Um dos principais expoentes da Escola de Haia, Jozef Israëls, judeu holandês, é considerado o mais importante pintor da Holanda da segunda metade do século 19. Ao longo de toda sua vida, pintou inúmeras e fascinantes telas retratando temas judaicos, exercendo considerável influência sobre a geração posterior de artistas judeus.
Edição 92 - Julho de 2016
As obras do chamado “Rembrandt do Século 19” e “o Millet holandês” (numa referência ao pintor francês Jean-François Millet) estão expostas nos principais museus do mundo, incluindo o Rijks Museum, em Amsterdã, o Metropolitan, em Nova York, e a Galeria Nacional, em Londres.
Sua vida
Jozef Israëls nasceu em 1824, em Groningen, no norte da Holanda, em uma abastada família judaica. Filho do banqueiro, corretor de seguros e comerciante Hartog Abraham Israëls e de Mathilda Solon Polack, Jozef foi o terceiro de dez filhos do casal – tinha seis irmãos e três irmãs.
Seus pais desde cedo perceberam o talento do filho, mas Hartog não queria que Jozef estudasse arte, pois não queria um filho artista. Queria que assumisse os negócios da família ou que fosse rabino, como era desejo de sua mãe. A educação religiosa que recebeu desde criança e, mais tarde, seus estudos do Talmud, influíram profundamente em seu desenvolvimento intelectual e espiritual.
Mas, perante a determinação do filho, o pai cedeu, permitindo que Jozef estudasse artes. Sua única exigência foi que, chegada a hora, o jovem fosse trabalhar nos negócios da família. Assim, aos 11 anos, Jozef Israëls teve suas primeiras aulas de desenho com o artista J. Bruggink, na Academia Minerva, na própria cidade onde nasceu. Com o mestre ele começou a pintar paisagens, tema preferido de Bruggink. Um ano depois, estudou com outro pintor, Johan Joeke Gabriel van Wicheren. Seu talento rapidamente despertou a atenção e, aos 14 anos, tornou-se aluno de Cornelis Bernudes Buys, respeitado pintor de Groningen.
Para Jozef, a arte era a razão de sua vida; decididamente não se encaixava no mundo dos negócios. Enquanto trabalhava no escritório do pai, passava o dia desenhando nas margens dos grandes livros-razão que devia atualizar e manter em ordem. Diante desse desinteresse pelos negócios da família e de seu inegável talento, o pai acabou permitindo que Josef fosse para Amsterdã estudar artes. Tornou-se aluno de Cornelis Kruseman, famoso pintor holandês da época. Dois anos depois, Jozef inscreveu-se na Real Academia de Artes de Amsterdã, então dirigida por Jan Adam Kruseman, primo de Cornelius. Jan Adams é conhecido principalmente por seus retratos, embora tenha pintado também paisagens e cenas de vários estilos. Com Kruseman, Jozef passou a pintar cenas históricas e bíblicas, além de retratos. Absorveu as influências do movimento classicista1 que buscava a pureza formal, o equilíbrio e o rigor então predominantes na Academia de Belas Artes de Amsterdã.
Em 1845, com 22 anos, Jozef decide continuar seus estudos em Paris, sustentando-se com uma pequena mesada que seu pai lhe enviava. A Cidade-Luz era o maior centro artístico e cultural do mundo, para onde afluíam artistas vindos de todas as partes. Lá ele estudou na Académie des Beaux-Arts e no Atelier de François-Edouard Picot, pintor que foi professor de vários artistas importantes da época. É quando sofre forte influência da Escola Romântica, da qual seus professores eram os maiores expoentes. Alguns historiadores de arte, entre eles Giulio Carlo Argan, alegam que, na história da arte, concorrem duas grandes forças, constantes e antagônicas: uma delas é o espírito clássico; a outra, o romântico. Os temas predominantes do romantismo eram paisagens com elementos idealizados e conotações históricas. Este gênero artístico remonta ao barroco do século 17, comum nas obras de Nicolas Poussin e Claude Lorrain.
No atelier de Picot,Jozef aprende a trabalhar essa técnica e a influência do mestre logo pôde ser percebida em suas primeiras pinturas históricas românticas.
Em meados do século 19, surge na França mais um movimento artístico – o chamado Realismo Pictórico francês. O estilo baseado na observação da realidade como contexto social era uma reação ao formalismo e à estética do Romantismo.
Um grupo de pintores franceses adeptos do Realismo estabeleceu-se próximo ao povoado de Barbizon, nos arredores do Bosque de Fontainebleau, deixando Paris numa atitude de aberta oposição às tendências estéticas do período.
Entre os maiores representantes da Escola de Barbizon, como se tornou conhecido o movimento, estavam os pintores Jean-Baptiste Camille Corot, Jean-François Millet e Théodore Rousseau. Para esses artistas, a paisagem em si representava a beleza e não necessitava de outros elementos mitológicos ou figuras bíblicas. Se fosse preciso incluir elementos humanos, estes deveriam ser “reais”.
Jozef vai passar algum tempo em Barbizon, e foi um dos primeiros a apreciar o realismo contido nos quadros de Jean-François Millet, que se dedicou, após 1849, a retratar principalmente trabalhadores rurais. Através de seus ocres e marrons, o lirismo de sua luz e a dignidade de suas figuras humanas, o pintor manifestava a integração do homem com a natureza. A obra desse artista vai influenciar profundamente a arte de Israëls. Millet e Israëls tem sido frequentemente comparados. Como artistas, até mais do que como pintores no sentido estrito da palavra, de fato, ambos viam na vida do homem pobre e humilde motivo para expressar, em sua arte, com peculiar intensidade sua grande compaixão humana. Mas Millet era o poeta da plácida vida rural, enquanto que em quase todas as pinturas de Israëls há uma pungente nota de pesar. Sobre suas telas, o conceituado escritor e crítico de arte francês da época, Louis Édmond Duranty, disse que eram pintadas com melancolia e sofrimento.
No entanto, apesar de ter aderido ao Realismo Pictórico Francês, Israëls não abandonou as paisagens. Desde cedo, ele se caracterizou por não ser um artista de um estilo ou tema únicos.
De volta à Holanda
Após dois anos em Paris, Jozef Israëls voltou a Amsterdã, dedicando-se, principalmente, à pintura de retratos e temas históricos. Lá participou de um concurso organizado pela Academia. Apesar de não ter recebido um prêmio, foi destacado com louvor pelos críticos. Seu grande salto se deu com as pinturas “Meditação”, em 1850, e “Adágio com expressão” , em 1851.
Em seguida, Israëls foi para Düsseldorf, encontrando-se com o pintor de paisagens J.W. Bilders, em Oosterbeek. Ao voltar à Holanda, dedicou-se à história do país, que retratou com grande precisão histórica e forte ênfase no aspecto psicológico individual. Ele foi um dos poucos pintores holandeses de sua época a satisfazer o gosto dominante por uma narrativa fascinante na forma de “pinturas históricas à la Grand Manner”.
O gênero, porém, já não atraía tanto o interesse do público e ele se voltou a temas como o homem do campo que afluía para a cidade nos dias das feiras.
Adoecendo, ele deixa a capital e vai para Zaandvoort, um pequeno povoado de pescadores. Foi ali, nesse vilarejo, que ele descobriu um tema que o fascinou: o dia-a-dia dos pescadores. Durante sua permanência em Zaandvoort fez muitos esboços de composições que duraram até o fim de sua carreira e o tornaram famoso.
Nas obras baseadas em suas observações da vida dos pescadores holandeses, onde retratou seu trabalho árduo, sofrimento e sacrifícios, o pintor utilizou com maestria a técnica do chiaroscuro2.
Em 1856, pintou um de seus quadros mais famosos, “Passando pelo túmulo da Mãe”. A obra, que se encontra, atualmente, no Museu Stedelijk, em Amsterdã, retrata um pescador diante de um túmulo, de mãos dadas com seu filho, levando outra filha no colo. Os pés descalços desse triste trio revelam pobreza e dificuldades, acrescidas com a perda da esposa e mãe.
No quadro “Pescadores carregam um afogado”, atualmente na Galeria Nacional de Londres, o artista retrata uma fileira de pescadores e suas famílias, vindos da praia, caminhando lentamente pelas dunas. Uma mulher, talvez a viúva do pescador, vai à frente, com os filhos a seu lado. Seus rostos revelam a perda. Atrás, o corpo do pescador morto é carregado por dois homens. No quadro o artista consegue retratar todo o sofrimento e as dificuldades dos pescadores e suas famílias. Este trabalho foi exposto em 1861 no Salão de Artes de Amsterdã e, em 1862, na Exposição Internacional de Londres, fazendo estrondoso sucesso nas duas mostras. Após essas duas exposições, Israëls conquista definitivamente a admiração do público e dos críticos.
O sofrimento e a angústia das famílias de pescadores estão mais uma vez presentes na tela “Aguardando, ansiosos”. Na tela, o céu alaranjado e o movimento das ondas são o prenúncio de uma tempestade, enquanto uma mulher sentada nas dunas com o olhar fixo no mar, tendo uma criança em seus joelhos, espera o retorno do marido que saiu com o barco para o alto-mar. Esse tipo de obra fez com que Israëls ficasse conhecido como o “o Millet holandês”, porque os dois artistas tiravam sua inspiração da vida dos mais humildes.
No entanto, como vimos acima, enquanto as obras de Jean-François Millet são mais claras e como que observam a paz da vida rural, as de Israëls são mais sombrias e carregadas de mensagens de desespero. Em 1860, termina o quadro “O dia anterior à partida”, atualmente parte do acervo do Museu de Belas Artes de Boston. É uma obra sobre a morte. No fundo de um chalé mal iluminado há um caixão entre duas cadeiras, coberto com uma mortalha e pouco iluminado por uma vela solitária. A luz entra no local a partir da esquerda e ilumina os dois personagens – mãe e filha. No primeiro plano se vê a mãe sentada na cadeira, apoiando-se na lareira. Seu rosto está vermelho por causa das lágrimas derramadas. A seus pés está sentada uma menina que se apoia na mãe em busca de conforto, com o olhar fixo no caixão. Nessa obra o artista demostra seu grande talento ao usar o forte contraste entre luz e escuridão, o chiaroscuro, como o contraste entre a vida e a morte. Por esse trabalho, Israëls recebeu uma medalha de ouro em uma mostra em Roterdã, em 1862. No mesmo ano, participou da Exposição Internacional de Londres.
Em maio de 1863, o pintor se casa com Aleida Schaap, com que teve dois filhos: Mathilde Anna, nascida em fevereiro de 1864, e Isaac Lazarus, nascido em fevereiro de 1865, que se tornou pintor como o pai. Seu nome está ligado ao movimento impressionista de Amsterdã.
A vida em Haia
Em 1870, a família se transfere para Haia, onde Israëls adere ao chamado Grupo de Pintores de Haia, que atuou de 1860 a 1890, cujo estilo procurava retratar a realidade de forma objetiva, sem idealismos. O Grupo de Pintores de Haia usava geralmente cores sombrias e lúgubres, em especial tons de cinza, a ponto de serem chamados de Escola Cinza. Esta tendência começou a mudar nos últimos anos de existência da chamada Escola de Haia, influenciada pelos pintores de Barbizon e os primeiros impressionistas, que criaram uma paleta mais clara e brilhante.
Israëls é muitas vezes chamado de “Rembrandt do século 19”. Muitas das telas são grandes, com elementos melodramáticos e carregados de emoção. Os tons escuros e negros evocam o tradicional estilo holandês. Israëls se utilizou de técnicas e cores do século 17, lembrando o estilo de Rembrandt ou Van Ostades. O jogo de luzes em suas obras é, sem dúvida, uma forte influência de Rembrandt. Ele, por sua vez, serviu de inspiração para Van Gogh.
A admiração do pintor por Rembrandt remonta à década de 1840, quando vivia em Amsterdã: “Eu morei a poucas casas do famoso local no qual ele trabalhou durante anos. Eu via as massas, a pressa, os rostos avermelhados dos judeus com suas barbas cinzas; as mulheres com seus cabelos ruivos, os carrinhos com peixes e frutas e outros apetrechos – tudo remetia à Rembrandt”.
Como entalhador e pintor de aquarelas, ele produziu um grande número de obras, que, assim como seus óleos, são carregados de um sentimento profundo. Suas telas são geralmente tratadas com generosos volumes de luz e sombra, o que destaca o sujeito principal sem negligenciar qualquer detalhe que seja.
Temas judaicos
Ao longo de sua vida e, principalmente, nos últimos anos de sua carreira, os temas judaicos tornaram-se mais frequentes em suas obras, destacando-se, “O filho do Povo Antigo”, 1889; “O escriba da Torá” (1902); “Casamento judaico” (1903); e as gravuras “David perante Shaul” (1908) e “Velho sábio judeu”. “David canta para Shaul” foi um de seus últimos trabalhos. Pintou também retratos de familiares e de importantes personalidades judaicas da época.
Israëls conquistou fama não apenas como um importante representante da Escola de Haia ou como o “Rembrandt do século 19”, mas como pintor judeu.
Dizem especialistas que o quadro “Casamento judaico” é um dos melhores exemplos da influência de Rembrandt sobre Israëls. Na tela, veem-se a noiva e o noivo sob a chupá, cercados pela família e seus convidados. Ao fundo, brilha a luz simbolizando a alegria do momento.
Os judeus foram os primeiros colecionadores de suas obras, levando o artista a fazer, inclusive, uma série de cópias da pintura “O filho do Povo Antigo” para serem vendidas no mercado americano. Este quadro, marcante na carreira de Israëls, retrata um homem idoso e humilde sentado na soleira de uma casa, e é identificado como um mendigo ou um vendedor de produtos usados. Sua religiosidade é revelada por um prato de ouro e candelabros em uma mesa de canto que aparecem no primeiro plano. A tela lembra os homens velhos retratados nas obras de Rembrandt, geralmente identificados como “judeus” nos catálogos. “O filho do Povo Antigo” foi claramente inspirado na obra “Retrato de um Ancião”, de 1654, de Rembrandt.
O quadro foi descrito por um crítico de arte como o símbolo de todos os judeus: “É um filho daquele povo antigo, cujos membros são dispersos entre os povos como folhas que se mexem com a tempestade, mas que não se misturam e se tornam um único”.
Israëls exerceu considerável influência na geração posterior de artistas judeus, inclusive na Europa Oriental, inspirando pintores como Leopold Pilichowski e Samuel Hirszenberg. Seus trabalhos foram incluídos em uma mostra importante realizada em Berlim (Alemanha), em 1907, sobre os pintores judeus do início do século 20.
É consenso entre os historiadores e críticos de arte que Israëls foi o pintor de maior sucesso de sua época. No momento em que o estilo holandês do século 17 vivia um período de renovada popularidade entre os críticos franceses, ele foi considerado o herdeiro vivo desta tradição. Ele conseguiu não apenas ser incluído no prestigiado Salão Francês e na Exposição Universal de Paris, em 1878, mas participou, também, da “progressista” mostra “Arte da Secessão e Arte Judaica na Europa Central”.
Sua amizade de longa data com o famoso pintor judeu Max Liebermann lhe trouxe estreitos e inúmeros contatos na Alemanha. Assim, em 1892, participou de mostras com o grupo que viria a ser chamado de Berlin Secession e que, posteriormente, lhe concederia o título de membro honorário. Fez parte do comitê organizador da 1ª Bienal de Veneza, em 1895, evento que aconteceu dois anos depois. Foi laureado com inúmeros prêmios na Europa como reconhecimento pelo mérito de sua obra, incluindo a Ordem Real do Leão da Holanda, a Legião de Honra da França, em 1867, e a Ordem de Leopoldo, concedida pelo Rei da Bélgica.
Jozef Israëls faleceu em agosto de 1911, na cidade de Scheveningen, sendo homenageado com um enterro digno de um chefe de estado.
Bibliografia
Eliane Strosberg, The Human Figure and Jewish Culture
Susan Tumarkin Goodman, The Emergence of Jewish Artists in nineteenth-century Europe
Samantha Baskind & Larry Silver, Jewish Art A Modern History
Lucian Regenbogen, Dictionary of Jewish Painters
Edward van Voolen, 50 Jewish Artists you should know