Nos anos que se seguiram à criação de Israel, em 1948, cerca de 900 mil judeus que viviam no mundo muçulmano foram forçados a abandonar os países onde viviam, deixando para trás séculos de história e bilhões de dólares em patrimônio. Comunidades que existiam por mais de dois milênios simplesmente desapareceram.
Edição 87 - Março de 2015
No entanto, até hoje, a história da expulsão desses judeus é praticamente desconhecida. Pouco se sabe sobre as humilhações, perseguições, pogroms, prisões e torturas sofridas por eles a partir de 1948, bem como as incontáveis dificuldades que tiveram que enfrentar até conseguirem refazer sua vida em outros países. Tampouco há consenso sobre o valor total de bens abandonados, ou melhor, sequestrados pelos vários governos muçulmanos. Os números oscilam entre US$ 10 e 100 bilhões (em valores de 2006).
Um dos grandes pontos de interrogação é o valor das propriedades comunitárias, tais como hospitais, sinagogas e escolas religiosas deixadas para trás. Para se ter uma ideia, uma estimativa sobre o montante das propriedades comunitárias judaicas no Egito gira em volta de US$ 550 milhões, em valores de 2007.
A verdade é que o drama vivido pelos judeus dos países muçulmanos não interessa à mídia nem ao mundo acadêmico, raros são os livros ou estudos que tratam do assunto e não há museus sobre a vida judaica no mundo islâmico. A expulsão dos judeus orientais tampouco interessa às organizações de direitos humanos, não sendo mencionada nos fóruns de debates sobre direitos de minorias perseguidas.
O próprio mundo judaico mostrou pouco ou nenhum interesse, durante décadas, sobre a história do fim da vida judaica no Oriente Médio muçulmano. Entre outros, a magnitude da Shoá e os mais de 6 milhões de judeus assassinados pelos nazistas sobrepujaram qualquer outra tragédia. Somente nos últimos anos a saga dos judeus dos países árabes tem atraído o interesse de pesquisadores e historiadores. Ademais, a segunda geração desses judeus tem começado a revelar o sofrimento vivido por seus pais.
Em Israel, a primeira cerimônia para lembrar o drama dos judeus orientais foi realizada no dia 30 de novembro ano passado, quase 70 anos após o ocorrido, em Jerusalém. O Knesset determinou que a partir de então, nessa data, sejam oficialmente lembrados a expulsão e o exílio dos judeus dos países muçulmanos. A data tem um significado especial, pois, foi em 30 de novembro de 1947, um dia após a aprovação da Partilha da Palestina pela Assembleia Geral das Nações Unidas, que, em vários países árabes, ocorreram os primeiros atos de violência contra a população judaica. Era o início do fim da vida judaica no Oriente Médio muçulmano.
Em discurso proferido durante a cerimônia realizada em Jerusalém, no ano passado, o presidente israelense Reuven Rivlin afirmou: “Este dia nos pede que recordemos... os tesouros culturais criados nessas comunidades judaicas dos países árabes e do Irã, e conheçamos o papel importante que desempenharam na criação do futuro comum hoje aqui entrelaçado como parte da história do Estado de Israel”. Rivlin fez um apelo aos países árabes e ao Irã para que devolvam aos judeus o patrimônio que lhes pertence. Ele ressaltou, ainda, que mais de dois terços desses judeus orientais foram para Israel, tornando-se cidadãos israelenses, apontando para o fato de que “Teerã, Alepo, Bagdá, Sana’a e Trípoli são locais onde os judeus israelenses não têm autorização de pôr os pés, e onde seus tesouros culturais e propriedades têm sido vandalizados e saqueados mais de uma vez”.
Pano de fundo
No Oriente Médio havia comunidades judaicas estáveis e pujantes desde o século 6 a.E.C, após a Babilônia conquistar o Reino de Judá, dando início à Primeira Diáspora – praticamente um milênio antes do surgimento do Islã, no século 7 de nossa Era.
Os 1.400 anos de história dos judeus sob domínio muçulmano foram marcados por períodos de paz e prosperidade e outros de opressão, dependendo da época, do local e do governante no poder. A situação da população judaica agravou-se de forma definitiva em todo o mundo islâmico com a ascensão do nacionalismo árabe, do sionismo e o acirramento do conflito sobre o controle da Terra Santa, na primeira metade do século 20.
Durante a década de 1930, o antissionismo e o antissemitismo que permeavam o mundo árabe foram alimentados pelo nazismo. Ao eclodir a 2ª Guerra, o mundo árabe se alinhou ideologicamente com a Alemanha. O exemplo mais flagrante foi dado pelo Mufti de Jerusalém, Haj Amin al-Husseini. O líder religioso muçulmano era grande admirador de Hitler, e passou os anos da 2ª Guerra em Berlim. O Mufti defendia a adoção pela Alemanha da “Solução Final” também no Oriente Médio.
Durante a 2ª Guerra, em vários países do mundo muçulmano, a população judaica foi vítima de violência e discriminação. No Norte da África, sob o domínio francês pró-nazista de Vichy, o governo implantou leis antijudaicas. No Iraque, em 1 e 2 de junho de 1941, após um fracassado golpe de estado pró-nazista, ocorreu em Bagdá um pogrom – ou Farhud, em árabe, que matou 180 judeus, ferindo inúmeros outros e causando grandes prejuízos às propriedades privadas e comunitárias. Ataques semelhantes foram registrados em outros países vizinhos. Na então Palestina as hostilidades aumentaram nos últimos anos do Mandato Britânico. No dia 2 de novembro de 1945, aniversário da Declaração Balfour, eclodiram manifestações violentas, assassinatos e destruição de sinagogas e propriedades judaicas no Cairo, em Trípoli e Alepo.
Mas, foi com a decisão da ONU da Partilha da Palestina e, em seguida, a criação do Estado de Israel que a natureza dos ataques contra judeus mudou. A perseguição tornou-se sistemática, planejada e patrocinada pelas nações árabes, que se negavam terminantemente a aceitar a criação de um Estado judeu lado ao lado de um Estado árabe.
Antes mesmo da decisão da ONU líderes árabes haviam passado a encarar os cidadãos judeus como reféns. Duas semanas antes da votação, Heykal Pasha, o delegado egípcio, disse em discurso à Assembleia: “A solução proposta poderá pôr em perigo milhões de judeus que vivem nos países muçulmanos. A Partilha da Palestina poderá criar nessas nações um antissemitismo ainda mais difícil de extirpar do que o nazismo. Se a ONU aprovar a divisão da Palestina, será responsável pelo massacre de um grande número de judeus”.
As ameaças árabes provocaram sérios temores. Em janeiro de 1948, o presidente do Congresso Judaico Mundial, Dr. Stephen Wise, fez um apelo ao secretário de Estado norte-americano, George Marshall, alertando que “entre 800 mil e um milhão de judeus no Oriente Médio e Norte da África correm o maior perigo de destruição em mãos dos muçulmanos que estão sendo incitados à guerra santa em virtude da Partilha da Palestina... Atos de violência já perpetrados, junto aos contemplados, claramente visando a total destruição dos judeus, constituem genocídio, que, sob as resoluções da Assembleia Geral, é um crime contra a humanidade”.
Em maio, dois dias após a Declaração de Independência de Israel, o jornal New York Times publicou a seguinte manchete: “Judeus em grave perigo em todas as terras muçulmanas: 900 mil na África e Ásia enfrentam a ira de seus inimigos”. O artigonoticiava um “esboço de um projeto de lei elaborado pelo Comitê Político da Liga Árabe visando definir o status dos judeus residentes nos países membros da Liga. O projeto determinava que todos os judeus – exceto aqueles que eram cidadãos de países não-árabes –, seriam considerados ‘membros do Estado da Palestina de minoria judaica’. Suas contas bancárias seriam congeladas e usadas para financiar a resistência às ‘ambições sionistas na Palestina’. Judeus suspeitos de serem sionistas seriam detidos e seus bens confiscados”. Enquanto o jornal ressaltava que “as condições podiam variar de um país muçulmano a outro”, também alertava sobre o potencial da escalada de violência: “Teme-se, entretanto, que, se uma guerra total eclodir, as repercussões serão muito graves para os judeus de Casablanca a Karachi”.
No dia 14 de maio de 1948, Ben Gurion proclamou a Declaração de Independência do Estado de Israel. No dia seguinte, os exércitos regulares do Egito, Jordânia, Síria, Líbano e Iraque invadiram o recém-fundado Estado judaico. Os governos árabes acreditavam que sairiam vitoriosos e rapidamente seus exércitos “jogariam os judeus no mar”. Estavam muito enganados.
Enquanto era travada a luta, nos países árabes as autoridades se voltaram contra os judeus de seus países que passaram a sofrer sistemáticas perseguições e humilhações. Ademais, foi criada, em todos os países, uma legislação discriminatória, altamente perniciosa, restringindo liberdades e direitos humanos dos seus cidadãos judeus.
Durante todo o ano de 1947 e 1948, os judeus da Argélia, Egito, Iraque, Líbia, Marrocos, Síria e Iêmen foram perseguidos e tiveram suas posses e suas propriedades confiscadas. Ademais, foram sujeitos a terríveis tumultos instigados pelos governos de seus países. Na Síria, irromperam pogroms anti-judaicos na cidade de Alepo, e o governo congelou todas as contas bancárias pertencentes a cidadãos judeus, tornando o sionismo crime passível de pena capital. No Egito, detonaram bombas no bairro judeu, matando dezenas de pessoas. Na Argélia, foram rapidamente promulgados decretos contra a população judaica e, no Iêmen, sangrentas pogroms anti-judaicos levaram à morte quase 100 membros da comunidade.
Há um consenso entre historiadores e pesquisadores de que o objetivo e a semelhança das medidas e dos ataques são uma clara indicação da existência de um modus operandi, sancionado e coordenado pela Liga Árabe, para forçar a saída dos judeus dos vários países. Foram adotadas medidas legais, econômicas e políticas com o objetivo de isolar os judeus, que, pouco a pouco se tornaram alvo de discriminação e isolamento socioeconômico legalizado. Entre outros, eram proibidos de atuar em vários setores da economia e, em muitos casos, valendo-se das desculpas as mais esfarrapadas possíveis, os governos confiscavam suas propriedades. Os ataques físicos se tornaram frequentes. Muitos foram presos, espancados, torturados e ameaçados de morte. Os poucos judeus que não deixaram rapidamente os países ficaram, num segundo momento, impedidos de sair e foram reduzidos a uma minoria sem direitos, sem liberdade e sua saída do país foi vetada. Para todos os efeitos, ficaram reféns dos governos dos países onde viviam.
Estudo sobre os refugiados judeus
In 2003, a organização “Justice for Jews from Arab Countries” (JJAC)1 publicou um estudo, Jewish Refugees from Arab Countries: The Case for Rights and Redress” (Refugiados Judeus dos Países Árabes: A Defesa de seus Direitos Pessoais e de Reparação).
O estudo, o primeiro do gênero, lançou uma nova luz sobre a natureza das pressões que forçaram 97% de todos os judeus dos países árabes a abandonar comunidades muito bem integradas em seus países de origem. No decorrer da pesquisa foram encontrados novos documentos que mostram que a crueldade generalizada dos governantes árabes com seus cidadãos de origem judaica foi uma represália à criação do Estado de Israel. Revelam, também, que foi uma perseguição patrocinada pelo governos dos países árabes, de forma consciente e metódica, orquestrada com um objetivo: o fim das comunidades judaicas nesses países.
O professor de Direito e ministro da Justiça canadense Irwin Cotler escreveu que a campanha árabe contra os judeus incluiu não apenas o incitamento e ataques esporádicos, como são descritos em vários estudos, mas foi mais sistemática do que se supunha e acompanhada pelo que ele definiu como “violação em massa dos direitos humanos... incluindo leis semelhantes às leis nazistas de Nuremberg contra os cidadãos judeus”. Atos que, segundo Cotler, ativista de direitos humanos, evidenciam a “intenção criminosa, senão mesmo a conspiração criminosa”. “Se olharmos para o planejado modelo estatal de repressão e para a legislação sistemática que criminalizou, cassou os direitos civis e se apossou dos bens dos judeus, concluiremos, então, que o que aconteceu faz parte dos anais da limpeza étnica”.
O caso dos judeus expulsos
Não há como negar que cada vez que se faz alguma referência aos “refugiados do Oriente Médio” está-se pensando apenas nos refugiados palestinos. Mas a verdade é que, em decorrência do conflito árabe-israelense, foram deslocadas tanto populações de árabes quanto de judeus, sendo os refugiados judeus numericamente superiores aos palestinos. Mais de 850 mil judeus foram obrigados a deixar dez países muçulmanos, enquanto, segundo fontes das Nações Unidas, 711mil árabes palestinos deixaram, em 1948, a zona de guerra entre os exércitos de cinco países árabes e as Forças de Defesa de Israel.
Diferentemente dos palestinos, os judeus não fugiram de áreas que eram zonas de guerra, mas o fizeram em decorrência de violentas e sistemáticas perseguições. Os primeiros êxodos em grande escala de judeus ocorreram no Iraque, Síria, Iêmen e Líbia. Cerca de 90% dos membros destas comunidades deixaram os respectivos países em poucos anos. O auge do êxodo do Egito ocorreu em 1956, logo após a Crise do Suez; e nos países do Magreb, nos anos 1960. Na década de 1980, foi a vez dos judeus do Irã deixarem o país.
Mais de 85 % desses judeus expulsos foram para Israel, o restante se estabeleceu no Líbano, até a década de 1970, quando tiveram que deixar esse país, na Europa e na América do Norte e do Sul. Os que foram para Israel foram amparados pelo recém- criado Estado, e os que se estabeleceram em outros países contaram com a ajuda de familiares, dos membros das comunidades e de organizações judaicas internacionais.
As dificuldades que tiveram que enfrentar para refazer a vida foram imensas. Muitos se viram sem nenhum ou com muito poucos recursos. A maioria tornara-se apátrida, sem passaportes válidos, pois os governos dos países árabes haviam cassado sua cidadania. Os que não foram para o Líbano, se estabeleceram em países de idiomas e hábitos diferentes. Mas, onde quer que se estabelecessem, seguiram em frente, recebendo a cidadania dos países nos quais se refugiaram, lutaram para se reerguer economicamente, reconstruindo suas vidas e suas comunidades.
Os que foram para Israel passaram por sérias provações. Grande parte chegava com poucos pertences, na maioria das vezes, uma única mala. É importante lembrar que o recém-criado Estado, além de ter que lutar uma guerra de sobrevivência contra seus vizinhos, enfrentava todo tipo de dificuldades econômicas e sociais e uma profunda crise habitacional. Entre 1948 e 1954 o fluxo de imigrantes dobrou a população de Israel e a triplicou no início da década de 1960. A magnitude do esforço de Israel para acudir os refugiados vindos da Europa pós-Holocausto e dos países árabes foi extraordinário. Um país de 650 mil habitantes conseguiu absorver uma população totalmente destituída de recursos de 685 mil. Apesar das imensas dificuldades, o então primeiro-ministro David Ben-Gurion não queria que os judeus que retornavam a seu Lar Nacional fossem classificados como “refugiados”. Portanto, não houve pedidos à comunidade internacional, como no caso dos palestinos, para que lhes fosse concedido o status formal de refugiados.
O caso dos refugiados palestinos
O caso dos refugiados palestinos árabes é historicamente diferente. Após a decisão da Partilha, eles conclamaram seus irmãos árabes a invadir e destruir o Estado Judeu. A decisão da Liga Árabe, de 10 de abril de 1948, de invadir o novo país para “salvar a Palestina” foi um divisor de águas.
A Declaração da Independência de Israel garantia liberdade e cidadania para os árabes palestinos, assim para como todas as minorias. Mas isso não bastava para eles. Os árabes não aceitavam a existência de um Estado Judeu. No dia seguinte à Declaração de Independência, os exércitos árabes invadem Israel. Cerca de 70% da população que vivia no território que se tornara o Estado de Israel fugiu, sendo que os primeiros foram seus principais líderes. Isso criou um colapso absoluto das instituições árabes.As estações de rádio árabes incentivaram os palestinos a deixar suas casas, assegurando-lhes que voltariam com os exércitos árabes vitoriosos. Vele ressaltar que apenas uma pequena parte, que vivia em locais militarmente estratégicos, teve que sair sob pressão das forças de defesa de Israel. Os governos árabes incentivaram a fuga em massa não só para abrir espaço para a invasão, mas também visando criar comoção e apoio para a causa palestina. Rapidamente, o mundo acabou “esquecendo” que, ao não aceitar a Partilha e ao declarar guerra ao Estado de Israel, os Estados árabes foram responsáveis pelo deslocamento dos palestinos.
Como vimos acima, a ONU contabilizou na época 711 mil refugiados palestinos. Tendo o status formal de refugiados, eles recebiam anualmente – e ainda recebem – milhões de dólares em auxílio das Nações Unidas. (De 1950 até 2007 receberam US$ 13,7 bilhões).
Ao fugir, a maioria deles se refugiou na Jordânia, principalmente na chamada “Margem Ocidental”, na época sob domínio jordaniano; em Gaza, então sob domínio egípcio; na Síria e no Líbano. Na maioria dos países onde se estabeleceram foram tratados como cidadãos de segunda categoria. Milhares foram instalados em “acampamentos provisórios” de refugiados, principalmente, no Líbano, em Gaza e na Jordânia. Este foi o único país que lhes ofereceu cidadania, mas, apesar disso, os palestinos mantiveram o status de refugiados. Com o decreto 1547 de 1959, a Liga Árabe determinou que não seria consentida cidadania aos palestinos nos países árabes “com o intuito de preservar a entidade e identidade palestina”.
Há uma clara motivação política por parte dos países árabes em manterem os refugiados palestinos como párias da sociedade. Seu objetivo é ganhar, através da diplomacia, o que foi perdido nos campos de batalha. Essa manipulação política tornou única a questão dos refugiados palestinos. É a situação mais antiga ligada a refugiados gerenciada pelas Nações Unidas e a única na qual o status de refugiados é garantido aos seus descendentes diretos por linhagem patrilinear. Hoje, eles somam quase 5 milhões de pessoas consideradas refugiadas após 60 anos – ou seja, três gerações.
A ONU e suas agências
A ONU e suas agências estão entre os piores ofensores em relação aos refugiados judeus. A visão da organização sobre o Oriente Médio é distorcida, pois sequer menciona a existência dos refugiados judeus no contexto do conflito árabe-israelense. A organização deveria deixar bem claro que quando se fala em refugiados deve-se reconhecer que no Oriente Médio há duas populações refugiadas, e que ambos os assuntos devem ser abordados da mesma maneira. A realidade, porém, é outra.
Desde 1947 a Assembleia Geral das Nações Unidas adotou 687 resoluções relativas à questão dos refugiados, porém todas só fazem referência aos refugiados árabes.
Na realidade, a única agência da ONU que agiu em relação aos refugiados judeus foi o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados, que procurou atuar para agilizar a transferência de bens dos judeus do Egito que já haviam fugido do país, e conduziu negociações diplomáticas sigilosas para tentar aliviar a situação dos que ainda eram mantidos como reféns em países árabes.
Tais medidas não podem ser comparadas com o forte apoio que recebe da ONU o tema dos refugiados palestinos, tanto em termos de financiamento, criação de comitês especiais para analisar o tema, como de uma série de resoluções que criaram direitos para os palestinos.
Espoliação Econômica
Qual o montante dos bens e propriedades deixados para trás? Apesar de na primeira fase das perseguições e, em certos países, uma minoria de judeus abastada ter conseguido fazer sair do país onde vivia algum dinheiro, a grandíssima maioria teve que deixar tudo para trás. Em todos os países árabes, raríssima foram as exceções. Após a criação do Estado de Israel, os governos, de olho nos bens e propriedades dos judeus, determinaram que todos os ativos líquidos, contas bancárias e propriedades individuais ou comunitárias fossem sistematicamente colocados em “custódia” e, a seguir, nacionalizados, tomados para fins de resgate e simplesmente roubados quando eles partissem. E foi o que ocorreu.
A Síriaapreendeu, em 1949,os ativos financeiros judaicos e proibiu a venda de suas propriedades. Mediante uma medida emergencial, em abril de 1950, o governo confiscou várias propriedades judaicas – casas, propriedades rurais, lojas. De 1958 a 1961, os judeus que abandonavam o país foram forçados a transferir seus bens ao governo sírio e a pagar consideráveis impostos de partida. No Iêmen, em 1949, foram listados os bens e propriedades dos judeus a fim de retê-los para resgate.
No Iraque, em julho de 1948 e em março de 1951, foram congelados bens dos judeus que deixavam o país. Em 1951, o Governo iraquiano discretamente concordou em deixar os judeus emigrarem para Israel, e quase todos o fizeram. Paralelamente, promulgou uma lei que decretava a nacionalização de todos os bens de propriedade judaica – casas, fábricas, bens, joias e contas bancárias. No Egito, em fevereiro de 1949, foram sequestrados todos os bens de judeus autóctones e daqueles que viviam no exterior. Gamal Abdel Nasser promulgou leis similares às adotadas pelo governo iraquiano após a Guerra do Sinai. Na Líbia, em 1961, o governo decretou o confisco dos bens dos judeus que deixavam o país com destino a Israel. Em 1970, propriedades dos judeus foram confiscadas.
O Marrocos sequestrou com fins de resgate bens e propriedades dos judeus que queriam emigrar para Israel, em 1961, e o Congresso Mundial Judaico teve que pagar US$ 250 por cada judeu autorizado a deixar o país. Na Tunísia, em 1961-1962, os judeus que deixavam o país podiam levar consigo apenas um dinar (o equivalente, hoje, a US$ 3). O Irã confiscou bens e imóveis dos judeus em 1979.
Não há consenso entre pesquisadores e as organizações judaicas sobre o valor total dos bens pertencentes aos judeus dos países muçulmanos. O economista Sidney Zabludoff, ex-funcionário do governo americano, fez estimativas de que as propriedades totalizavam cerca de US$ 700 milhões, na década de 1950, ou seja, cerca de US$ 6 bilhões, em 2007. Uma organização judaica calcula que os judeus deixaram nos países árabes entre depósitos bancários, bens e propriedades por volta de US$ 30 bilhões, mas segundo a JJAC seriam mais de US$ 100. Essas fontes argumentam que os judeus eram proprietários de muitos terrenos e imóveis e que só os do Iraque deixaram US$ 2 bilhões apenas em depósitos bancários.
Mesa das negociações
Organizações judaicas, entre outras a Justice for Jews from Arab Countries(JJAC), Congresso Judaico Mundial, a Federação Sefardita Americana e a Organização Mundial de Judeus dos Países Árabes, têm lutado em fóruns internacionais para assegurar-se de que os direitos dos judeus dos países árabes também estejam nas mesas das negociações no Oriente Médio. Segundo o fundador do JJAC, Stanley Urman, “talvez nossa conquista mais significativa tenha sido a adoção, em abril de 2008, pelo Congresso Americano, da Resolução 185, que concedeu o primeiro reconhecimento aos refugiados judeus dos países árabes. Agora, é preciso que os diplomatas americanos, em todas as negociações sobre o Oriente Médio, se refiram a uma citação dessa Resolução com uma prescrição específica que estipule que qualquer referência aos refugiados palestinos deve ser equiparada por uma referência explícita aos refugiados judeus”.
A verdade é que o fato de os judeus refugiados das terras muçulmanas terem reconstruído suas vidas em Israel e em outros lugares não minimiza as injustiças que sofreram em seus países de origem. Não minimiza as perdas culturais e econômicas sofridas. Qualquer narrativa do Oriente Médio que não inclua a história do êxodo dos judeus dos países árabes no século 20 é uma afronta à verdade, à memória e à justiça.
BIBLIOGRAFIA
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Shulewitz, Malka Hillel, The Forgotten Millions, The Modern Jewish Exodus from Arab Lands, Ed. Continuum, 2000
Beck, Noah, Jews From Muslim Lands:The Forgotten Refugees of 1948,artigo de 2013, http://www.frontpagemag.com/2013/noah-beck/jews-from-muslim-lands-the-forgotten-refugees/