Faleceu no dia de ontem (24/01) Shulamit Aloni, aos 85 anos. Seu nome pode ser desconhecido para os leitores, Aloni não é noticiada pelos jornais israelenses há um tempo, afinal. Desde 1996 retirada da vida pública, suas aparições foram raras desde então, em geral quando publicou livros sobre o tema dos direitos humanos. Mas a repercussão de sua morte nos mostra que sua herança política é imensa: os diários eletrônicos Haaretz e Ynet publicaram uma longa lista de personalidades políticas que lamentaram seu falecimento e valorizaram seus feitos públicos: desde militantes do seu partido (Meretz), passando por políticos de outros partidos e movimentos sociais como Itzhak Herzog (Trabalhista), Dov Chanin (Chadash) e Yariv Oppenheimer (Paz Agora), passando por partidos de centro (Yesh Atid) até chegar a membros do Likud, como o Ministro da Defesa Moshe “Buggi” Yalon, que a citou como defensora da democracia, apesar das diferenças de opinião entre ambos.
Não seria para menos: Shulamit Aloni, filha de judeus poloneses, nasceu em Tel-Aviv em 1928 e foi membro do movimento juvenil sionista socialista HaShomer HaTzair. Participou da guerra de 1948 como membro do Palmach (força de elite da Haganá, principal milícia judaica na Palestina britânica), quando chegou a ser presa pelos jordanianos. Formou-se em direito na Universidade Hebraica de Jerusalém, e trabalhou como professora durante seus estudos. Posteriormente licenciou-se e pôde lecionar como profissão permanente.
No fim dos anos 1950, Aloni ingressou na juventude do Mapai (Partido Trabalhista Israelense), destacando-se pela defesa dos direitos humanos, e elegeu-se parlamentar entre 1961-65. Neste período popularizou-se por ser autora da lei que criou o Departamento de Reclamações do Público para auxiliar o “Mevaker HaMedina” 1. Descontente com os rumos do partido e desafeta de Golda Meir, desfiliou-se em 1973 e criou o partido Ratz (Partido dos Direitos do Cidadão), disputando as eleições de 1975 e alcançando três assentos na Knesset. Aloni foi um dos primeiros políticos no país a criticar a ocupação à Faixa de Gaza e à Cisjordânia, e a defender os direitos da mulher. Foi ministra sem pasta do primeiro governo Rabin (1974), mas retirou-se da coalizão quando os nacionalistas-religiosos (Mafdal) passaram a fazer parte da mesma.
Shulamit Aloni, desde então, destacou-se por uma feroz luta legalista a favor dos direitos humanos, que lhe renderam popularidade: em 1988 conseguiu que a Knesset descriminalizasse o homossexualidade no Código Penal. Na mesma década, conseguiu integrar o movimento Paz Agora ao seu partido, o que lhe rendeu popularidade. Em 1988 o Ratz conseguiu cinco cadeiras na Knesset, duas a mais que o antes popular Mapam.
Mas o mais relevante que fez Aloni foi reunir os três principais partidos que se posicionavam no campo da esquerda sionista e que faziam oposição ao governo de união nacional (Trabalhistas-Likud), criando o Meretz. Aloni foi uma das mentoras da fusão entre Ratz (seu partido, que destacava-se por defender os direitos humanos), Mapam (sionistas socialistas, enfraquecidos com a queda da URSS e a crise dos kibutzim) e o primeiro Shinui (que defendia a separação entre religião e Estado), que juntos deram origem ao atual Meretz. Aloni foi a número 1 do novo partido nas eleições de 1992, quando alcançaram a histórica marca de 12 assentos. Rabin, eleito primeiro ministro, a ofereceu o prestigiado cargo de Ministro das Relações Exteriores, recusado prontamente. Aloni preferiu ser Ministra da Educação, onde até hoje é considerada referência. Aloni questionou as viagens institucionais do ensino médio à Polônia, multiplicou a verba para a educação e reformou o currículo escolar (sobretudo no que se refere ao ensino de cidadania). Criticada pela direita religiosa e nacionalista, elogiada pelas esquerdas em geral, seu mandato é tema de estudos de acadêmicos até hoje. Após divergências com o Shas, foi convencida a renunciar por Rabin, que temia a queda de seu governo. Dando prioridade ao processo de paz, Aloni optou por assumir os Ministérios de Artes, Ciência e Tecnologia e de Comunicação no mesmo governo.
Após ser derrotada nas primárias do partido em 1996 por Yossi Sarid, Aloni decidiu não disputar mais eleições para a Knesset, mas não abandonou a luta por direitos humanos. Em 2000 recebeu o Prêmio Israel por suas contribuições para a sociedade israelense através de sua luta por direitos humanos. Autora de seis livros, mãe de três filhos, Shulamit era viúva desde 1988. Ontem faleceu e deixou órfãos seus milhares de seguidores ideológicos.
Durante a campanha que fiz para o Meretz nestas últimas eleições, um senhor passou por nós e disse: “eu não votarei este ano, mas se vocês me trouxessem de volta a Shulamit Aloni meu voto seria de vocês”. Minha companheira de militância lhe respondeu: “infelizmente não podemos mais trazê-la”. Ontem, de fato, eu tive esta certeza. Fica a impressão de que é necessário que a esquerda sionista se renove, e que apareçam mais nomes que defendam os direitos humanos como Shulamit Aloni. Antes que seja tarde demais.
Foto de capa retirada do site https://picasaweb.google.com/sfp.wasns/SukatAvelim
http://www.conexaoisrael.org/obrigado-por-tudo-shulamit/2014-01-26/joao