Espírito dos protestos no Oriente Médio contagia Israel. Inspirados nas revoltas do mundo árabe, israelenses fazem manifestações contra alto preço de moradia, comida e itens básicos.
As barracas estão alinhadas no canteiro central da avenida mais elegante de Tel Aviv. Há dezenas delas, povoadas por uma mistura de personagens: desempregados ao lado da elite artística, homens seminus em chapéus de palha ao lado de mulheres em minissaias. Em torno deles estão cartazes de protesto ("O único lugar para se viver é o cemitério") e pontos designados para se cozinhar ou usar a internet.
Seis meses após a Praça Tahrir do Cairo se tornar sinônimo de transformação na região, outra cidade do Oriente Médio tem sido atingida por protestos organizados no Facebook com potencialmente graves consequências políticas. Mas aqui em Israel, onde os acampamentos urbanos começaram a surgir há uma semana e continuam a se multiplicar, a questão não é democracia, mas a situação do consumidor, especialmente na compra de moradia, alimentação e outros bens básicos.
E embora os vizinhos árabes de Israel tenham sido historicamente culpados pelos problemas do país, agora alguns estão chamando-os de “inspiração”.
Foto: NYTAmpliar
Manifestante usa o computador em protesto convocado pelo Facebook em Tel Aviv, Israel (18/07)
"Judeus religiosos gostam de pensar em si como uma luz para as nações, o que significa que os outros vão aprender conosco. Mas desta vez temos aprendido com as nações ao nosso redor que a mudança pode vir do poder do povo", disse Moshe Gant, 35 anos, analista de negócios que veio com seu bebê apoiar os manifestantes.
Embora as questões econômicas também tenham pesado nos levantes árabes, a questão que preocupa Israel é bastante específica: o custo e a disponibilidade da moradia. Nas últimas semanas, preocupações semelhantes foram levantadas sobre o preço do queijo cottage e da gasolina. Juntas, essas questões têm criado uma aliança entre a esquerda tradicional e a direita e estão sendo vistas como ameaça ao governo estável do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu.
O governo e o Parlamento reagiram rapidamente, prometendo a construção de milhares de unidades habitacionais, juntamente com um conjunto de alterações para acabar com a burocracia e pressionar os proprietários a expandir o mercado (através de medidas “venda e ganhe bônus” e “não venda e pague impostos”). Como em outros lugares na região, várias forças políticas se uniram ao movimento. Ainda não está claro se as promessas irão satisfazer os manifestantes ou alimentar a sua indignação
"Esta é a primeira vez que em vez de lutar contra os árabes estamos lutando por alguma coisa – a nossa vida e a de nossos filhos", disse Eldad Yaniv, um organizador veterano da esquerda que chegou ao protesto em Tel Aviv alguns dias depois de seu início e armou 30 tendas idênticas com outros ativistas. "As velhas direita e esquerda estão desaparecendo. Este país precisa de uma nova esquerda, o seu próprio Novo Acordo”.
Ronen Shoval, fundador e presidente do grupo de extrema-direita Im Tirzu, estava perto dali e disse que seu grupo estava presente porque um de seus objetivos era o de construir uma sociedade forte e saudável.
Para o ministro das finanças de Israel, o surgimento desta nova cultura de protesto está acontecendo em um momento ímpar, em que os dados macroeconômicos do país estão melhores que nunca e oferecem um grande contraste com os problemas de grande parte do mundo nos últimos anos.
Em uma entrevista em seu escritório de Jerusalém – localizado em um prédio cuja entrada era bloqueada por uma dúzia de manifestantes – o ministro das Finanças, Yuval Steinitz, do governante Partido Likud, observou que a taxa de desemprego de Israel é de 5,8%, a menor em 25 anos e cerca de metade daquela registrada na Europa. Sua moeda, o shekel, é forte. Suas exportações superam as importações. O país está atraindo investidores estrangeiros, especialmente no setor de alta tecnologia.
E uma inovação proposta por Steinitz, um ex-professor de filosofia com pouca experiência econômica, parece estar provando seu valor. Israel agora cria o seu orçamento de Estado por dois anos em vez de um, o único país no mundo a fazer isso.
O Fundo Monetário Internacional escreveu recentemente uma carta a Steinitz dizendo que via a mudança "como fundamental para o sucesso da nova regra fiscal" pois evita onerosas negociações anuais e permite uma execução mais eficiente. Autoridades na Europa e em Washington disseram a Steinitz que estão considerando a abordagem.
Alguns economistas argumentam que é o próprio sucesso de Israel que está alimentando os protestos, a sensação de que Israel pode estar crescendo, mas a maioria de seus cidadãos não está.
"O público israelense tem a sensação de que o crescimento maravilhoso sobre o qual ouve falar não chega à maioria das pessoas", disse Avi Simhon, um economista da Universidade Hebraica de Jerusalém. "Quanto mais falamos do sucesso da economia israelense, mais vamos ver isso. Se tivéssemos 9% de desemprego as pessoas não iriam se preocupar com o preço do queijo cottage”.
Muitos israelenses disseram que durante muitos anos eles aceitaram a ideia de passar dificuldades como um país jovem que lutava para crescer. Eles viviam em apartamentos minúsculos apenas com o básico. Mas hoje, o produto interno bruto de Israel é de US$ 31 mil per capita, comparável ao da Espanha e Itália, e o país tem sido bem recebido na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o clube de quase três dezenas dos países mais ricos.
No entanto, a diferença entre ricos e pobres em Israel é a maior entre estes países, assim como o número de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza. Os grupos em dificuldades são na sua maioria judeus ultraortodoxos e árabes, ambos com famílias grandes e empregos de baixos salários. Além disso, quase todos foram afetados pelo aumento dos aluguéis decorrentes de uma queda na construção civil, seguido de uma torrente de habitação disponível quando as taxas de hipoteca caíram.
Os últimos protestos começaram com uma página no Facebook criado por uma jovem de 25 anos de Tel Aviv chamada Daphni Leef, que pediu a todos para se juntarem a ela com barracas no Boulevard Rothschild, em Tel Aviv, uma região graciosa e histórica perto do teatro nacional do país.
Eles chegaram na quinta-feira e foram se multiplicando não apenas ali, mas em outras cidades também. Na terça-feira, a primeira página do jornal Yediot Aharonot, um dos maiores do país, foi dedicada ao fenômeno. "Barracas por todo o país", anunciava a manchete com fotografias de grupos em Sderot, Kfar Saba, Beersheba e Ramat Gan, além de Tel Aviv.
As dificuldades dos consumidores de Israel provavelmente surge de uma série de fatores, incluindo o pequeno tamanho do país, a quantidade de produtores e o aumento de regulamentações e intermediários, dizem os economistas. Steinitz diz que espera criar concorrência incentivando mais importações.
Mas também parece claro que os protestos produziram resultados. Depois que o país esteve quase em pé de guerra por causa de um protesto criado no Facebook sobre o custo do queijo cottage – um produto consumido diariamente – há algumas semanas, as empresas reduziram o seu preço em 25%.
Como Yevgeny Chechel, um participante do acampamento, disse sobre o ministro das Finanças: "Diga a Steinitz que se ele estiver sentindo um terremoto, somos apenas de nós."
Por Ethan Bronner
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