Assim que soube que o enterro de Eyal Ifrach, Gil-ad Sha’er e Naftali Fraenkel seria em Modi’in, cidade onde eu moro, não tive dúvidas de que eu estaria lá.
Toda a tragédia que tomou conta das nossas vidas nas últimas três semanas mexeu comigo profundamente. Desde o momento em que surgiram os boatos de um sequestro, eu não conseguia pensar em outra coisa. Checava notícias o tempo todo, lia tehilim (salmos), postava atualizações no Facebook para tentar compensar o descaso da mídia internacional, ajudava a divulgar na diáspora a campanha #BringBackOuyBoys, comprava e entregava doações para os soldados trabalhando na operação de resgate. O sentimento era uma mistura de dor, angústia, tristeza, indignação, impotência.
Sentia muita pena das famílias dos jovens, e ao mesmo tempo, muita admiração. Que mães corajosas! Quanta fé! Quanta força! Como elas conseguiram discursar na reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, com tamanha eloquência e auto-controle?
Mas desde o início do episódio, uma coisa já me chamava a atenção: a comoção nacional e a união do povo. Eram tantas demonstrações de solidariedade e tanta vontade de ajudar! Religiosos e laicos acompanhando, rezando, cantando, acendendo velas de Shabat, assando chalot (tradicional pão de Shabat), recolhendo doações aos soldados, participando de manifestações virtuais e presenciais. Enfim, todos os corações e mentes dos israelenses pareciam estar em sintonia.
No dia 30/06, por volta de 20:30, eu estava fazendo compras quando ligaram o rádio do supermercado. A primeira coisa que ouvi foi algo como “… e agora vamos falar com x-y-z que foi quem encontrou os jovens”. Por um momento, achei que Eyal, Gil-ad e Naftali tinham sido encontrados vivos e resgatados, mas logo depois percebi que não era nada daquilo e que o pior tinha acontecido. Silêncio sepulcral no mercado, funcionários se preparando para fechar as portas. A partir daí, minha televisão passou a ficar ligada horas e horas seguidas e o meu sono foi para o espaço. Que tristeza. Que indignação. Que raiva.
Por isso, quando soube que o enterro seria na minha cidade, senti uma obrigação moral de participar. O enterro estava marcado para as 17:30. As 17:00 sai de casa em direção a um dos pontos na cidade de onde sairiam ônibus para transportar as pessoas até o cemitério. Muitas ruas estavam fechadas e carros particulares não tinham permissão para estacionar dentro do cemitério.
Quando cheguei ao tal ponto de encontro, vi dezenas de pessoas esperando debaixo do sol. Os ônibus não estavam conseguindo absorver tanta gente. Então, alguns perguntaram a um dos policiais quanto tempo levariam para chegar se fossem a pé. Diante da resposta do policial de que seria mais ou menos uma hora, disseram: “Ok, me explique o caminho”. A determinação deles me contagiou e resolvi andar de volta até o carro e dirigir até o ponto mais próximo possível. O resto do trajeto eu faria a pé. Não queria perder a cerimônia de jeito nenhum. Dei carona para dois amigos e um estranho. Depois de estacionar o carro, ainda andamos mais 30 minutos e seguimos por uma trilha no meio do mato para cortar caminho.
De repente, quando o mato terminou, olhei para frente e vi um mar de gente. Caramba, quanta gente! Em uma procissão silenciosa, as pessoas continuavam a chegar num fluxo incessante. Apesar de já ter passado das 18:00, o calor era quase insuportável. De repente, encontramos um repórter do Jornal Nacional, que acabou entrevistando a mim e a minha amiga. Perguntou sobre o que nos levou até lá e se haveria diferença entre a violência do Brasil e a dos terroristas em Israel. “Somos um povo só e quando dói em um, dói em todos. Toda a violência é ruim, não importa onde. Nesse caso, os meninos foram mortos simplesmente por serem judeus.” A entrevista não foi ao ar até onde eu sei, mas ficamos todos muito impressionados com a coincidência.
O enterro ainda não havia começado porque o corpo de um dos jovens estava preso no trânsito, tamanha era a quantidade de gente indo em direção ao cemitério. Enquanto subíamos mais uma ladeira, a ambulância passou do nosso lado. Tristeza.
Conseguimos avançar só mais um pouco, porque todos os espaços estavam tomados de gente. O máximo que conseguíamos era ouvir os discursos através de alto-falantes. Depois descobrimos que até isso foi um privilégio, já que a quantidade de pessoas atrás de nós não parou de crescer e de lá nem o alto-falante dava para escutar.
Chefes de Yeshivá, Rabino-chefe Sefaradi, Rabino-chefe Ashkenazi, Primeiro-Ministro, Presidente. Foram discursos emocionados e emocionantes, mas nada foi mais doloroso do que ouvir os pais dizendo o kadish (reza para os enlutados) para os filhos. A nossa volta, lágrimas corriam soltas nos rostos de dezenas de milhares de pessoas que nem sequer conheciam as famílias.
Pessoas ofereciam água a desconhecidos, pessoas ofereciam carona a desconhecidos, pessoas ofereciam todo o tipo de ajuda a desconhecidos. Depois soube que 60 mulheres da cidade de Beit Shemesh se voluntariaram para serem babysitters da crianças de Talmon, povoado onde vivia a família Sha’er. O objetivo era que os amigos dos pais de Gil-ad pudessem ir ao enterro. Incrível.
Esse espírito de amor e união foi o que saiu de positivo dessa história tão triste. Quase todas as figuras públicas que discursaram tocaram nesse ponto, assim como os familiares. Eu senti isso na pele. Onde há dois judeus, há três opiniões. Mas definitivamente um só coração. Que o nosso povo continue cada vez mais unido e forte, não só nas horas difíceis, mas em todas as horas. Amen.
Karen Rosental Nigri é carioca, economista e sionista. Chegou a Israel em abril de 2009 e atualmente vive com seu marido, filho e filha em Modi’in, cidade localizada no meio do caminho entre Jerusalém e Tel Aviv
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