O triste caso do seqüestro dos três adolescentes israelenses no bloco de assentamentos (gush) de Etzion, na Cisjordânia, nos permite enxergar de maneira mais clara algumas realidades regionais.
1. A próxima intifada será nos territórios
Há dez anos, com o advento da Barreira de Separação, Israel praticamente deu fim à Segunda Intifada.
Composta 90% de cerca e 10% de muro, seu traçado, inteiramente em terras palestinas, varia entre trechos de grande fidelidade à Linha Verde – do Armistício de 1949 – e profundas inserções, representa a efetiva anexação de grandes blocos de assentamentos judaicos em território palestino. A barreira foi criada para aumentar a segurança de Israel, impedindo infiltrações terroristas da Cisjordânia.
Assim, tornou-se praticamente impossível a infiltração de terroristas dos territórios ocupados para “dentro da Linha Verde”, ou seja, para as cidades israelenses. Aliando a barreira a melhorias nos sistemas de informações, uma maior cooperação na área de segurança com a Autoridade Palestina sob a moderada liderança de Mahmoud Abbas e o notável aumento na qualidade de vida na Cisjordânia, o número de atentados suicidas com bombas reduziu-se a virtualmente zero.
Esta nova realidade, somada à superioridade militar regional da qual goza Israel, trouxe uma tranqüilidade nunca antes desfrutada pelo público local. O conflito desapareceu da vida dos habitantes do populoso centro do país, permitindo-lhes ignorá-lo e – diante da decepção com o processo de paz – convencer-se de que não há um parceiro palestino com quem construir um futuro amigável. Para os palestinos, claro, este é o pior dos mundos. Os israelenses empurrando o conflito com a barriga apenas eternizam seu sofrimento e humilhação.
Uma nova geração surgiu nos territórios, desacreditada em qualquer cooperação com Israel e disposta a trazer novamente o conflito para a mesa de jantar israelense. E se já não é mais tão fácil, nem tão interessante, explodir um ônibus por semana em Tel-Aviv, volta-se à maneira antiga de chamar atenção. Registra-se um aumento drástico na quantidade de pequenos atos de violência, como tentativas de seqüestro e esfaqueamento na última região ainda compartilhada por palestinos e israelenses: a Cisjordânia.
Ainda que episódios como a chacina da família Fogel, no assentamento de Itamar, em março de 2011, ou o atual seqüestro em Gush Etzion, revoltem a população israelense como um todo, a mensagem que está sendo passada pelos palestinos é: não fomos a lugar algum, ainda estamos aqui e pretendemos ficar. E, acima de tudo, será cada vez mais perigoso manter assentamentos em território ocupado.
2. Bibi mente
Recentemente, em um dos muitos discursos em que se usa do medo como ferramenta a favor da direita israelense, o ministro da defesa Moshe Ya’alon mencionou que 44 tentativas de seqüestro haviam sido frustradas pelas forças de segurança israelenses nos últimos 18 meses. O cidadão comum normalmente se depara com essa assustadora estatística e conclui: não tem jeito, é um perigo real, água mole em pedra dura…
Entretanto, quando a quadragésima-quinta tentativa é lamentavelmente bem sucedida, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu chega à qual conclusão? A culpa é do recém-empossado governo de tecnocratas apoiados pelas duas principais facções palestinas – Hamas e Fatah – ainda que o seqüestro tenha ocorrido na Área C, a região da Cisjordânia que se encontra sob administração civil e militar israelense – inclusive seus 90 mil habitantes palestinos.
Eu acrescentaria mais este spin de Bibi à lista de declarações infelizes compilada pelo Yair em seu post Pe Djora. Meu estômago dá cambalhotas com o descaramento com que meu ilustre vizinho se usa do sofrimento destas três famílias, e da comoção nacional à qual todos nos juntamos, para desvirtuar os fatos, transformando a realidade à maneira como lhe convém e aos seus interesses políticos.
3. Só Abbas pode trazer a paz
Durante a Segunda Intifada, que marcou a total falência dos Acordos de Oslo como solução para o conflito, era comum vermos lideranças israelenses acusarem Yasser Arafat de duas-caras: o líder palestino reconhecia Israel e defendia a paz através da solução de dois Estados diante da comunidade internacional, em inglês, mas afirmava em árabe que a Palestina seria libertada da ocupação sionista. Esta incapacidade de preparar a opinião pública palestina para um Estado palestino que se limitasse apenas à Cisjordânia e à Faixa de Gaza era identificada por muitos analistas como a principal razão por trás de sua famosa recusa diante da oferta final de Ehud Barak em Camp David, em 2000.
Ainda que os detalhes das negociações não sejam completamente divulgados, acredita-se que Barak ofereceu a Arafat 100% da Faixa de Gaza e cerca de 90% da Cisjordânia, soberania sobre os bairros árabes de Jerusalém Oriental e custódia (sem soberania) sobre a Esplanada das Mesquitas, entre outros detalhes. Esta oferta, a mais generosa jamais feita por Israel, e bastante próxima do que a comunidade internacional acredita ser a melhor fórmula possível, não podia ser apresentada de maneira digna por Arafat a seu povo.
Mahmoud Abbas, entretanto, não pode ser acusado de repetir os passos de seu antecessor. Esta semana, em uma Conferência de Ministros do Exterior de Países Islâmicos, o presidente palestino declarou em árabe, diante de todos os países que pregam a destruição de Israel, que “os meninos seqüestrados são seres humanos como nós e devem ser devolvidos às suas famílias, quem os seqüestrou deseja nos destruir”. Trata-se de mais uma corajosa declaração de Abu Mazen.
Desta vez, é o governo israelense que joga um jogo duplo. Durante anos, Netanyahu e seus ministros desdenharam da representatividade da Autoridade Palestina, que acusavam de falar em nome apenas dos cidadãos da Cisjordânia e, portanto, ser incapaz de conduzir um processo de paz eficiente. Pois Abbas aproveitou a atual fraqueza do Hamas, isolado pela queda da Irmandade Muçulmana no Egito e pela ocupação dos regimes sírio e iraniano com seus próprios problemas, para trazê-lo para um governo de união nacional que não incluísse membros do movimento islâmico, substituídos por tecnocratas.
Netanyahu precisa tomar uma decisão. Aproveitar este momento de fortalecimento dos moderados palestinos e avançar as negociações ou seguir os desejos de sua bancada, cada vez mais radical, e assumir que seu partido não defende a criação do Estado palestino. Por enquanto, o que temos é sua velha capacidade de embromar, afirmando que o novo governo palestino é descompromissado com a paz.
Quando Abu Mazen cansar-se e pedir o boné, sentiremos saudades.
4. Bibi é sempre salvo pelo gongo
Podemos acusar Benjamin Netanyahu de muitas coisas. Eu pessoalmente discordo das políticas de seu governo em diversos campos: relações exteriores, relações com a Diáspora, separação entre Estado e religião, economia, saúde e educação, apenas para citar os exemplos que me surgem à mente enquanto escrevo estas linhas.
Devemos todos concordar, entretanto, que Bibi é um cara de sorte.
Em 1995, em conjunto com outras lideranças da direita e da extrema direita religiosa, Netanyahu discursou para uma multidão em frente a uma imagem de Yitzhak Rabin vestido de oficial nazista. É possível afirmar que tais atos e palavras ajudaram a construir a tragédia do assassinato do primeiro-ministro por um fundamentalista judeu. Em 1996, uma onda de atentados suicidas liderada pelo Hamas ajudou a estabelecer sua imagem como o único que estava certo acerca de nossas relações com os palestinos, permitindo-lhe derrotar Shimon Peres por uma margem de menos de 30 mil votos nas eleições diretas para primeiro-ministro.
Ao final de 2012, no episódio que nos inspirou para a criação do Conexão Israel, Bibi encarava uma campanha eleitoral que prometia discutir os temas econômicos que haviam levado a população às ruas nos dois verões anteriores. Os indicadores do nível de vida e da inflação lhe eram pouquíssimo favoráveis e uma derrota não podia ser descartada. Mas uma chuva de foguetes lançados pelo Hamas a partir da Faixa de Gaza levou o governo a lançar a Operação Pilar Defensivo, com bombardeios massivos sobre o território, de onde saíram foguetes inclusive contra Tel Aviv e Jerusalém. O foco da campanha para as eleições de janeiro de 2013 virou-se para a segurança e, com seu tradicional discurso de propagação do medo, foi reconduzido ao poder.
Menos de um ano e meio após a formação do atual governo, quando a mais recente rodada de negociações com os palestinos fracassou, os dois partidos centristas que conferem legitimidade internacional à coalizão – Yesh Atid e HaTnuá – começaram a dar sinais de que a abandonariam, permitindo que o governo fosse derrubado por um voto de desconfiança na Knesset. Novamente, uma crise na segurança do país “caiu no colo” de Benjamin Netanyahu.
É como se os terroristas palestinos não se cansassem de salvar o homem que, há vinte anos quase ininterruptos, lidera o Likud – oitos dos quais chefiando o governo israelense.
5. É urgente a criação do Estado palestino
Eu já disse isso, meu colegas de Conexão Israel já disseram isso. Barak Obama já disse isso, John Kerry e Hillary Clinton já disseram isso. Mas nós podemos todos sermos acusados de não entendermos nada sobre o assunto.
Acredita-se que um dos motivos que levaram ao deterioramento das condições de trabalho no Ministério das Relações Exteriores – e à greve de seus funcionários em Israel e pelo mundo – é o desencontro entre suas recomendações técnicas e a política externa conduzida pelo chanceler Avigdor Lieberman. Os especialistas em diplomacia sabem que a ocupação só traz danos ao Estado de Israel. Mas eles também podem ser acusados de serem meros burocratas, sentados em seus escritórios, com ar condicionado, sem saber exatamente do que estão falando.
Em seu post A Solução do Conflito, de fevereiro do ano passo, o Marcelo faz uma interessante resenha sobre o filme Os Guardiões (Shomrei haSaf, no título original em hebraico; The Gatekeepers, título internacional). Lançado em 2012, este documentário entrevista seis dos sete últimos chefes do serviço israelense de segurança, conhecido internacionalmente como Shin Bet. Imagina-se que estes homens – o mais velho dos quais, Avraham Shalom, que comandou a operação do Mossad que trouxe Adolf Eichman da Argentina, faleceu esta semana – que chefiaram a inteligência israelense nas últimas três décadas, entendem mais do que a maioria de nós sobre a realidade nos territorios palestinos ocupados.
Diante do consenso entre Avraham Shalom, Yaakov Peri, Carmi Gillon, Ami Ayalon, Avi Dichter e Yuval Diskin acerca da necessidade do fim da ocupação e da existência de parceiros palestinos para a paz não há como pestanejar. Somente com fronteiras bem definidas o Estado de Israel poderá garantir a segurança de seus cidadãos.
Não se trata de alcançarmos a paz dentro de seis meses ou um ano. Trata-se de uma decisão moralmente correta, e ao mesmo tempo pragmática, que nos possibilitará uma convivência mais calma e pavimentará o caminho para a paz plena, entre os povos, dentro de alguns anos, ou umas poucas décadas.
Façamos isso.
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