Um poemiko

Faedor Judaicus

 

Quando à noite,

a sonolência deita e pesa sobre a rede de minhas pálpebras,

em reverência, eu curvo o rosto

e os meus lábios em devoção beijam a Torah que tenho ao lado de minha cama.

Então eu sinto

o cheiro simples do Shabat,

das velas acesas com sua luz bruxuleante e do calor qu'elas me fazem na oração,

das vestes da rainha noiva e das flores que lhe traz o seu Querido de Alma,

do vento vagaroso entre as árvores sem cheiro

no meu caminho de pés a Esnoga.

Aí, minh'ansiedade de melancólico sossega

e eu fico a desfrutar do cheiro dolente do Kidush,

cheiro do meu povo a escutar e a tentar

aprender

(conferindo no Midrash, no Rashi e no Baal haTurim)

as palavras perfumadamente repetidas

de Seu Isaac as parashiot

e do mar matutino de suas tevilot.

 

Chega mais tarde, o dias e o anoitecer

e eu continuo a sentir o cheiro anasalado

do meldar esforçado do moço pio

e do sorriso discretamente envergonhado

da moça que me fita ao lado da Arca

e exala o gracejo das flores de Shavuot.

 

Eu sinto o cheiro de cravo, arruda e gengibre

na caixinha de bessamim

que como o meu,

muitos narigões aduncos e aquilinos tentam aspirar

como o cheiro do "vinho do rabino" derramado no prato português,

onde ponho os dedos guardiões e patriarcais

que depois espalho pela testa morena amarelo-esverdeada,

a orelha e os bolsos na hora compenetrada de Habdalah.

 

Sim, sinto o cheiro do mito gigante da judeidade

que me é capaz de unir ao odor vazio de deserto paralisado

quando concordamos em ser perfumes

ao pé fumegante do Sinai.

Sinto o cheiro dos laranjais de Sefarad,

dos cajueiros do Camaragibe,

dos flüdens de pêssach da idish mamma ashkenazi,

dos olivais dos montes de Sião

qu'encachearam meus cabelos com o perfume de óleo para unção.

 

Eu sim, sinto o cheiro do Passado distante e profundo

que venho guardando desde pequeno nalgum lugar em mim,

que vazio preenche-se com o perfume semanal

de minh'alma adicional 

de um dia só.

E neste dia eu sinto o cheiro da roupa de Pai Jacó,

perfumada d'Éden

que é o cheiro que dou em D'us.

 

Nuno Brito

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