RE-CRUCIFICACAO DO JESUS-LOCOMOTIVA

          

(“Encerados Locomotiva : Melhor encerada não ha!” – Propaganda num vagão da Leopoldina)

 

 

 

 

Sábado de Aleluia.

Nem mesmo a festa da ressurreição de Jesus Cristo

Aplacou a incitada ira da molecada suburbana.

Tião do Jegue, mulato forte e coroinha e retardado;

Rindo, se babando, arrastava pelas ruas da Paróquia,

A parodia do espantalho do Judeu, que intacto: era

O epítome da tenacidade atávica dos genes semita que,

De corda apertada no seu pescoço Auschwitziano,

Era arrastado calado e aguentando a sua desdita de Judas,

E o Ariano Tião, odiando o semita gritava seu refrão:

 

Bate no Judeu - Ele mereceu!

Bate no Judeu - Ele mereceu!

 

Portas de casas, casinhas e casebres se abriam e,

Moleques já armados de porretes e cabo de vassouras,

Saiam em frenesi baixando o pau no Judeu pelas ruelas

De vala aberta e mentes fechadas, e Tião bradava,

Nas esquinas, cuspindo ao vento a sua baba, seu veneno:

 

Bate no Judeu - Ele mereceu!

Bate no Judeu - Ele mereceu!

 

E chovia cacete, apareceu um porrete e em seguida,

O infeliz Judas já era apedrejado pela crescente turba;

Chovia no espantado espantalho lajotas, calhaus de terra.

Britas, tijolos, cacos de telha, pragas, nome obscenos,

Medo, ignorância, intransigências, pontapés, sofismas,

Preconceitos, cusparadas, sofismas, ódios, caixotadas,

E escarradas verdes, amarelas azuis e branca, mas o

Judeu chato, raça doentia e malévola, Seca Nordestina,

Cheiro de Mijo no Pelourinho, Tripanossomo Crucis,

Enchente no Rio Doce, trazendo Impaludismo e Doença:

De Chagas nas chagas de Cristo, - sofria quieto na lona.

 

E mais ódio chovia, diante dos e meigos olhos

Do Padre Barbieri, em paz com deus e o seu mundo,

Depois duma garrafa de Conhaque de Alcatrão vagabundo,

De São João da Barra,

Manso sorria, perdoado pela bebida vagabunda,

Confortado por estudos arcanos,

Longas devoções e meditações vazias,

Que o envolvia como uma estranha batina negra,

A algum Iesus distorcido que o alienava com ódio

Institucionalizado, Jurado e sacramentado e

Com os devidos Autos da Fé,

Propriamente assinados,

Registrados, autenticados,

Com firmas desconhecidas, reconhecidas, e

Cuidadosamente arquivados - com

Com muitas testemunhas cegas,

Juradas no Cartório do Cão.

 

Bate no Judeu – Ele mereceu!

Bate no Judeu – Ele mereceu!

 

 

E continuava a versão terceiro-mundista, parodia:

Do Kristal- Nacht, melhor dito, do  Kristal-Morgen,

Mais correto a Zelplane-Morgen  mais pertinente a

Manha-dos-Encerrados

E a SS Macunaíma, paroquiana e surrealista,

Baixava o cacete no Judas,

Mas, o Encerado Locomotiva

Era forte e o Judeu resistia

E da Sacristia o neguinho Wagner,

De pés de casco e lábios leporinos aparece com

Um galão de Querosene Jacaré,

Padre. Barbieri passa o fósforo,

E sobe aos céus uma fumaça de crematório proletário,

Incenso fedegoso de capim, querosene, lona queimada,

Tropas de Marmita a carbonizar os semitas...

 

Terminado o espetáculo, volta à pobreza,

A vala, a rua fedorenta as casinhas pobres e o sono do cura.

Chegando a minha casa,

Ainda ponderava a desdita do

Pobre Semita que devia se chamar Eliakin

Por ser Sefaradin.

Com cara preta de fulgem,

Cheirando a querosene queimado,

Por minha mãe fui interpelado:

 “O que aconteceu?”

E meio chateado respondi:

“Acho que matei um Judeu”,

E confuso perguntei:

“Manhee, O Jesus era Português”?

“Claro que não filho”.

“Brasileiro”?

“Não filho”,

Ganhava tempo a mamãe atinando a resposta.

“ele era o que? Africano, Porto-riquenho, Americano ou Argentino”?

E a resposta foi severa:

“Argentino não - Jesus era Judeu.”

 

Minha Nossa Senhora da Penha, de Lurdes,

De Aparecida do

Norte e do Sul,

De Wagner e Padre Barbieri;

De Fátima,

Dos Navegantes,

De Tião,

Da Paróquia,

De Fátima,

Das Marias,

De todos nos e

De mim também,

E de toda a Vila Operaria,

Credo cruz

Jesus, Maria e Jose, manjedoura incluída,

Jesus Claridade valha-me

Com seu perdão!

Matei um Judeu de Lona,

Um Jesus-Locomotiva.

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