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Desliguem o Gerador da Violência Israelense -Palestina

08 | 08 | 2014 » David Grossman

  

 

Um Israel sem Ilusões

Israelenses e palestinos estão aprisionados no que parece cada vez mais com uma bolha, selada hermeticamente. Ao longo dos anos, dentro dessa bolha, cada lado tem desenvolvido justificativas sofisticados para todos os atos cometidos.

Israel pode alardear que nenhum país no mundo se absteria de responder a incessantes ataques como os realizados pelo Hamas, ou à ameaça representada pelos túneis escavados a partir da Faixa de Gaza para dentro de Israel. O Hamas, por outro lado, justifica seus ataques contra Israel, argumentando que os palestinos ainda estão sob ocupação e que os moradores de Gaza estão definhando sob o bloqueio imposto por Israel.

Dentro da bolha, quem pode criticar os Israelenses por esperararem que seu governo faça tudo o que puder para salvar as crianças do kibutz Nahal Oz, ou qualquer uma das outras comunidades adjacentes à Faixa de Gaza, do ataque de uma unidade do Hamas que possa emergir de um buraco na terra? E qual é a resposta aos habitantes de Gaza que dizem que os túneis e foguetes são as suas armas que restaram contra um poderoso Israel? Nesta bolha cruel e desesperada, ambos os lados estão certos. Ambos obedecem à “lei da bolha” – a lei da violência e da guerra, da vingança e do ódio.

Mas a grande questão, à medida que se intensificam, não é sobre os horrores que ocorrem todos os dias dentro da bolha. É a seguinte: Como ainda estamos juntos sufocados dentro desta bolha há mais de um século? Esta questão, para mim, é o ponto crucial deste último ciclo sangrento.

Como não posso pedir ao Hamas, nem pretendo compreender a sua linha de pensamento, peço aos líderes do meu próprio país, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e seus predecessores: Como vocês podem ter desperdiçado tantos anos desde o último conflito sem iniciar o diálogo, sem mesmo fazer o menor gesto em direção ao diálogo com o Hamas, sem tentar mudar a nossa realidade explosiva?

Por que, ao longo destes últimos anos, Israel tem evitado negociações sensatas com os setores moderados e mais conversáveis do povo palestino – o que também poderia ter servido para pressionar o Hamas? Por que vocês ignoraram, por 12 anos, a iniciativa da Liga Árabe que poderia ter recrutado estados árabes moderados com o poder de impor, talvez, um acordo com o Hamas? Em outras palavras: Por que é que os governos israelenses têm sido incapazes, por décadas, de pensar fora da bolha?

A rodada atual entre Israel e Gaza é de alguma maneira diferente. Por trás da belicosidade de uns poucos políticos que alimentam as chamas da guerra, atrás do grande show de “unidade nacional” –  em parte autêntico, mas na maior parte manipulador quanto à condução desta guerra, direcionando a atenção de muitos israelenses para os mecanismos que mentem com base no “patriotismo” e repetição mortal da “situação”.

Muitos israelenses que se recusaram a reconhecer o estado real das coisas, estão agora vendo o ciclo de violência fútil, vingança e contra-vingança. E estão vendo o nosso reflexo: uma imagem clara e sem adornos de Israel, como um Estado brilhantemente criativo, inventivo e audacioso que por mais de um século foi movendo o Gerador de um conflito que poderia ter sido resolvido anos atrás.

Se colocarmos de lado, por um momento, as lógicas que usamos para nos apoiar contra a simples compaixão humana pela a multidão de palestinos cujas vidas foram destruídas nesta guerra, talvez sejamos capazes de ver como eles, também, movem o Gerador de Violência bem do nosso lado, em conjunto, em infinitos círculos cegos, num desespero anestesiante.

Eu não sei o que os palestinos, incluindo os moradores de Gaza, pensam realmente neste momento. Mas tenho a sensação que Israel está crescendo. De modo infeliz, doloroso, rangendo seus dentes, e mesmo assim amadurecendo – ou, melhor, sendo forçado a isso. Apesar das declarações beligerantes de políticos exaltados e especialistas, além da investida violenta de bandidos da direita contra qualquer pessoa com opiniões diferentes, a opinião dominante do público Israelense está ganhando sobriedade.

A esquerda está cada vez mais consciente do potente ódio contra Israel – um ódio que não surge apenas a partir da ocupação – e do vulcão fundamentalista islâmico que ameaça o país. Também reconhece a fragilidade de qualquer acordo que possa ser alcançado aqui. Mais pessoas de esquerda entendem agora que os medos da direita não são mera paranóia, que eles precisam lidar com uma ameaça real e crucial.

Espero que, à direita, também, exista agora um reconhecimento maior – mesmo se for acompanhado por raiva e frustração – dos limites da força; do fato de que, mesmo um país poderoso como o nosso, não pode simplesmente agir como quiser; e que na época em que vivemos não há vitórias inequívocas, apenas uma “ilusão de vitória”, na qual podemos facilmente ver a verdade: que na guerra há apenas perdedores. Não há solução militar para a angústia real do povo palestino e, enquanto a asfixia sentida em Gaza não for aliviada, nós em Israel tampouco seremos capazes de respirar livremente.

Os israelenses sabem disso há décadas, e por décadas temos nos recusado a realmente compreendê-lo. Mas, talvez, nesta vez entendamos um pouco melhor. Talvez tenhamos um vislumbre da realidade de nossas vidas a partir de um ângulo ligeiramente diferente. É um entendimento dolorido e ameaçador, mas há que poderia ser o início de uma mudança. Pode despertar para os Israelenses o quanto é crítica e urgente a paz com os palestinos, e como esta também pode servir de base para estabelecer a paz com os outros Estados Árabes.

 

Bibi e Lieberman não nos representam

Bibi e Lieberman não nos representam

Pode-se trazer de volta a paz –um conceito tão desacreditado aqui nos dias de hoje – como a melhor opção, a mais segura, disponível para Israel.

Será que uma compreensão semelhante emergirá do outro lado, no Hamas? Não tenho como saber. Mas a maioria palestina, representada por Mahmoud Abbas, já decidiu a favor da negociação e contra o terrorismo. Será que o governo de Israel, depois desta guerra sangrenta, depois de perder tantos jovens e pessoas queridas, continuará a evitar e ao menos tentar essa opção? Será que continuará a ignorar o Sr. Abbas como elemento essencial para qualquer resolução? Será que continuará descartando a possibilidade de um acordo com palestinos da Cisjordânia, que poderia gradualmente conduzir a um relacionamento melhor com os 1,8 milhões de moradores de Gaza?

Aqui em Israel, assim que a guerra acabar, devemos começar o processo de criação de uma nova parceria, uma aliança interna que deverá alterar o conjunto de grupos de interesses estreitos que nos controla. Uma aliança daqueles que compreendem o risco fatal de continuar a alimentar o Gerador de Violência.  Aqueles que compreendem que nossas fronteiras não mais separam judeus de árabes, mas as pessoas que anseiam por viver em paz daqueles que se alimentam, ideologicamente e emocionalmente, da continua violência.

Acredito que Israel ainda tenha uma massa crítica de pessoas, tanto de esquerda como de direita, religiosos e seculares, judeus e árabes, capaz de se unir – com sobriedade e sem ilusões – em torno de alguns pontos de concordância para resolver o conflito com nossos vizinhos.

Há muitos que ainda “lembram do futuro” (uma frase estranha mas precisa neste contexto) – o futuro que desejam para Israel e para a Palestina. Há ainda – mas quem sabe por quanto tempo – pessoas em Israel que entendem que se afundarmos na apatia de novo, estaremos deixando a arena para aqueles que nos arrastarão, febrilmente, para a próxima guerra, incendiando qualquer ponto de conflito na sociedade.
Se não fizermos isso, iremos todos – Israelenses e palestinos, com os olhos vendados, as cabeças curvdas em estupor, colaborar com a desesperança – continuando a alimentar o Gerador de Violência –  que esmaga e corrói nossas vidas, nossas esperanças e a nossa humanidade.

DAVID GROSSMAN – veterano ativista do Movimento PAZ AGORA - é o autor, mais recentemente, de “Falling Out of Time” (Caindo fora do Tempo”). Seus outros livros incluem “Até o fim da Terra”, (“To the end of the Land”), “Morte como um modo de vida” (“Death as a Way of Life”) e “O Vento Amarelo (“The Yellow Wind”).

 

Publicado originalmente em 27 de julho de 2014 no  The New York Times e traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR (www.pazagora.org) .

 

[ Publicado no NEW YORK TIMES em 27/07/2014 e traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]

Amanhã 9/8 - 20h

Manifestação pela Paz na PRAÇA RABIN, Tel Aviv

Saiamos do caminho da Guerra!

A Solução é Política

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Uma janela para um futuro diferente [ David Grossman ]

 

Uma janela para um futuro diferente – חלון לעתיד חדש

05 | 08 | 2011 » David Grossman

Na tarde do sábado de 30 de julho, enquanto nos manifestávamos em Jerusalém, olhei ao meu redor e vi um rio de gente que percorria as ruas. Havia milhares de pessoas que levaram anos sem fazer ouvir suas vozes, que haviam abandonado toda esperança de mudança, que se haviam fechado em seus problemas e sua desesperança.

 

” Pela primeira vez em décadas, há um programa comum humano e cívico ”…” A ocupação é o que mais ajuda o fracasso do sistema de alerta social “…” Faz tempo que não falamos entre nós e, mais anda, que não escutamos ”.

 

Não lhes foi fácil unir-se aos jovens ruidosos providos de alto-falantes. Quem sabe pela timidez própria de pessoas pouco acostumadas a levantar a voz, sobretudo em meio a um coro de gritos. Às vezes, tinha a impressão de que nos olhávamos assombrados e incrédulos, sem crermos em tudo o que saída de nossas bocas.

 

Éramos de fato aquela turba, aquela multidão indignada, que levantava o punho como havíamos visto fazer em Tunis, Egito, Síria e Grécia? Queríamos se-lo? Falávamos sério quando gritávamos ” revolução! “? O que ocorreria se o conseguíssemos e os laços que mantinham unida nossa frágil nação se desfizessem? E se os protestos e as paixões se transformassem em anarquia?

 

David Grossman

David Grossman

E então, depois que começamos desfilar, algo começou a percorrer nossas veias: o ritmo, a energia, o sentimento de unidade. Não uma unidade que nos intimidasse ou nos esmagasse. Era uma unidade heterogênea, diversificada, familiar e individual ao mesmo tempo, uma unidade que nos proporcionava um forte sentimento: aqui estamos, fazendo o que é devido. Finalmente.

 

Mas aí chegou a desolação: onde estivemos até agora? Como permitimos tudo isto? Como nos pudemos resignar a que o governo, eleito por nós, tenha convertido nossos sistemas de educação e saúde em um luxo? Por que não gritamos e protestamos, quando o Ministério de Economia esmagou os trabalhadores sociais em greve e, antes deles os incapacitados, os sobreviventes do Holocausto, os anciãos e os aposentados? Como é possível que, durante anos empurramos os pobres e os famintos para uma vida de humilhações sem fim, em refeitórios sociais e outras instituições de beneficência?

 

Como é possível termos abandonado os trabalhadores estrangeiros à mercê de pessoas que os perseguiam e os vendiam como escravos de todo tipo, inclusive sexuais? Por que nos acostumamos à rapina das privatizações, que provocou a perda da solidariedade, da responsabilidade, ajuda mútua, o sentimento de pertencer a uma mesma nação?

 

Certamente, semelhante apatia se deveu a muitos motivos, mas, na minha opinião, a ocupação é o fator que mais contribuiu para o fracasso dos sistemas de controle e alerta na sociedade israelense.

 

Os setores mais doentes e perversos da nossa sociedade saíram à superfície, enquanto nós, talvez por temor de enfrentar a realidade das nossas vidas, dedicávamo-nos com grande prazer a todo tipo de coisas concebidas para embrutecer nossos sentidos e ocultar esta realidade. De vez em quando, ao se olhar no espelho, alguns se sentiam satisfeitos pelo que viam. Outros estremeciam. Mas, mesmo estes últimos, diziam: bem, o que vai se fazer. Suspiravam e punham a culpa na “ situação ” [o conflito árabe-israelense], como se fosse o nosso destino ou um decreto das alturas.

 

Mais ainda, deixamos a TV comercial preencher o vazio da nossa consciência coletiva e passamos a nos definir em função de lutas pela sobrevivência e comportamentos depredadores. A atacarmos uns aos outros sem piedade e a depreciar qualquer um que fosse mais fraco, o diferente, o menos belo, menos rico ou menos preparado.

 

Havia anos que não falávamos entre nós, e mais tempo ainda que não escutávamos. Ao fim e ao cabo, numa atmosfera de ganância e egoísmo, como não iríamos atacar os demais e pulverizá-los, se isto é precisamente o que nos ensinam a cada momento. Salve-se quem puder!

 

Quanto mais nos esgotávamos negando sem cessar a realidade, mais convidávamos a opressão, a manipulação e o embrutecimento de nossos sentidos. E nos fomos convertendo em vítimas de uma política secreta – e eficaz – de dividir para vencer.

 

De modo que uma coisa levou a outra, e nossas reflexões honradas sobre o destino o a fatalidade diminuíram até ficar em pelejar por “ quem ama o Estado de Israel e quem o odeia “,… “ quem é leal e quem é traidor “,… ” quem é um bom judeu ”, em vez de ” quem se esqueceu de que é judeu ”; Qualquer discussão racional está hoje coberta por uma capa de sentimentalismo, o sentimentalismo patriótico e nacionalista do farisaísmo e o vitimismo. A possibilidade de fazer uma crítica inteligente da situação foi se reduzindo e Israel, que hoje atua e se comporta com seus cidadãos de maneira totalmente contrária aos valores e ideais que, em outro tempo, davam-lhe seu caráter extraordinário e o oxigênio que respirava.

 

Jerusalém 24/07/2011

Jerusalém 24/07/2011

 

Não obstante, de repente, e contra todas as predições, algo se despertou. A gente esfrega os olhos e começa a se abrir a este algo, ainda indefinível e imprevisível, até indescritível, mas que está adquirindo forma através de slogans resgatados, como “o povo exige justiça social! ” e “ queremos justiça, não caridade ” , e outros sentimentos recuperados de épocas anteriores.

 

Existem no ar indícios de uma provável processo de cura, um ‘tikkun’ e, pela primeira vez em muito tempo, voltamos a nos respeitar, como cidadãos individuais e como povo de Israel.

 

Este despertar está cheio de força, mas também de ingenuidade, e nos pode embriagar. É tentador deixar-se levar pela euforia, ante tudo o que inspirou esta virada dos acontecimentos, nos iludirmos de que, uma vez mais, estamos derrubando uma velha ordem até seus pés. Mas não é exatamente isto: a velha ordem não estava tão mal. Teve suas grandes conquistas que, entre outras coisas, permitem que o movimento de protesto expresse suas aspirações e que pelo menos algumas delas se façam realidade.

 

Por isto é imperativo que esta luta utilize uma linguagem distinta da de outras lutas anteriores que este país já teve. Acima de tudo, a luta deve se basear no diálogo, para que sejamos sócios, e não agentes de interesses estreitos e egoístas; pessoas de princípios, e não oportunistas sectários. Para não vivermos segundo o versículo ” cada um em sua tenda, Israel “.

 

Esta é a única maneira para que este movimento siga tendo o imenso apoio da população com o qual tem contado até agora. O caráter ligeiramente confuso do movimento é precisamente o que faz possível que os distintos grupos reunidos conservem suas próprias opiniões políticas diferentes ao mesmo tempo que compartem – pela primeira vez em decênios- um programa comum humano e cívico, que nos torna orgulhosos de pertencer a esta comunidade. Quem, em Israel, pode permitir-se o luxo de renunciar a bens tão escassos?

 

Este movimento de protesto e seus ecos nos oferecem uma oportunidade de aproximação entre distintos elementos da sociedade que não se comunicavam há gerações: religiosos e laicos; árabes e judeus; membros de classes sociais distintas e distantes.

 

Neste processo de identificar o que tem em comum e o que podem conseguir, inclusive a direita e a esquerda podem empreender um diálogo mais realista e abrangente: por exemplo, sobre a apatia da esquerda ante os que tiveram que se realocar após a retirada de Gaza, uma ferida aberta entre os colonos. Tal diálogo talvez possa ainda salvar o que for possível do conceito de solidariedade, que um país em nossa situação não pode deixar desaparecer.

 

300.000 nas ruas de Tel Aviv

300.000 nas ruas de Tel Aviv

 

Em outras palavras, podemos encontrar este movimento de protesto nas palavras do poeta Amir Gilboa -” Um día, um homem desperta pela manhã e sente que é uma nação, e começa a caminhar ” , e continuando como o poema: ” E a todos os que encontra pelo caminho, diz: “ Que a paz esteja contigo! ”.

 

É fácil criticar a evolução deste movimento recém-nascido e lançar dúvidas sobre ele. Sempre é mais simples encontrar motivos para não fazer algo audacioso e definitivo. Mas quem escutar as batidas dos corações dos manifestantes – não só no boulevard Rothschild e Tel Aviv, mas também nos bairros pobres do sul da cidade, e nos de Jerusalém, Ashdod, Haifa e Beit Shean- perceberá que se abriu uma janela para um futuro diferente.

 

Este é o momento propício para que aconteça algo assim e, para grande surpresa de todo o mundo, a gente, por fim, está verdadeiramente aderindo à causa. Talvez seja isto o que queria dizer a jovem que se aproximou de mim na manifestação de Jerusalém e me disse: “ Olhe. Ainda faltam líderes, mas o povo já está aqui “.

 

 

David Grossman é um dos mais premiados escritores israelenses e veterano ativista do Movimento PAZ AGORA.

 

[ Publicado no Yediot Achronot em 05/08/2011 e traduzido por Moisés Storch para o PAZ AGORA|BR ]

 
        >> Leia mais DAVID GROSSMAN em http://www.pazagora.org/autor/david-grossman/

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