Diário de Guerra 25 – Refugiados Judeus dos Países Árabes – Jayme Fucs Bar
É muito interessante quando se fala de refugiados palestinos ou mesmo, de forma geral, sobre a temática dos refugiados no mundo. Creio que se esquecem, ou não querem lembrar, que um dos maiores grupos de refugiados do mundo são, sem nenhuma dúvida, os judeus.
Ser refugiado, para cada judeu ou judia, é parte de seu DNA. Não existe um só judeu nesse mundo que não seja descendente de um refugiado – algum antepassado longínquo ou mesmo seus pais ou avós, que fugiram de perseguições e antissemitismo, levando o povo judeu a diversos lugares pelo mundo.
Me lembro de minha avó Necha Fuksman, que fugiu da Polônia com 2 filhos pequenos. Saíram da aldeia de Birgoja e chegaram ao porto do Rio de janeiro – Brasil, em 1921. Minha avó não tinha a menor ideia de onde havia chegado. O que importava para ela era fugir dos Pogroms que aconteciam com os judeus. Quando desceram do navio, ela realmente não sabia que tinha chegado a um país chamado Brasil. Ela sempre dizia que estava na América. Meus avós e tios, como milhares de outros refugiados judeus, fugiram do inferno que viviam na Europa e no mundo árabe pelo simples fato de serem judeus.
Falar de refugiados judeus é uma temática muito frequente na história judaica. Para quem não sabe, ela faz parte de um processo contínuo de mais de 2.500 anos, que começou com a destruição do primeiro templo em 582 aC e depois com o segundo templo 70 dC. Este último foi o principal fator do grande exílio dos judeus no mundo antigo que, em sua maioria, foram levados como escravos para todos os cantos do mundo. Neste momento começou a saga dos judeus errantes, ou melhor, de judeus refugiados, que estarão sempre fugindo de uma perseguição, de um pogrom, de uma matança, da Inquisição ou de algum genocídio, na esperança de encontrar um exílio, um porto seguro.
A necessidade da criação do Estado de Israel, a terra de seus ancestrais, não é somente uma necessidade vital do povo judeu, mas sim uma solução ao problema crônico que vivem há mais de 2500 mil anos como refugiados e perseguidos no mundo. O povo judeu deve ter, como todos os povos do mundo, o direito à sua autodeterminação.
A criação do Estado de Israel foi talvez a única solução prática que deu uma resposta ao mundo sobre o problema da "questão judaica". Com certeza essa solução criou paradigmas, conflitos e, como consequência, a questão dos refugiados palestinos. Mas para mim o que mais me incomoda não é que realmente precisamos ter uma resposta humanitária ao problema dos refugiados palestinos. O que sempre me incomoda é esse total desequilíbrio quando se trata dos refugiados judeus, principalmente dos judeus que foram expulsos dos países árabes.
O mundo nunca acorda, quando se trata dos judeus. O peso sempre tem outras medidas. O foco do mundo é sempre o problema dos refugiados palestinos. O mundo se faz de desentendido em relação ao problema dos refugiados judeus dos países árabes. Todos esses refugiados estão ligados às mesmas consequências da guerra de 1948, após a proposta da ONU pela partilha em novembro de 1947, aceita pelos judeus e negada pelos palestinos.
Seria bom saber que até o ano de 1948, viviam nos países árabes por volta de 1 milhão de judeus e judias, principalmente nos países como: Marrocos, Argélia, Tunísia, Líbia, Egito, Iraque, Síria, Líbano e Iêmen. Praticamente, em meados dos anos setenta, a maioria das comunidades judaicas nestes países foram totalmente dissolvidas e esses judeus e judias se tornam novos refugiados pelo mundo. O número de refugiados palestinos em 1948, nos dados informados pela ONU, era de 726 mil. A maioria deles se estabeleceu nos países árabes, que negaram sua integração como cidadãos de iguais direitos em seu novo país, inclusive para as gerações seguintes.
Pensem bem sobre isso: os judeus que viviam no que hoje chamamos de países árabes (no Oriente Médio) já viviam nessas terras muito antes das conquistas muçulmanas, ou seja, antes dos árabes terem vindo da península Arábia e conquistado esse grande território no século VII d.C. Os judeus já habitavam esses territórios, que foram dominados anteriormente por outros conquistadores como os persas, os babilônios, os gregos (Helenistas), os romanos, os bizantinos e, depois, os muçulmanos.
É difícil imaginar isso, mas os judeus nesses 2.500 anos em que viveram no exilio, sempre mantiveram sua identidade coletiva e civilizatória. Ela sempre funcionou como "um Estado dentro de uma Nação". Os judeus viveram nesses territórios muito antes de suas identidades nacionais e mesmo antes de seus conquistadores. Os judeus já viviam nessas terras como uma sociedade organizada, antes de existir qualquer país muçulmano ou cristão.
A temática dos refugiados judeus expulsos dos países árabes sempre foi, de certa forma, esquecida. Os judeus árabes refugiados em Israel ou em outros países souberam, mesmo com todas as dificuldades, se integrar nas sociedades que os receberam. Já esse processo com refugiados árabes palestinos, que fugiram ou foram expulsos de Israel na guerra de Independência em 1948, aconteceu de forma cínica. Isso é um aspecto importante para entender o conflito árabe-israelense. Temos que tomar em conta, pois não é simétrico falar somente de refugiados palestinos e esquecer os problemas dos refugiados judeus, que viviam nos países árabes.
De fato, pouco se escreve ou se fala sobre os judeus que foram expulsos dos países árabes e se tornaram, de um dia ao outro, cerca de 850 mil refugiados no mundo. Do outro lado o problema dos refugiados palestinos está bem documentado e bastante conhecido a nível internacional. Não existe um melhor exemplo disso, que foi a criação da UNRA - a Agência das Nações Unidas de Assistência e Emprego para os Refugiados Palestinos. Ela foi criada após a Guerra da Independência com base na Resolução 302 da Assembleia das Nações Unidas, em 1949, e funciona ainda hoje.
O número de refugiados judeus de países árabes é maior que o número de refugiados árabes palestinos, mas, diferentemente dos refugiados palestinos, não houve a criação de nenhuma organização semelhante para cuidar dos refugiados judeus expulsos dos países árabes.
Me recordo eu ainda jovem no Rio de Janeiro, ouvindo histórias do pai de grande amigo, que a família era de refugiados egípcios. Com os olhos cheios de lágrimas, seu pai contava que eles foram obrigados a abandonar tudo o que tinham no Egito. Chegaram ao Brasil com "uma mão na frente e outra atrás". Abandonaram não somente seus pertences, suas propriedades e negócios, mas uma vida inteira. Me lembro bem do olhar triste de um homem já idoso e amargurado, tirando de uma velha caixa de madeira um molho de chaves, como recordação de tudo que ele tinha na vida e que ficou para trás.
Eu tenho tentado escrever sobre fatos e informações que procuram trazer um certo equilíbrio, dentro desse mundo de total desequilíbrio. Na verdade, escrevo porque é um dever. Mas sinto que é uma guerra perdida, pois muitas pessoas não estão interessadas em se aprofundar, aprender e compreender as várias facetas desse conflito. Principalmente essa grande complexidade que é a história dos judeus e do Estado de Israel.
Admiro todos aqueles que se negam a se fechar dentro de concepções pré-determinadas, resistem como seres humanos livres e se negam a se transformar em boiada.
Lutem por sua liberdade de pensar e jamais renunciem a esse seu direito.
A história está repleta de tragédias. A questão dos refugiados palestinos é uma delas. Temos uma grande tragédia que foi o Holocausto dos judeus na Europa. Mas o que aconteceu com os refugiados judeus dos países árabes também precisa ser lembrado, pois foi algo muito duro e foi totalmente esquecido.
Vale a pena observar que a moeda sempre tem um outro lado!