Para especialista, Oriente Médio sem bomba é ilusão
Historiador compara metas da revisão do TNP com "universo paralelo"
Israelense Avner Cohen diz que trato Brasil-Irã-Turquia é um "mau acordo, risível e que foi obtido por amadores"
MARCELO NINIO
DE JERUSALÉM
O plano de criar uma zona livre de armas nucleares no Oriente Médio -incluído no acordo que concluiu a revisão do Tratado de Não Proliferação Nuclear- é só um exercício vazio de retórica, sem nenhuma chance de implementação no mundo real. A avaliação é do historiador israelense Avner Cohen, que ficou conhecido por ter quebrado o pacto de silêncio em torno do arsenal atômico de seu país, por meio de livros e artigos que mapearam o mais sigiloso programa nuclear do planeta.
Folha - Qual a importância do documento aprovado na ONU na última sexta-feira?
Avner Cohen - Em última análise, o documento não tem nenhuma relevância na realidade.
Israel continuará fora do TNP, e os EUA continuarão a apoiá-lo nisso. A vitória do Egito [ao ganhar apoio na demanda de que Israel assine o TNP] não muda muita coisa na prática, e suspeito que terá pouco impacto político no mundo real.
De certa forma, a conferência de revisão é um universo paralelo. Foi importante para o governo Obama terminar a conferência em um tom positivo, pois ela é parte de sua agenda de desarmamento e de fortalecimento do TNP.
A aspiração a um Oriente Médio livre de armas nucleares é realista?
A menos que haja mudanças dramáticas no mapa político da região -ou seja, o fim do conflito árabe-israelense e o reconhecimento de Israel por parte dos países árabes - não haverá um sério movimento em direção a um Oriente Médio livre de armas nucleares.
Enquanto Israel mantiver sua política nuclear opaca, há pouca chance de haver uma discussão séria sobre o assunto. A política de Israel não vai mudar tão cedo. Portanto, essencialmente são apenas palavras, já que [o acordo] não abre a porta para ações significativas.
Como vê a política de ambiguidade nuclear de Israel?
Já foi adequada no passado, mas se tornou incompatível com a realidade do século 21, em que há crescente demanda por transparência.
O objetivo era permitir que Israel desenvolvesse e mantivesse suas capacidades sem criar fricção e confronto com o resto do mundo.
Hoje é do interesse de Israel encontrar uma forma de ser claro em relação à questão nuclear -por razões domésticas fundamentais, como a democracia e a prestação de contas, e também para se alinhar às normas internacionais.
Em última análise, Israel deveria ser tratado como o que é: um Estado com armas nucleares.
Mas estou em minoria: a maioria dos israelenses ainda apoia a política de ambiguidade.
Qual a capacidade nuclear de Israel?
Israel não se pronuncia, e não sei nada definitivo. A Inteligência americana mantém o tema vago, mas a suposição mais comum é que o país tenha algo entre 60 e 100 [bombas], talvez 200.
Como avalia o pacto Irã-Brasil-Turquia?
É um mau acordo, que foi obtido por amadores com o objetivo de descarrilhar o trem das sanções na ONU.
Uma manobra para permitir que o Irã ganhasse tempo. Nem o premiê da Turquia nem o distinto presidente do Brasil têm experiência em negociações nucleares.
É um acordo risível feito por amadores tentando marcar pontos na arena internacional.
Superficialmente o acordo se parece com a proposta de outubro de 2009, mas na realidade tem muitos buracos e temas não resolvidos.
O sr. diz que o Irã, mesmo que tenha a bomba, não a usará contra Israel. Por quê?
Acho que o Irã não produzirá a bomba se não for atacado. O país quer se posicionar muito perto da bomba, mas não necessariamente produzi-la. Não pensa em sair do TNP ou fazer um teste nuclear. Mas mesmo se fizesse isso, o Irã não seria uma ameaça a Israel porque sabe a consequência disso: seria destruído.
E não por Israel, mas pelos Estados Unidos.
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