explicar um genocídio? Há algo nesse tipo de evento que resiste à interpretação?
JACQUES SEMELIN: Toda sociedade conhece a violência, seja ela econômica, sexual ou física. Todo país pode também conhecer a guerra. O genocídio é algo distinto: é a morte em massa de milhares, dezenas de milhares, mesmo milhões de não-combatentes, ou seja, de civis. É isso que nos parece incompreensível. Como é possível que seres humanos exterminem outros homens, mulheres, crianças, idosos? Ainda mais: por que muitas vezes fazem com que eles sofram antes de matá-los? Esse crime em massa monstruoso não apenas foi possível como se repetiu muitas vezes ao longo da História. Todo homem deveria então se colocar a questão: por que e como tal barbárie é possível? Claro que se pode invocar o mal. As religiões nos ensinam: o mal está no homem, portanto todo homem pode cometer o mal. Mas essa condenação moral não pode satisfazer o pesquisador.
Ela não permite explicar o caráter extraordinário desse crime em grande escala. É necessário ir mais longe, e foi isso que tentei fazer nesse livro, no qual trabalhei por quase dez anos.
O Holocausto tem muitas vezes sido descrito como um acontecimento sem precedentes. Compará-lo a outros casos de genocídio, segundo essa visão, seria de certo modo banalizálo. Qual é sua opinião?
SEMELIN: Desde a invenção do termo genocídio pelo jurista Raphaël Lemkin, em 1944, assistimos a uma banalização do emprego desse termo.
Hoje, o termo genocídio termina não querendo dizer nada, tal a multiplicidade de seus usos. Como ele simboliza o crime dos crimes, numerosos atores políticos e comunitários se apropriam dele para apresentar-se como vítimas da História. Essa conduta ocorre entre vítimas de múltiplos sofrimentos, cujas causas são, no entanto, muito diversas. A palavra também é aplicada aos animais: fala-se mesmo do genocídio dos filhotes de focas...
Em reação a tais derivas, os intelectuais judeus tem defendido a singularidade do Holocausto (na Europa chamado, mais apropriadamente, de Shoah) para designar o caráter sem precedentes do extermínio dos judeus europeus pelos nazistas entre 1941 e 1945. Mas essa afirmação da singularidade da Shoah, que estaria numa classificação “à parte” dos outros casos de mortes de massa, não pode ser aceita pelos pesquisadores. Trata-se de uma posição dogmática. Em resumo, declara-se a priori que o Holocausto é único, que portanto não é comparável, e então... que não se deve compará-lo a nada. O pesquisador deve fazer justamente o raciocínio inverso.
Para provar que um evento é singular, ele deve começar por comparálo com outros a fim de mostrar em seguida no que ele é diferente. Essa é a linha que segui nos casos da Shoah, de Ruanda e da Bósnia. Também abordo um pouco os casos dos armênios e do Camboja de Pol Pot. Atenção: comparar não significa que todos os eventos se tornem equivalentes! Comparar consiste de fato em mostrar o que é semelhante E diferente. Portanto meu método termina por expor os traços específicos da Shoah. É preciso ler o livro para descobri-los...
Pela sua vinculação com um projeto de reforma total da sociedade e pela racionalidade exigida em sua execução (o aparato tecnológico e logístico mobilizado), o Holocausto tem sido pensado como um evento que expôs o lado autoritário dos projetos utópicos dos pensadores modernos. O senhor concorda que o Holocausto mostra a permanência da barbárie no cerne dos ideais iluministas?
SEMELIN: Não penso que seja no ideal das Luzes que se localizem as raízes das mortes em massa. Por outro lado, a maneira como esse ideal foi interpretado por alguns autores e atores contribuiu para por em marcha utopias homicidas: ideal nacionalista que conduz à exclusão e mesmo à destruição daqueles declarados estrangeiros na comunidade nacional; ideal científico fundado sobre a raça ou a classe que se concretizou nos horrores do nazismo e do comunismo, sem esquecer os do colonialismo.
Em todos esses casos, há efetivamente uma racionalidade do Estado de matar com base em critérios supostamente científicos (que no caso dos nazistas incluía as moléstias mentais).
Mas essa racionalidade é ao mesmo tempo insana, como escreveu Primo Levi ao descrever o funcionamento de Auschwitz. É por isso que proponho a noção de uma racionalidade delirante do assassinato em massa. Não obstante, os filósofos das Luzes estavam bem enganados sobre o poder da cultura de libertar o homem da barbárie.
Nós sabemos hoje que a cultura não possui ela mesma uma tal virtude.
Bem ao contrário, a cultura pode dar ao homem os meios de ser mais inteligente no exercício da violência, se não da crueldade. Como observa um sobrevivente do genocídio em Ruanda: a instrução “não torna o homem melhor, e sim mais eficaz. O homem instruído, se seu coração é mal concebido, se ele transborda de ódio, será ainda mais malfeitor”. Não entendo, portanto, todos que continuam a se impressionar que a barbárie tenha irrompido numa nação europeia cultivada como a Alemanha. A cultura não é em si mesma uma defesa contra a barbárie. Ela dá, ao contrário, armas àquele que deseja justificar racionalmente suas emoções e suas paixões.
O senhor diria que a noção de pureza é a principal motivadora dos assassinatos em massa?
SEMELIN: A noção de pureza é realmente central nos assassinatos em massa. Ela participa da construção de um imaginário da destruição social que descrevo no meu livro. Essa exigência de pureza provém do religioso.
Muitas vezes se massacrou em nome da pureza, para se livrar de um inimigo percebido como “impuro”, encarnação do mal e do diabo. Com frequência os homens justificam seus crimes invocando o nome de Deus.
Eles se convencem ou querem fazer crer que são o braço armado da vontade divina. O ato de massacre é percebido como um ato de purificação: mata-se para purificar e se purificar.
No entanto, essa retórica da pureza não tem origem apenas religiosa. Ela se apoia ainda sobre o tema da saúde: erradicar a peste, como disse um papa no século XIII, para se livrar dos hereges, ou eliminar os insetos nocivos, como disse Lenin sobre seus inimigos políticos. Os nazistas queriam purificar a raça. Essa retórica purificadora no entanto não é o bastante para lançar os homens no assassinato em massa. Para isso é preciso que ela seja associada a outro tema fundamental: o da segurança. O grupo se sente em perigo, temendo que outro grupo planeje destruí-lo. Tudo se passa como se se tratasse então de um dilema imperativo: são eles OU nós! Conclusão: já que eles têm a intenção de nos matar, devemos matá-los primeiro. Aquele que se apressa em tornar-se assassino se apresenta como a vítima.
Desde seus primeiros escritos o senhor tem se dedicado ao estudo da violência e da não violência. O que o levou a esses assuntos?
SEMELIN: Comecei minha vida intelectual pelo estudo da não violência e tenho um pequeno livro sobre esse assunto traduzido em português (“A não violência explicada às minhas filhas”, Via Lettera, 2001). Se passei do estudo da não violência ao do genocídio, foi por pura coerência intelectual: não se pode falar com propriedade do combate não violento se não se estuda em profundidade a violência dos homens em suas dimensões mais horríveis, como o genocídio. Para tratar desses dois assuntos aparentemente opostos, segui o mesmo método: estudar não os heróis, os grandes homens, mas as pessoas simples. Nos dois casos, me coloco a mesma questão: como indivíduos ordinários podem resistir de mãos nuas diante de poderes muito violentos? E como indivíduos ordinários podem cometer crimes extraordinários, como um genocídio? Nesse plano, um livro me influenciou muito: “Ordinary men” (“Homens comuns”), do historiador americano Christopher Browning, que mostra como policiais alemães (velhos para irem à guerra em 1941) vão participar, sem serem nazistas convictos, do massacre de dezenas de milhares de judeus poloneses.
Em seu livro mais recente, o senhor fala de sua cegueira e dos desafios que ela lhe impôs. Suas limitações de visão de algum modo influenciaram seu modo de conceber a sociedade?
SEMELIN: Certamente. Se comecei a estudar a resistência não-violenta como forma de resistência moral foi provavelmente porque minha vida tem sido desde minha adolescência uma maneira de resistir à perda progressiva de minha visão, de resistir de qualquer maneira à ditadura das imagens! Para enfrentar tal limitação, apenas a instrução e a educação oferecem uma saída. Esse livro autobiográfico conta duas histórias imbricadas: a do declínio de minha visão, por um lado, e outra paralela, de minha construção intelectual como pesquisador, professor e escritor. Minha cegueira progressiva me aproximou de todos que vivem alguma forma de dificuldade ou injustiça.
Todos meus trabalhos falam disso.
Mas eu não quero por isso dramatizar meu caso. Há situações muito piores do que a minha. Penso com frequência no grande Jorge Luis Borges que escreveu que não deixou a cegueira abatê-lo. Tento modestamente seguir esse caminho. Com a ajuda de meus próximos eu leio, viajo, escrevo etc., e tenho a sensação de viver uma vida (quase) normal enquanto intelectual.
O mais importante para mim não é suscitar compaixão, mas ser lido e julgado por meu trabalho.
Resistiu quem conseguiu um pedaço de pão.
Resistiu quem deu aula às ocultas.
Resistiu quem escreveu e distribuiu um jornal clandestino,
advertindo e pondo fim às ilusões.
Resistiu quem introduziu secretamente um Sefer Torá.
Resisitiu quem falsificou documentos “arianos” que salvaram vidas.
Resistiu quem conduziu os perseguidos de uma terra a outra.
Resisitiu quem descreveu os acontecimentos e enterrou o papel.
Resistiu quem ajudou aos mais necessitados ainda.
Resistiu quem pronunciou as palavras que trouxeram seu próprio fim.
Resistiu quem se ergueu com mãos nuas contra seus assassinos.
Resistiu quem transmitiu mensagens entre os sitiados,
e conseguiu trazer instruções e algumas armas.
Resistiu quem sobreviveu.
Resistiu quem combateu armado nas ruas das cidades, nas montanhas e florestas.
Resistiu quem se revoltou nos campos de extermínio.
Resistiu quem se rebelou nos guetos, entre os muros caídos,
na revolta mais destituída de esperança que algum ser humano jamais vivenciou.
Abba Kovner
Recordemos de nossos irmãos e irmãs, as casas na cidade e nos campos,
As barulhentas ruas da aldeia como um rio
E o pequeno bar solitario no caminho
O anciao pelos tracos de sua face
A mae pelo seu sueter
A jovem por suas tranças
O bebê
As milhares comunidades de Israel e suas familas humanas
Todas as coletividades judias
Que sucumbiram no extermínio nas mãos do assassino nazista.
Aquele que berrou de repente e por seu berro morreu.
A mulher que abracou seu bebê perto de seu coracao e seus ombros despencaram.
O bebê cujos dedos procuram o mamilo da mãe e este esta azul de frio.
As pernas
As pernas que pediram refugio e ja nao havia mais saida.
Aqueles que fecharam suas mãos em punhos
E os punhos que envolveram o ferro
E o ferro que se transformou em uma arma de esperança, desespero e rebelião
Aqueles de coração generoso
Aqueles de olhos perspicases
Aqueles que se arrojaram sem possibilades de salvar.
Recordemos o dia.
O meio dia.
O sol que ascendeu sobre o foco sanguento
O ceu alto e mudo
Recordemos os montes de cinzas sob os jardins floridos.
Recorde os vivos seus mortos
Porque eles nos enfrentam
Com seus olhares alredor
E não vai cessar, não cessará até que sejamos dignos de sua memória
Do hebraico – Nelson Rosembaum