Em Novembro de 2013, em comemoração ao dia internacional das crianças, a Agência Central de Estatística de Israel publicou dados do ano de 2012 sobre as crianças deste país. Daí aprendemos que dos 171 mil bebês nascidos, 73% são judeus, enquanto 21% são árabes. Oito por cento das crianças judias vivem em famílias uniparentais (apenas pai ou mãe, mas não ambos), e 1365 jovens entre 12 e 17 anos já fazem algum curso de graduação em uma das universidades israelenses. Para mim, o mais interessante mesmo é a parte que traz o ranking dos nomes mais dados às crianças nascidas no último ano. Todo Novembro eu adoro ler as listas de nomes, procurar padrões e fazer as minhas reflexões. Compartilho com vocês agora um pouco dos dados e o que passou pela minha cabeça.
Adel
O nome que cresce mais rapidamente em Israel é Adel. Na verdade, em hebraico o nome é אדל, que pode ser transliterado também como Adele, mas fico com a versão fonética Adel mesmo. Em 2012 foram registradas 851 meninas chamadas Adel, e pelo gráfico abaixo vemos como a popularidade do nome vem crescendo. Um olho não treinado poderá pensar que o crescimento é recente, sendo a popularidade da cantora britânica Adele uma possível explicação do fenômeno. O primeiro álbum da cantora foi lançado apenas em 2008, mas o nome Adel vem crescendo rapidamente há mais de duas décadas.
Abaixo vemos um outro gráfico produzido com os mesmos dados do gráfico anterior. A diferença é que usei a escala logarítmica (de base 2) para descrever o número de meninas. O gráfico é muito mais significativo que o anterior porque nos mostra que entre os anos 1993 e 2011 o nome Adel vem crescendo de maneira exponencial, o que é indicado pela reta vermelha pontilhada. A inclinação da reta é de 1/5.1, o que significa que em média a cada 5.1 anos a popularidade do nome dobra (por isso escolhi o logarítmo de base 2). Extrapolando a tendência atual, podemos prever que daqui apenas 30 anos todas as meninas nascidas em Israel se chamarão Adel! A previsão é obviamente absurda, e nos ajuda a entender o crescimento assustador deste nome. Por que então Adel, que nem mesmo tem origem hebraica? Não tenho a mínima ideia. O leitor está convidado a especular nos comentários.
Variedade de nomes
Mais de 20% dos meninos muçulmanos nascidos em 2012 tem os mesmos três nomes: Muhammad (10.7%), Ahmed (5.3%) e Mahmad (5.1%). Eu não falo árabe, e não pude encontrar em nenhum lugar o nome Mahmad (מחמד), então provavelmente esta é uma grafia alternativa de Muhammad (מוחמד), e eu não sei ler direito, o que faria do nome do profeta (que a paz esteja com ele) um nome incrivelmente popular, com mais de 15% de name share. Será que os muçulmanos são menos originais que os judeus na hora de dar nome aos seus filhos e filhas? Sim e não.
O gráfico abaixo nos mostra a porcentagem de bebês nascidos em 2012 em função do número de nomes. Em azul e vermelho vemos que meninos judeus e meninas judias (respectivamente) seguem aproximadamente o mesmo padrão. Cinquenta por cento de cada uma das populações tem os mesmos 44 nomes. Já entre muçulmanos a diferença entre meninos e meninas é enorme. A variedade de nomes dados aos meninos é muito pequena, e apenas 23 nomes correspondem a metade da população (curva verde). Os nomes das meninas muçulmanas são muito mais variados (curva amarela), inclusive bastante mais que os judeus, e para se chegar a metade da população são precisos 72 nomes.
Unissex
A lista dos nomes mais populares de 2012 tem 400 nomes para meninos e meninas judeus. Escrevi um simples programa de computador para comparar as duas listas e encontrar nomes unissex, isto é, nomes que aparecem em ambas as listas. Eu já estava cansado de saber que em Israel são muitos os nomes aceitos para ambos os sexos, mas o resultado da minha comparação me surpreendeu. Dos 400 nomes de cada lista, 104 são unissex! Entre eles, os 20 nomes mais comuns, isto é, os que figuram mais alto em ambas as listas, são: Ariel, Noam, Daniel, Yuval, Ori/Uri, Amit, Elya, Yahli, Halel, Or, Orya, Lior, Maayan, Liam, Omer, Shachar, Ofir, Shai, Liel, Aviv.
É de se supor que todo nome começa apenas em um dos sexos, e com o tempo o outro sexo pode adotá-lo. Dos 20 nomes unissex mais comuns, quem roubou mais de quem? Meninas se apossaram do nome de meninos, ou vice-versa? Se o nome é originalmente masculino e hoje também é usado para meninas, é lógico que seu ranking na lista dos meninos seja mais alto, pelo menos nas primeiras décadas. Apenas seis nomes dos 20 citados acima figuram mais alto na lista das meninas: Yuval, Yahli, Halel, Orya, Maayan e Liel. Está claríssimo então que em Israel o mais comum mesmo é que nomes tradicionalmente masculinos passem a ser femininos também. Alguns exemplos do processo contrário são: Libi, Michelle/Michel, Agam, Roni, Noy, Michal, Shir.
Meu tio Sylvio, irmão do meu pai, se casou com a Silvia, mas estes não são exatamente o mesmo nome. Em Israel não é difícil conhecer casais com exatamente o mesmo nome. Uma das melhores amigas de minha esposa se chama Chen (חן), e se casou com um cara também chamado Chen. A primeira filha do casal foi chamada de Eli, mesmo nome de seu avô materno.
Nomes raros e proibidos
A tabela no fim deste artigo lista apenas os nomes mais populares. E os nomes menos populares? O que em Israel é considerado raro, estranho, e até mesmo ofensivo? Eu bem sei que não é fácil viver em um lugar onde todos estranham o seu nome, e para mim foi um grande alívio dizer meu nome em Israel e não ter que repetir 3 vezes nem soletrar (Yair é o 15o nome mais popular para meninos). Suponho que meus colegas do Conexão Israel — João, Marcelo, Bernardo, Claudio — com nomes ‘normais’ no Brasil, sintam na pele o saco que é explicar o seu nome o tempo todo. Eu não devia, mas sinto um pouco de Schadenfreude, fazer o quê.
Em Janeiro de 2012 a comissão ministerial de assuntos constitucionais discutiu uma proposta de lei que permitiria o Ministro do Interior vetar nomes que possam causar dano à criança. Foram citados nomes como Nana (נענע = menta), Eshkolit (אשכולית = grapefruit), Etrog (אתרוג = cidra), Chalon (חלון = janela), Shulchanit (שולחנית = mesinha), Adolf (אדולף), Menora (מנורה = lâmpada) e Snait (סנאית = esquila), entre outros. A proposta ficou para ser debatida mais tarde, e nunca voltou, por falta de apoio da coalisão. Houve um movimento contrário à proposta de lei, argumentando que esta é uma intrusão inconstitucional, e que isso estagnaria o desenvolvimento natural da sociedade. De toda forma, atualmente o Ministro do Interior já pode vetar um nome que “engane ou que atinja as condutas públicas ou seus sentimentos”, então efetivamente ninguém pode ser chamado de Adolf ou Kadafi. Em vários países do mundo existem restrições aos nomes, por exemplo, o Ministério da Justiça de Portugal tem uma lista de “Vocábulos Admitidos ou Não Admitidos como Nomes Próprios“.
Sobrenome que soa como nome
Ler o nome de alguém e não saber dizer o sexo já é um desafio. Um outro grande desafio é o fato de muitos sobrenomes em Israel serem também prenomes. Em algumas circunstâncias a ordem é antes o sobrenome e depois o prenome, como em escolas, exército, etc. Isso sem contar pessoas que preferem escrever o sobrenome antes do prenome, porque sim.
O rabino chefe sefaradi se chama Yitzchak Yosef. Eu tinha dois colegas de universidade chamados Amir Erez e Alon Yaniv. Alguns nomes de cantores e compositores: Avraham Tal, Meir Ariel, Idan Yaniv, Chaim Moshe, Tomer Sharon. Troque a ordem dos nomes e o resultado será um outro nome completamente normal e aceitável. Esse exercício funciona muito mais com homens, pois prenomes masculinos (isto é, tradicionalmente masculinos, pois já vimos que ‘quase tudo’ pode ser unissex) muitas vezes também podem ser sobrenomes.
Aliás, apenas mencionei pessoas com um prenome e um sobrenome. Essa é a norma em Israel. Pouquíssimos tem dois sobrenomes, e embora ter dois prenomes não seja tão incomum, quase ninguém é chamado pelos dois prenomes (nada de José Carlos ou Ana Júlia). Os únicos que me ocorrem agora são o pai do Sionismo Binyamin Zeev Herzl, e o poeta nacional Chaim Nachman Bialik. Conclusão, até você fundar um país, esconda o seu nome do meio, pelo menos em Israel.
Demais considerações
No gráfico do crescimento do nome Adel, parece que entre 2011 e 2012 o crescimento se acelerou ainda mais, e os 5 anos em média necessários para que o nome dobrasse sua popularidade talvez tenham se encurtado para apenas um ou dois anos. Em Novembro de 2014 saberemos melhor, aguardem. É possível que o mais rápido aumento sim seja por causa da crescente popularidade da cantora Adele, que deu um empurrão mais forte a um nome que já crescia rapidamente. Contudo, é difícil demonstrar causalidade, certamente com os dados que tenho (cuidado com a falácia post hoc ergo propter hoc).
Transliterei os nomes mais comuns dados às crianças judias, vejam a tabela abaixo. Para você que tem um nome em hebraico, procure em que lugar está na lista, e saia contando a todos os familiares, mas apenas nesta próxima semana, senão fica chato. Se você é mulher e não tem um nome em hebraico, ainda há esperança! Enquanto transliterava todos os 800 nomes percebi que quase não há nomes de origem não hebraica entre os meninos, mas são muitos os nomes estrangeiros entre as meninas. Alguns exemplos são Elisabeth, Nicole, Sofia e Frida. Apesar de alguns nomes como Amy virem do inglês, eu os transliterei foneticamente para evitar confusões, então Amy ficou Eymi. Alguns nomes aparecem mais de uma vez na mesma coluna, pois embora tenham grafia distinta em hebraico, eu os transliterei da mesma forma, por exemplo o nome feminino Lihi, que pode ser escrito ליהי (lugar 106) e também ליהיא (lugar 109). O campeão de diferentes grafias é Ilay, que pode ser escrito de 8 maneiras: איליי, עילי, אילי, עיליי, אילעאי, אילעי, עלאי, עילאי. Outros nomes como Mishel e Daniel tem versões masculinas e femininas em outras línguas (Michel / Michelle, Daniel / Danielle), mas isso não faz a menor diferença em hebraico, já que soam a mesma coisa.
Encontrei muitos artigos na imprensa israelense sobre os nomes mais populares, mas todos eram muito parecidos, e basicamente repetiam os pontos principais do relatório preparado pela Agência Central de Estatística. É uma pena que nenhum veículo pôde oferecer a seus leitores algo a mais. As análises feitas por mim foram relativamente simples, e usei dados que estão disponíveis ao público em geral. Para terminar: estão faltando mais pessoas que gostam e sabem um pouco de matemática nos veículos de informação, para poderem nos oferecer leituras originais e para colorir nossas vidas com a magia dos números, e não nos fazer comer a mesma informação enlatada de sempre.
Materiais extra: Estudo completo, preparado pela Agência Central de Estatística (hebraico) Planilha com os dados, preparada pela Agência Central de Estatística (hebraico)
Foto de capa: adaptação de flickr Foto de Avraham Tal: wikipedia Os gráficos foram produzidos pelo autor, vide licença abaixo:
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