No período do primeiro e segundo templos, o Yom Kipur tinha um conteúdo único, bem diferente do atual. Era uma cerimónia longa e mística, com detalhes impressionantes, realizada pelo Cohen Hagadol (sumo sacerdote). O foco central do ritual era o Kipur, que literalmente significa “ato de arrependimento pelo pecado”. Que pecado seria esse?
O pecado do Bezerro de Ouro.
Com certeza, esse foi um episódio de grande impacto para os nossos antepassados. Moshê subiu o monte para receber as tábuas com as leis, e o povo, impaciente com a demora de seu regresso, começou a adorar o Bezerro de Ouro.
A tragédia aumenta quando Chur, filho de Míriam, irmã de Moshe, decide enfrentar sozinho essa delicada situação. Chur, corajoso, se pôs de pé num lugar de onde todos pudessem escutá-lo e bradou: "Será essa a gratidão por todos os milagres que D'us realizou para nós?”. E exclamou: “Parem! Moshê voltará. E mesmo que não volte, não lhes está permitido fazer imagens. Custe o que custar não os deixarei fazê-las!".
Chur pagou com a vida, foi assassinado.
O pecado da adoração do Bezerro de Ouro e o assassinato de Chur, o Justo, passaram a integrar o DNA do povo de Israel. Dois episódios que jamais poderão ser esquecidos.
Nesse cenário dramático de traição e morte, foi criado o Yom Kipur.
É importate colocar os tempos bíblicos em perspectiva se quisermos compreender as nossas atuais tradições. No período do primeiro e segundo templos, o Cohen Hagadol vinha a público confessar os seus pecados e os de sua família e fazia uma drasha (um sermão), no qual ele lembrava o povo de Israel do pecado do Bezerro de Ouro.
A cerimônia incluía uma limpeza geral do templo. O povo não desempenhava qualquer papel especial nessa cerimônia de Yom Kipur, a não ser a obrigação de estar presente e jejuar durante todo o dia, como forma de ratificar sua fidelidade ao D´us Único.
De acordo com a Mishná, o povo de Israel chegava ao templo antes do nascer do sol e era obrigado a tomar um banho ritual para se purificar e poder participar como ouvinte desse momento sagrado. Somente em Yom Kipur, o Cohen Hagadol podia entrar no templo (o Sagrado do Sagrado). Antes, porém, ele tomava um banho ritual e vestia uma roupa branca, diferente da colorida e adornada com pedras de uso diário. Para entrar no templo, ele era amarrado por uma corda. Acreditava-se que a energia que emanava da Arca da Aliança era tão forte que talvez o Cohen Hagadol não regressasse. Ele primeiramente acendia incenso e, depois entrava no Sagrado do Sagrado.
Esse era o momento máximo do Yom Kipur. Pode-se dizer que era uma experiência mística de perigo. E de grande impacto. Todo o povo de Israel observava em silêncio solene, apreensivo, na expectativa de ver o Cohen Hagadol sair com vida do Sagrado do Sagrado. Sua saída significava que o Todo Poderoso havia aceitado o arrependimento pelos pecados e danos.
A Mishná cita a saída do Cohen Hagadol do Sagrado do Sagrado como "uma bênção para todo o povo de Israel", um sinal de que os pecados do povo haviam sido expiados e perdoados.
Após a destruição do segundo templo e com o fim da autonomia judaica na terra de Israel, o trabalho do sumo sacerdote deixou de existir. Para sobreviver, o judaísmo precisou recriar cerimônias e cultos que substituíssem as cerimônias e os sacrifícios do templo. Tudo o que conhecemos hoje em dia do judaísmo foi recriado pelos nossos sábios .
O jejum de Yom Kipur foi um imperativo especial que manteve sua originalidade desde os tempos bíblicos. Nessa data, a atenção é transferida das necessidades físicas para a contemplação do eu interior e a transformação desse dia em “reshbon nesfesh” (ou seja, prestar conta com sua alma). A combinação de jejum e oração, que marca a data, aparece na Bíblia como as duas ações para eliminar amarguras.
Muitos dos historiadores acreditam que o antigo Kol Nidrei foi criado pelo rabino Yitzchak de Tirana. Essa oração tem origem na Babilônia, e deve ter sido escrita em aramaico, a língua comum daquela região.
Na Ibéria, entre os séculos V e VI, vamos ter a versão mais próxima da que adotamos hoje. Isso aconteceu no período do rei Ricardo, que decretou o fim do judaísmo em seu reino .
Muitos judeus tiveram que renegar sua fé, ficaram entre a cruz e a fogueira. Foi daí que surgiram os criptojudeus. Eles mantiveram em segredo a sua identidade judaica e adotaram o Kol Nidrei.
Esses criptojudeus se reuniam secretamente e faziam a oração do Kol Nidrei (todos os votos) em nome dos judeus forçados a abandonar sua fé, e então declaravam nulos todos os juramentos que haviam sido impostos a eles.
Essa foi a tradição dos judeus de Espanha e Portugal que se espalhou mundo afora com a fuga de muitos judeus da Península Ibérica. Essa passará a ser uma oração especial que fazemos até hoje em Yom Kipur .
Outra oração que foi criada, Avinu Malkeinu,( Pai Nosso Rei Do Universo) também teve origem no Talmude babilônico. Muitos a atribuem a rabino Akiva. Na verdade, trata-se de um grito de suplício. E, todos os anos, ela é dita também como forma de pedir perdão por nós, por nossa família e pela humanidade.
Quem quiser, pode criar o seu Avinu Malkeinu em Yom Kipur. Compartilho o meu aqui com vocês:
Avinu Malkeinu, ilumine os meus caminhos, me conceda saúde, paz e realizações também para meus filhos e netos.
Avinu Malkeinu, envie sabedoria e inspiração para curar a falta de espiritualidade, benevolência e compaixão da humanidade.
Avinu Malkeinu, abençoe todos aqueles que lutam pela vida e desejam o fim das guerras e da violência.
Avinu Malkeinu, receba e ouça as nossas orações pela paz de Israel e de todos os povos.
Avinu Malkeinu, ilumine os caminhos para que possamos construir uma vida melhor para todos, com direito a educação, saúde e bem-estar social.
Avinu Malkeinu, assinamos o livro da vida para toda a humanidade.
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