Não, claro que não é. Da mesma forma que Islamismo não é terror nem sexo é promiscuidade nem dinheiro é necessariamente o produto da exploração do homem pelo homem. O que sim é verdade é que existem sionistas racistas, e muçulmanos terroristas, e não poucos degenerados sexuais, e não menos capitalistas sem entranhas. No saber e querer diferenciar a uns dos outros, os doentes de ódio dos sãos de espírito, os inimigos mortais dos amigos leais, é onde reside a principal qualidade que nos faz diferentes dos irracionais. Hitler e Torquemada, Mussolini e o Mufti al-Husseini, não o souberam nem o quiseram, e por isso nos legaram como herança a ignomínia das suas idéias, a sem-vergonhice dos seus atos, e bastantes páginas negras da nossa História escritas com o sangue inocente das suas vítimas. Hoje e agora, as minorias fundamentalistas islâmicas, judias e cristãs, tropeçando de novo na mesma pedra, transitam por igual caminho em direção ao mesmo precipício. O fundamentalismo islâmico, com os seus ataques suicidas, que além de matar judeus inocentes da forma mais covarde concebida pela mente humana, salpicam com esse sangue a honra e a imagem da sua própria religião, já que o nome de Alá fica irremediavelmente associado a essa barbárie cometida em seu nome. O fundamentalismo judeu, organizado em seitas religiosas e gangues laicas, ao tentar impor suas loucas idéias de um deus vingativo e exclusivo, e de um Grande Israel Bíblico do ponto de vista territorial, ao qual o povo judeu renunciou expressamente ao assinar a partição da Palestina, usando para tal fim não apenas o discurso ou a propaganda, mas as armas e o assassinato dos líderes do Estado de Israel (começaram com Rabin). O fundamentalismo cristão, incitando ao ódio às outras religiões e apoiando e aplaudindo a tortura dos inimigos de seu deus todo-poderoso, transformando o conflito numa guerra santa contra o Islã, e o exército dos Estados Unidos em Soldados do Cristianismo (por analogia, os novos cruzados). Compete a todos os que não nos deixamos arrastar por slogans pré-fabricados ou por medos manipulados pelos porta-vozes do além, enfrentar-nos a esse tudo ou nada que eles propõem, construindo uma estrada transitável que conduza à concórdia e não ao cemitério; a bom porto e não ao naufrágio da esperança. Visto isso, só resta então formular a pergunta do milhão: afinal, o que é sionismo?... A minha modesta resposta a esse enorme interrogante começa no início do túnel do tempo, quando o povo judeu abandonou a terra prometida por razões alheias à sua vontade (ou sumir ou sucumbir). Durante milênios então, o sionismo hibernou no útero de uma frase simples, representando apenas a verbalização de um desejo irreprimível, um sonho condensado em poucas e premonitórias palavras: no ano que vem em Jerusalém (be shaná haba’á birushaláim, em hebraico). E assim o sionismo, que nem mesmo sabia que esse era o seu verdadeiro nome, vivia e sobrevivia em estado latente dentro dessa simples frase que foi passando de geração em geração, de boca em boca, de coração a coração, até um dia qualquer do um ano qualquer do século XIX, em que alguns judeus decodificaram a vontade de grande parte da diáspora de voltar para casa, considerando que havia chegado a hora de traduzir a mensagem genética contida na pequena frase herdada, à linguagem dos fatos, propondo táticas e estratégias que permitissem transformar o exílio imposto em retorno; a prece milenar em pátria. E foi assim que esse sionismo ganhou nome próprio, sobrenome comum e um projeto de viabilização, começando então a construção de uma ponte que unisse o sonho herdado à realidade possível. Era o começo do fim do desarraigamento para todos aqueles que assim o quisessem, ainda que as resistências não fossem poucas nem banais, já que a maioria do Establishment religioso se opunha (e ainda o faz depois de tantos anos de independência) esgrimindo argumentos paridos na diáspora, sem qualquer relação com os livros sagrados, segundo os quais o retorno só será permitido com a chegada do Messias. Essa foi a razão pela qual o Sionismo pioneiro foi fundamentalmente laico, e ainda o é, apesar de ter deixado de ser um projeto virtual para transformar-se no Estado de Israel real. Não o Israel maximalista dos fundamentalistas, mas sim o Israel possível dos realistas. Indivíduos primeiro e grupos depois, foram pouco a pouco desembarcando do navio do tempo nos portos da velha pátria, e iniciaram a empreitada, plantando famílias no deserto e nas cidades; secando pântanos e sobre eles implantando produtivas fazendas coletivas; erigindo escolas para todos os alunos, hospitais para todos os doentes e prisões para todos os criminosos. Isso é sionismo: o puro e simples direito de reconstruir a casa nacional sobre parte do território primitivo e nela acolher a todos os que desejarem fazer a viagem de volta (as fronteiras – não o esqueçamos - foram democraticamente aceitas pelos representantes do povo de Israel, renunciando a qualquer reivindicação de territórios fora dos limites aprovados). Hoje, entretanto, constatamos com pesar e temor, que no corpo do Estado de Israel crescem e se multiplicam pequenos tumores malignos cujas metástases comprometem seriamente a saúde do país. É o tal do hiper-sionismo ou mega-sionismo, inspirado no fundamentalismo religioso radical, aliado a uma visão fundamentalista laica de extrema-direita, de ignorar todo o trabalho feito para a construção do Estado de Israel, das suas leis, das suas fronteiras, das assinaturas nos acordos internacionais, do respeito aos direitos humanos de todos os humanos, com a malsã intenção de implantar a pátria bíblica dos contos de fadas, tanto no que respeita à sua dimensão territorial (expulsando a milhões de palestinos de suas terras e anexando-as) quanto à imposição de um Estado clerical ao estilo das repúblicas islâmicas mais retrógradas. E isso – que não caiba nenhuma dúvida ao respeito - não é sionismo. Isso é pura e simplesmente anti-sionismo, e deve ser combatido por todos aqueles que vêm no Estado de Israel (e não na terra de Israel) a tradução fidedigna do sonho gerado e gestado pelo povo judeu ao longo dos séculos no seu caminhar diaspórico. O sionismo é um direito e não um dever, e o Estado de Israel é o fecho de ouro dessa travessia de ida e volta do povo judeu. Bruno Kampel, Suécia |