Ao olhar para o espelho, por vezes Pawel ainda consegue ver um skinhead neonazi, o homem que era antes de cobrir a cabeça rapada com um solidéu, trocar a ideologia fascista pela Tora e renunciar à violência e ao ódio a favor de Deus.
"Ainda luto todos os dias para pôr de lado as minhas ideias do passado", assume Pawel, um judeu ultra-ortodoxo de 33 anos e antigo camionista, registando, com alguma ironia, que teve de deixar de odiar os judeus para se tornar num deles. "Quando olho para uma foto antiga de quando eu era skinhead, sinto vergonha. Todo os dias faço o teshuvah", garante, utilizando a palavra hebraica para arrependimento. "Todos os minutos de todos os dias. Há muito para ser reparado."
Pawel, que usa também o nome hebraico Pinchas, pediu que o seu apelido não fosse revelado, com medo que os seus antigos amigos neonazis lhe possam fazer mal, a ele ou à sua família.
Vinte anos após a queda do comunismo, Pawel é talvez o exemplo menos provável do revivalismo judaico em curso na Polónia, numa altura em que os líderes judaicos dizem que o país está finalmente a mostrar sinais sólidos de que o anti-semitismo radical do passado está terminado.
Antes de 1939, a Polónia tinha mais de 3 milhões de judeus, dos quais mais de 90% foram mortos pelos nazis. A maioria dos sobreviventes emigrou. Dos menos de 50 mil que permaneceram na Polónia, muitos abandonaram ou esconderam o seu judaísmo durante as décadas de opressão comunista, em que persistiram os pogrons políticos contra os judeus.
Hoje, no entanto, Michael Schudrich, o principal rabino da Polónia, considera a Polónia o país mais pró-Israel da União Europeia, afirmando que a atitude do Papa João Paulo II, um polaco, que chamou aos judeus "os nossos irmãos mais velhos", entrou finalmente na consciência do público.
Dez anos depois da revelação de que 1600 judeus da cidade de Jedwabne foram queimados vivos pelos seus vizinhos polacos, em Julho de 1941, Schudrich diz que o mito nacional de que todos os polacos foram vítimas da Segunda Guerra Mundial foi por fim destruído.
"Antes de 1989 havia o sentimento de que não era seguro dizer 'sou judeu'", nota Schudrich. "Porém, duas décadas depois há o sentimento crescente de que os judeus são um povo em falta na Polónia. O nível de anti-semitismo permanece inaceitável, mas a imagem dos polacos assassinos presente na consciência de muitos judeus após a guerra não corresponde à Polónia de 2010."
O pequeno revivalismo judeu está há vários anos em curso por toda a Europa de Leste. Centenas de polacos, a maioria deles criados como católicos, estão a converter-se ao judaísmo e a descobrir as suas raízes judaicas, escondidas durante décadas em consequência da Segunda Guerra Mundial.
Nos últimos cinco anos a comunidade judaica de Varsóvia cresceu de 250 para 600 famílias. Os cafés e bares do velho bairro judeu de Cracóvia enchem-se de jovens judeus convertidos a ouvir hip hop israelita.
Michal Pirog, um bailarino e estrela de televisão popular na Polónia, que proclamou recentemente as suas raízes judaicas na televisão pública, admite que a revelação lhe rendeu mais fãs que inimigos. "A Polónia está a mudar", explica. "Sou judeu e sinto-me bem com isso."
A transformação de Pawel de skinhead e católico baptizado para judeu começou num bairro lúgubre de caixotes de betão em Varsóvia, nos anos 80, onde Pawel e os amigos reagiram à uniformidade torturadora do socialismo abraçando o anti--semitismo. Raparam as cabeças, começaram a andar com facas e cumprimentavam-se entre eles com a saudação nazi.
"Oy vey! (exclamação de desalento em ídiche, a língua dos judeus da Europa Central no segundo milénio). Tenho de admitir que espancávamos judeus locais, miúdos árabes e sem-abrigo", afirma Pawel em plena sinagoga de Nozyk. "Cantávamos sobre temas estúpidos como Satanás e matar pessoas. Acreditávamos que a Polónia devia pertencer apenas aos polacos."
Um dia, recorda, ele e os amigos faltaram à escola e apanharam o comboio para Auschwitz, o campo de morte nazi, perto de Cracóvia. "Fizemos piadas, desejando que a exposição fosse maior e que os nazis tivessem morto ainda mais judeus", conta.
Mesmo depois de ter abraçado a vida de neonazi, Pawel diz ter sofrido com a ideia de que a sua identidade fora construída sobre uma mentira. O seu pai, muito devoto, citava ostensivamente o Velho Testamento. O avô deixava pistas sobre segredos familiares do passado.
"Uma vez, quando disse ao meu avô que os judeus eram maus, ele explodiu e gritou-me: 'Se voltar a ouvir tal coisa sob o meu tecto, nunca mais aqui voltas!'"
Pawel alistou-se no exército e casou com uma camarada skinhead aos 18 anos. Mas a consciência de quem era mudou irreversivelmente aos 22 anos, quando a sua mulher, Paulina, desconfiou que Pawel tinha raízes judaicas: foi a um instituto de genealogia e descobriu os avós maternos de Pawel num registo de judeus de Varsóvia, juntamente com os seus próprios avós.
Quando Pawel confrontou os pais, revela, eles cederam e contaram-lhe a verdade. A sua avó materna era judia e sobrevivera à guerra porque um grupo de freiras a escondeu num mosteiro. O seu avô paterno, também ele judeu, teve sete irmãos e irmãs, a maior parte dos quais pereceu no Holocausto.
"Fui ter com os meus pais e perguntei-lhes que história era aquela. Não fui capaz de me ver ao espelho durante semanas", recorda. "Os meus pais eram típicos descendentes de judeus, que decidiram esconder a sua identidade judaica para proteger a família."
Abalado pela descoberta, Pawel passou semanas em clausura e reflexão atormentada, mas acabou por vir ao de cima um desejo forte de se tornar judeu, talvez até ortodoxo. Reconhece que se sente atraído pelos extremos. Conta que a sua transformação foi árdua, como um renascimento. Forçou-se a reler o "Mein Kampf" ("A Minha Luta", de Adolf Hitler); no entanto, não foi capaz de chegar ao fim porque sentiu repulsa física.
"Quando perguntei a um rabino porque me sentia assim, ele respondeu: 'As almas adormecidas dos teus antepassados estão a chamar por ti.'"
Foi circuncidado aos 24 anos. Dois anos depois decidiu tornar-se ultra-ortodoxo. Ele e a mulher estão a criar os dois filhos num lar judaico.
Pawel diz ser discriminado pelos mesmos anti-semitas que antes o acolhiam nas suas fileiras. "Quando os jovens me vêem na rua com o meu chapéu e os caracóis de lado, por vezes riem-se de mim", conta. "Mas as piores são as velhas. Às vezes usam a mesma linguagem que eu tinha quando era skinhead e dizem 'volta para o teu país' ou 'vai para casa, judeu!'"
Pawel está a estudar para ser shochet, a pessoa encarregada de matar animais de acordo com os ritos judaicos. "Sou bom com facas", explica.
Com Joanna Berendt
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