Richard Zimler
No início de Os Anagramas de Varsóvia, coloquei uma citação da personagem principal do romance, Erik Cohen, um psiquiatra idoso obrigado a mudar-se para o gueto judeu de Varsóvia a seguir à ocupação nazi da Polónia.
No mínimo dos mínimos, devemos aos nossos mortos o estatuto de Pessoa única.
Erik chega a esta compreensão da dívida que temos para com os nossos entes queridos enquanto escuta uma adolescente devastada cujo tio tinha acabado de ser assassinado. Sufocada pelas lágrimas, ela conta a Erik que o Tio Freddi, um aspirante a argumentista, estivera a trabalhar com uma estrela de cinema alemã num guião antes de ser internado no gueto. Erik fica muito comovido porque compreende como a rapariga precisa urgentemente que ele perceba que o tio era um indivíduo com esperanças, sonhos e medos. Por isso, escuta-a atentamente.
Qualquer pessoa que tenha sofrido com a morte de um grande amigo ou de um familiar sabe que ninguém iria alguma vez querer que uma pessoa amada fosse recordada apenas como um símbolo ou uma estatística. E todavia, aqueles que morreram no Holocausto tiveram, por vezes, a sua singularidade resumida a generalidades. Professores e historiadores, na tentativa de descreverem a magnitude desta tragédia, basearam-se com frequência — compreensivelmente — em factos e números. Obviamente, é vital ter um conhecimento claro e preciso da dimensão deste genocídio, mas este tipo de esforços não consegue, de modo geral, transmitir qualquer ideia daquilo que os judeus, ciganos e outros sofreram. Só uma história bem contada consegue fazê-lo, e é por isso que os romances e as memórias sobre este período são tão valiosos.
Estas considerações assumiram para mim um significado reforçado quando escrevi Os Anagramas de Varsóvia porque o livro é, em parte, sobre a vida quotidiana no gueto judeu de Varsóvia, uma secção da cidade com cerca de dois quilómetros quadrados e meio onde os alemães foçaram os judeus a viver a partir de Outubro de 1940. Chegaram a viver aí 450.000 pessoas, isoladas do resto do mundo por um muro de tijolo alto com uma vedação de arame farpado em cima.
Ao criarem esta «ilha» urbana judaica, os alemães esperavam condenar os seus residentes ao esquecimento — que o resto do mundo os esquecesse. E até certo ponto, conseguiram o seu objectivo. Mesmo hoje, quantos de nós conseguimos falar com alguma profundidade sobre uma pessoa ou uma família que lá viveram? Quantos de nós sabemos alguma coisa sobre as suas escolas ou o trabalho que faziam?
Por isso, parte do meu objectivo nos Anagramas de Varsóvia foi recrear o gueto, devolver a individualidade aos seus residentes — devolver-lhes a sua singularidade. Tentei fazer isso através das minhas personagens — através de Erik e dos outros. Na verdade, espero que quando os leitores ficarem a conhecer as suas fragilidades e os seus talentos, as suas derrotas e os seus triunfos, comecem a olhá-las como pessoas de carne e osso. Quero que aqueles que agarrem no meu romance sigam Erik na sua heróica – e perigosa – viagem. Quero que as pessoas saibam a pessoa notável que ele é.
Nos Anagramas de Varsóvia, Erik Cohen torna-se um dos muitos milhões perseguidos pelos nazis, mas ele também é muito mais do que isso. É um pai que se tenta redimir por ter negligenciado a filha quando ela era pequena. É um terapeuta empenhado e um amigo fiel. É resmungão quando está ensonado, é dado a gargalhadas ruidosas e é um fã dos Irmãos Marx e de Jazz. Demonstra uma coragem espantosa numa altura em que podia facilmente ter-se entregado ao desespero. E nos seus momentos mais difíceis, gosta de se sentar à janela do quarto, a fumar o seu cachimbo e a olhar para as estrelas. Gosta de imaginar que toda a natureza está do lado dos judeus na sua luta pela sobrevivência.
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