Embora ainda modesto, ativismo contra ocupação dos territórios palestinos tenta fazer frente à apatia da população
Protestos contra o governo atraem intelectuais como o escritor David Grossman e incitam palestinos a abrir mão da resistência violenta
MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
Sara empunha o megafone. Sharon esmurra um bumbo. Alon distribui panfletos. Diante deles, uma fileira de policiais os impede de chegar a Sheikh Jerrah, bairro árabe de Jerusalém que virou foco de atritos desde que palestinos foram despejados para dar lugar a judeus nacionalistas, em agosto.
Os três jovens fazem parte de um grupo diminuto -mas persistente- de israelenses que decidiu levar para a linha de frente do conflito seu protesto contra a ocupação dos territórios palestinos. Enfrentam a polícia, o gás lacrimogêneo e a indiferença geral que os cerca.
O som dos megafones e bumbos tem pouca ressonância em Israel, onde predomina um silencioso consenso em torno do status quo. Mas as manifestações têm atraído um número crescente de insatisfeitos, entre eles proeminentes intelectuais do país, como o escritor David Grossman.
"Em outubro, na primeira passeata, éramos uns 30", diz Sara Benninga, 27, que grita no megafone palavras em hebraico, árabe e inglês contra a ocupação judaica de Jerusalém Oriental. "Hoje somos centenas. Não é muito, mas mostra que o círculo está crescendo."
Embora as manifestações semanais tenham atraído alguma atenção, sobretudo a estrangeira, chamá-las de um movimento é prematuro. Por enquanto, são um ponto isolado no mapa político de Israel.
Nos anos 90, o chamado "campo da paz" levava milhares de pessoas às praças de Israel, dando sustentação popular aos primeiros acordos de paz assinados com palestinos. Parecia que o conflito caminhava para uma solução. Até que, no fim da década, o processo desandou.
Para muitos israelenses, os sangrentos atentados suicidas palestinos foram o início da desilusão. Em 2000, logo após o colapso das negociações entre o premiê Ehud Barak e Yasser Arafat, a segunda intifada (revolta) palestina mergulhou a esquerda israelense numa paralisia que persiste até hoje.
Desde então, o campo da paz não para de perder terreno.
Entre 1992 e 1996, auge do processo de paz, a bancada esquerdista formada tinha 56 deputados, quase metade das 120 cadeiras do Parlamento. Hoje ela está reduzida a 16.
Gershon Baskin, veterano pacifista, diz que a retórica do governo israelense de que os palestinos não são parceiros para um acordo foi usada para sabotar um entendimento e justificar a ocupação.
Mas ele lembra que hoje muitos líderes palestinos reconhecem que o terror os afastou da meta de criar um Estado.
Por isso, Baskin vê com otimismo a estratégia de resistência não violenta que a Autoridade Nacional Palestina tem defendido ultimamente, e que inclui parcerias com os jovens judeus que protestam em Jerusalém Oriental e em aldeias palestinas divididas pelo muro de separação israelense.
"Os palestinos perceberam que precisam conquistar corações e mentes israelenses, e que a não violência é o melhor caminho para isso", diz Baskin.
Protestos como o de Sheikh Jerrah têm se tornado mais frequentes. Em Bilin, pequena aldeia palestina na Cisjordânia que foi praticamente dividida pela cerca israelense, os protestos já duram cinco anos.
"Woodstock político"
Apesar do gás lacrimogêneo lançado pelo Exército, o clima é geralmente leve, de confraternização. Uma espécie de "Woodstock" político, como definiu um participante.
Vendedores de sorvete disputam a atenção com os ativistas que distribuem panfletos.
A professora israelense Michal Shahar, 42, conta que sofre pressão das filhas adolescentes para ir aos protestos. "As amigas vão, levam os pais, e elas pedem o mesmo", diz.
Mesmo com pouca chance de mudar o quadro político, os ativistas israelenses insistem em que há uma obrigação moral.
"Quando venho aqui não estou pensando no efeito que isso vai ter", diz David Grossman em Sheikh Jerrah.
"Venho porque não posso ficar de braços cruzados."
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