Diário de Guerra 9 - Judeus e muçulmanos – Jayme Fucs bar
Muitas vezes me pergunto como chegamos a esta situação atual de ódio e violência entre judeus e muçulmanos. A história nos mostra que essa relação foi muito melhor e mais tolerante do que a convivência entre judeus e cristãos.
O que causou essa mudança nos últimos 100 anos? Na cultura islâmica, a palavra "judeu" tornou-se, para muitos, um termo fortemente depreciativo, diferente do que foi no passado.
Muitos árabes israelenses muçulmanos com quem convivo aqui em Israel me dizem sempre que o radicalismo desses grupos islâmicos não representa o verdadeiro islamismo nem as palavras do profeta Maomé. Ouço isso com frequência e pergunto a elas por que não reagem contra esses grupos e a resposta é única: medo!
Eu sei que é difícil imaginar, mas os historiadores dizem que, na Idade Média, os judeus que viviam no mundo islâmico tiveram sua idade do ouro, pois foi um período de muita prosperidade, com amplo desenvolvimento da ciência, filosofia, medicina, matemática, etc. Me lembro dos vários escritos do grande líder árabe Saladino, nos quais ele descrevia os europeus de sua época como um povo de bárbaros, atrasados e ignorantes.
A mudança nas relações entre judeus e muçulmanos se deteriorou nos últimos 100 anos em consequência dos movimentos nacionalistas que ocorreram na Europa e entraram pelas portas dos fundos do Oriente Médio, principalmente com o fim do império otomano em 1917 e o domínio desse grande território por forças europeias, como a Inglaterra e a França.
A chegada das forças europeias não somente esfacelou os grupos e as estruturas tribais de toda a região, como deu surgimento a novas tendências no Oriente Médio e criou rivalidades. E sses grupos sofreram um forte impacto nos conceitos e valores, entre eles o nacionalismo ocidental, que vai se mesclar com os valores tradicionais e religiosos, criando o embrião do que seria futuramente o movimento nacionalista religioso fundamentalista, muçulmano ou judaico.
Essas potências, Inglaterra e França, retalharam todo esse grande território e criaram estados nacionais em função de seus interesses. Essa nova realidade exigiu uma revisão das escrituras sagradas que tiveram que ser adaptadas às ideias nacionalistas nascentes na região. Isso acontece dos dois lados, entre os judeus Kalisher primeiro e depois o Rav Kook: adaptam os escritos da Torá ao movimento sionista; ao passo que os árabes muçulmanos criam a irmandade muçulmana. A base dos dois é muito semelhante, pois revindicam direitos sagrados pelas terras de Israel.
Os judeus determinam que essas terras foram dadas aos judeus por Adonai e os muçulmanos afirmam que essas terras foram dadas aos muçulmanos por Alá.
Para quem não sabe, esse é o verdadeiro impasse religioso que trava qualquer tipo de paz entre árabes e judeus, em que cada qual acredita que Deus determinou essas terras para si e, portanto, eles têm o direito absoluto a ela, e se esquecem de que Deus determinou que a vida é mais sagrada que a terra.
Na história da humanidade, as religiões são reinventadas em função do tempo em que vivemos. Com certeza, se algum profeta de Israel ou Maomé se transportasse ao nosso tempo, não reconheceriam o que é o judaísmo ou o islamismo de hoje em dia.
As religiões sempre adaptam e interpretam seus livros sagrados de acordo com as mudanças que acontecem na história. Exemplo claro é o que aconteceu com essa relação entre judeus e muçulmanos, a atual situação de num abismo de guerras e intolerância em que judaísmo e islamismo vivem.
Se você procurar ler o que está escrito nas escrituras sagradas do Alcorão sobre os judeus, terá grandes surpresas. Não estou dizendo que tudo foi uma grande maravilha, mas jamais ocorreram as barbaridades que testemunhamos hoje. No Alcorão está escrito que Alá ordena que os muçulmanos amem o "povo do livro", isto é, os judeus e os cristãos. Está escrito que os muçulmanos reconhecem que o criador do mundo se revelou ao povo de Israel, e que no Monte Sinai, entregou-lhe a Torá. Eles também acreditam nos profetas de Israel e que suas palavras eram verdadeiras.
O Alcorão é claro: os muçulmanos têm o dever de amar o povo do livro e Alá se revelou ao povo de Israel.
Do início do islamismo até o fim do império otomano, essa era uma ordem que todos os muçulmanos deveriam cumprir. De fato, em grande parte desse longo período, foi isso o que aconteceu. O mundo islâmico foi um grande refúgio para as perseguições aos judeus na Europa cristã, principalmente no terrível período da Inquisição em Portugal e na Espanha.
Obviamente nem tudo foi um mar de rosa nesse longo período que mencionei. Em determinados momentos, também houve conversões forçadas dos judeus ao islamismo, pois o que mais machucava os muçulmanos nessa época era o fato de que os judeus se negavam a reconhecer a nova profecia de Maomé. .
É realmente curioso perceber a relação entre Maomé e os judeus. Está escrito no Alcorão que houve um grande sábio judeu com quem Maomé aprendeu muito. Em seus sermões, ele incentivava os árabes a acreditar no criador do mundo e na Torá de Moisés e sua moral.
A tradição islâmica também nos conta que a primeira esposa de Maomé, Khadijah, tinha um primo judeu chamado Ben Nofal. Quando Maomé era ainda um menino, ele fugiu de casa, Ben Nofal o encontrou e o levou de volta a casa. Depois, crescido, Ben Nofal foi seu professor.
O mais curioso é que, conforme a tradição xiita, Maomé disse que "seu nome é Ahmed Israel, e que os deveres que Deus impôs a Israel também se aplicam a ele".
O que muitos não sabem é que das várias esposas que Maomé teve, uma delas era judia. Seu nome era Safya e tinha 17 anos quando se casaram. Era muito bonita e culta, filha de Chaim Ben Ahitov, líder da comunidade judaica Bnei Nadir.
Fico aqui pensando no que Maomé pensaria hoje sobre essa confusa relação entre judeus e muçulmanos, e qual seria sua reação ao ver como modificaram os verdadeiros valores do Alcorão, que fala na obrigação de "amar o povo do livro".
Fonte: Por de trás do Alcorão Chai Bar Zeev 2010
2010 "מאחורי הקוראן" (הוצאת "דפים מספרים"), חי בר זאב