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 – O ex-presidente brasileiro foi o primeiro líder sul-americano a receber o “Doctor Philosophae Honoris Causa” concedido pela Universidade de Tel Aviv. Em seu discurso, no evento realizado em um dos auditórios da instituição na noite do dia 15, ele ressaltou a “saudável combinação israelense entre prosperidade e liberdade”, e lembrou a contribuição judaica à construção da democracia brasileira.

Captura de Tela 2014-05-19 às 22.31.52No mais importante evento da visita de Fernando Henrique Cardoso a Israel, entre 15 e 18 de maio, o ex-presidente brasileiro recebeu uma das mais maiores honras concedidas pelo país a personalidades israelenses e internacionais: o título “Doctor Philosophae Honoris Causa”. Esse prêmio foi criado em 1965 pela Universidade de Tel Aviv e já homenageou personalidades como a ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, a chanceler alemã Angela Merkel, o escritor Amos Oz e o ganhador do Prêmio Nobel da Paz Elie Wiesel. FHC foi o primeiro estadista sul-americano a receber este título.

Dividindo o palco com outros seis homenageados de diferentes países, o ex-presidente foi responsável pelo principal discurso da noite. “Sou um velho amigo de Israel e todos brasileiros devem muito ao país: ele foi um dos exemplos de democracia nos quais nos baseamos para estabilizar a economia brasileira”, declarou. Ressaltou diversas vezes que enxerga Israel como um país que preza a liberdade e a dignidade da sociedade. “Tenho, por fim, imenso respeito por essa incrível conquista dos judeus: o Estado de Israel”, completou.  Em seguida, ele elogiou a contribuição da comunidade judaica ao Brasil e mencionou a participação de judeus no processo de reconstrução da democracia brasileira. FHC encerrou seu discurso frisando a importância da paz para a região. “Como cientista político, reconheço que existem grandes impasses. Mas estou convencido de que a paz será a conquista final da promessa judaica”.

Fernando Henrique viajou a Israel a convite da Sociedade Brasileira dos Amigos da Universidade de Tel Aviv (TAU). O presidente da instituição, Mario Adler, esteve presente ao evento, assim como Claudio Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil, e Jayme Blay, presidente da Câmara  Brasil Israel de Comércio e Indústria (Cambici). Também assistiram à homenagem o vereador paulistano Floriano Pesaro e dois grupos de empresários brasileiros que participaram, ao longo da semana, do Seminário de Imersão em Israel como “Start-Up Nation”, a convite da TAU, e de uma missão empresarial, coordenada pela Cambici, com o objetivo promover a economia de Israel e fortalecer relações bilaterais. Encerrando a visita a Israel, Fernando Henrique deve encontrar-se, no dia 18, com o presidente israelense Shimon Peres, na casa presidencial, em Jerusalém.

Confira o vídeo no Portal Terra (que transmitiu o evento ao vivo) e a matéria publicada na Folha.

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O país da água por Amir Szuster da Conexão Israel

 

Como Israel venceu um dos seus maiores desafios e transformou-se em uma nação com excesso de recursos hídricos?

Uma fonte de problemas políticos e econômicos

Desde antes da criação do Estado, a questão do abastecimento de água esteve na pauta de prioridades das lideranças sionistas. Um dos motivos da criação dos livros brancos na época do mandato britânico, que restringiam à imigração de judeus a terra de Israel na época do Ishuv, foi o relatório escrito pelo expert em agricultura, Sir John Hope Simpson, que apontava para um gargalo no suprimento de água na região, impedindo assim qualquer aumento populacional, sob pena de uma total escassez de recursos hídricos para seus habitantes.

A apreensão apenas se intensificou após 1948. Em menos de dez anos, a população do país mais do que duplicou e a falta de suprimento de água figurava entre os principais desafios do recém-criado estado.

O tempo passou, mas o desafio continuava. O desenvolvimento agrícola restringia-se de acordo com as possibilidades do país – a escolha do tipo de produto agrícola dependia da quantidade de água necessária para o seu plantio. A disputa pelos recursos hídricos serviu de fonte de atritos políticos tanto com a Síria, como com a Jordânia. Inclusive, a disputa pela água do rio Jordão foi um dos principais motivos causadores da Guerra dos Seis Dias. Ou seja, a água era tanto um problema estratégico interno que limitava o desenvolvimento econômico, como uma fonte reincidente de atritos com os países vizinhos.

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O lago Kineret

Se a demanda aumenta…

Sir John Hope Simpson tinha razão em dizer que o aumento da demanda tornaria inviável a questão hídrica no país, mas ele errou em acreditar que a oferta de água se manteria estática.

Havia espaço para novas fronteiras tecnológicas. A revolução teve origem na utilização de duas novas fontes de água não consideradas previamente: a água tratada do esgoto e a água proveniente do processo de dessalinização.

O gráfico 1 nos mostra a evolução da quantidade de água tratada por esgoto (reutilizada para fins agrícolas) e a água obtida por meio do processo de dessalinização em 1990, 2000, 2010 e 2011.

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Por falta de dados mais detalhados para todas as categorias, não expus as quantidades atuais, mas estima-se que em 2013, as plantas de dessalinização já detém o potencial de produzir 505 milhões de metros cúbicos (mais que o dobro do que está apontado no gráfico para o ano de 2011). Uma revolução. O avanço tecnológico se deu por conta de um grande investimento do governo em plantas de dessalinização, mesmo quando estas ainda eram economicamente inviáveis.

Na última década, beneficiados pela descoberta de campos de gás natural – fato este que torna menos custosa a produção de água por este método, reconhecido por seu altíssimo consumo de energia – os israelenses passaram a contar com uma fonte segura de abastecimento. Estima-se que o custo baixou de $1 por metro cúbico para $0.40, ou até menos nas plantas mais modernas.

Paralelamente, Israel criou um esquema de tratamento de água de esgoto para fins agrícolas que está entre os mais desenvolvidos do mundo. Como pode ser visto no gráfico 2, a partir de 2011 o uso deste tipo de água foi maior que o uso de água doce na agricultura. A utilização deste recurso tem dois benefícios simultâneos: introduz uma nova e importantíssima fonte de água para o país e reduz a necessidade do uso de fertilizantes, já que a água reciclada já contém diferentes nutrientes que ajudam no enriquecimento do solo.

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As consequências

Da mesma forma que no campo político, a questão da água passou de motivos de guerra para a assinatura de acordos de paz com os jordanianos, a receita pode repetir-se agora que Israel goza de um saldo de recursos. Este superávit pode ser uma importante moeda de troca em uma região em que a água ainda é escassa e disputada. Se não diretamente, a elaboração de projetos de cooperação em conjunto com países vizinhos pode vir a ser um fator essencial na criação de uma utópica (hoje em dia!) integração regional.

Gráfico 3 – Variação do nível da água do lago Kineret

A linha vermelha de baixo representa o limite inferior: o momento de preocupação do israelense

A linha vermelha de baixo representa o limite inferior: em 2009 atingimos o nível mais baixo da história

Enquanto isso, a população segue observando atentamente o nível de água do lago Kineret (gráfico 3). Anos de poucas chuvas são marcados por apreensão, enquanto anos chuvosos ainda são comemorados. A cultura por aqui continua a mesma, seja por desconhecimento, seja por tradição.

Particularmente, não acredito que a população mudará seu comportamento, já que esta cultura de valorização dos recursos hídricos passou a ser uma marca da sociedade – ela está enraizada no pensamento do israelense.

Mas mais importante que isso, a história da água apresenta uma característica ainda mais marcante desta sociedade. Característica esta que foi a responsável pela idealização, criação e segue hoje sendo um pilar básico da continuação deste Estado: a exímia capacidade de transformar desafios em oportunidades.http://www.conexaoisrael.org/o-pais-da-agua/2014-05-15/amir

Fontes:

http://www.haaretz.com/news/national/1.570374

http://www.water.org.il/

http://www.mekorot.co.il/HEB/WATERRESOURCESMANAGEMENT/CONSUMEDATA/Pages/default.aspx

http://www.mekorot.co.il/Heb/articles/Pages/Kinneret.aspx

www.cbs.gov.il

Livro de ouro da agricultura e colonização – Editado pelo jornal Maariv, 2012

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1. Drasha (comentários) sobre  os Essênios e sua relação sobre a idéia do conceito "Havdala".
"Conta-se que o antigo grupo de hebreus os essênios, se consideravam os Bnei Haor "filhos da Luz " viviam em comunidades retiradas de qualquer influencia estranha aos seus valores judaico, suas comunidades se chamavam Yachad -"juntos" eram um grupo muito especial em sua época , pois viviam num sistema comunal , onde havia uma grande solidariedade e ajuda mutual entre todos os membros. Eram um grupo altamente espiritualizados, procuravam através dos 5 elementos vitais da Natureza a Luz, a Água, o Fogo, a terra e o ar o segredo para se aproximar do Criador. Um desses exemplos era a sua peculiar forma de receber e comemorar o shabat, onde se reuniam toda da comunidade para receber as primeiras luzes das estrelas, , realizavam uma refeição especial , e depois sob a luz de velas passavam a noite se dedicado para estudar e discutir sobre os mistérios da Torah . Pela manha ainda bem cedo acordavam para receber as primeiros raios de Luz desse novo dia, e ao entardecer todos os membros da comunidade "BeYachad" juntos se encontravam para observando o céu a procura das primeiras estrelas para se despedir do Shabat . Os Essênios através da luz das estrelas agradeciam ao criador por esse dia sagrado que separava as suas vidas entre O Espiritual e o Material .Os Essênios acreditavam que neste especial momento de Havdala entre a luz do dia e luz da noite, poderiam ajuda-los a entender o segredo da vida e os aproximando do explendor do Criador .

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 2.  Mestre da cerimônia convida os alunos do Eliezer para  sair para um lugar aberto, e procurar as primeiras estrelas que brilham no céu. E declara . "O Fim do Shabat se aproxima, em sua partida, não podemos deixá-lo sair despercebido. Sua retirada também devera ser anunciada por todos . Procuremos a luz das estrelas que esta brilhando no céu , e agradecemos a esse especial momento de podermos estarmos juntos, aqui reunidos em comunidade, entre amigos se confraternizando com esse especial momento que é a Havdala ."


3.Mestre da cerimônia convida  um aluno  para fazer a Bracha a bênção tradicional. (Ele erque um calice de  suco de frutas, e pronuncia:
" Baruch, hamavdil ben côdesh lechol" - ("Bendito é Ele que separa entre o sagrado e o comum.") Amem E todos repetem : "Baruch, hamavdil ben côdesh lechol" ("Bendito é Ele que separa entre o sagrado e o comum.") Amem


4.Mestre da cerimônia convida uma aluna  segunda Bracha (bênção) em Português: Ela ergue um cálice de  suco de frutas,e pronuncia:
"Desejando a todos uma nova semana de Paz, tranqüilidade, saúde e Sucesso na realização de nossos compromissos e obrigações, que tenhamos a sabedoria para saber separar no nosso dia a dia do que seja sagrado ao profano." Amem

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5.O Mestre Convida 2 alunos e professora  para acender em conjunto e fazer a Bracha  das velas


"Faremos uma bênção da Luz. Luz tão importante em nossas vidas .

Que com Luz seja iluminado os nossos atos

Que com Luz realizaremos atos de bondade e calor humano.

Que com Luz possamos proporcionar a alguém esperanças " Amem

 

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7- O Mestre da Cerimonia Pega o cálice com o vinho na mão esquerda e, na direita, segura-se a caixa contendo cheio de fragrâncias : Lavanda, Rosa e Rosemary recitando a seguinte Bracha bênção: 
"Baruch Atá borê haolam, borê minê bessamim." Amen "Bendito és Tu, Criador do Universo, que cria diversos tipos de especiarias aromáticas. " Amen


8-O Mestre da Cerimonia convida um aluno e uma aluna  para ler em conjunto uma( Bracha) bênção :


"Nesta nova semana vamos Procurar ter mais sensibilidade para observar e sentir os contrastes da natureza como: A Luz , A escuridão, A Água , O fogo, A Terra e O Ar."

" "Nesta nova semana Vamos procurar fazer o Bem preservando e produzindo coisas para o mundo, se afastando do ódio, da destruição, dos conflitos , das violência e das ganancias."

Nesta nova semana Vamos Procurar a ser mais justo com a natureza ser mais paciente com a família, mais pacifico com o outro, mais solidário com o diferente, mais tolerante no trabalho, mais carinhoso com com o colega"

" Nesta nova semana Vamos ser corajosos para rejeitar as opressões, e as guerras no mundo, Exigir a Paz em Israel , defender que todos no Brasil tenha o direito a educação ,saúde, liberdade e a dignidade humana."

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 9-  O Mestre da cerimonia passa para todos a cheirar as especiarias, e cada um no ato de cheirar declara ao outro ao seu lado "Shavua Tov"


 11- O mestre da Cerimonia finaliza a Havdala com essas palavras.


"Saldamos a todos os seres Humanos que sejam capazes de distinguir , entre justiça e miséria , entre a Paz e Guerra, entre liberdade e autoritarismo, entre educação e ignorância, entre solidariedade e violência, entre esperança e conformismo, entre Amor e ódio Entre Sagrado e Profano.


Desejamos a todos Shavua Tov!

 

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As Três Heroínas de Pessach - Morasha

O Seder de Pessach é o mais comemorado dos rituais judaicos. A Hagadá lida nessa cerimônia relata o nascimento do Povo de Israel: a escravidão no Egito, o decreto de genocídio contra os recém-nascidos judeus de sexo masculino, as pragas e os milagres. A libertação de nosso povo, que é o tema central da festa de Pessach, ocorreu graças aos heroísmo e coragem de três mulheres.

A história que a Hagadá transmite é relatada pelo segundo livro da Torá, Êxodo. O relato é bastante famoso: ao longo dos séculos, serviu como fonte de inspiração para milhões de pessoas, judeus e não judeus. A história da escravidão e libertação do Povo Judeu toca a alma e gera grandes emoções – fascina e inspira. É uma lição sobre sofrimento e esperança, desafios e triunfos, milagres e maravilhas, heróis e vilões.

Seus protagonistas são famosos: Moshé Rabenu – o maior profeta e líder judeu de todos os tempos – e seu irmão e companheiro, Aharon – o primeiro Cohen Gadol, Sumo Sacerdote e pai de todos os Cohanim. Há na história muitos heróis anônimos: líderes judeus que sofreram para proteger e preservar o Povo de Israel no Egito.

Seus antagonistas são também lendários. O maior deles é o próprio rei do Egito, o Faraó. Mas ele não age sozinho. Conta com poderosos feiticeiros e astrólogos e com conselheiros que o auxiliam na execução de seus planos malévolos: a escravidão dos judeus e, posteriormente, o extermínio dos meninos e a assimilação das meninas.

O decreto de atirar os recém-nascidos judeus no Nilo se deve a uma previsão feita por esses astrólogos. Eles relataram a Faráo que nasceria um menino que seria o libertador do Povo Judeu, mas que viria a falecer “por meio da água”.

Isso, de fato, ocorreu: a porção de Chukat, no quarto livro da Torá, Bamidbar - Números, relata o famoso incidente que selou a decisão do Eterno de que Moshé não entraria na Terra de Israel. A Torá conta que, com o falecimento de Miriam, D’us fez com que a Fonte de Miriam desaparecesse para que os Filhos de Israel percebessem que a milagrosa fonte da qual fluía água em abundância, e que os acompanhara, até então, em sua longa caminhada pelo deserto, havia sido provida por D’us, pelo mérito de Miriam.

Ao chegarem a Kadesh, no deserto de Zin, onde não há água, os Filhos de Israel, desesperados, clamam a Moshé. D’us então lhe ordena: “Toma o cajado e reúne a congregação, tu e Aaron, teu irmão, e falareis à rocha diante de seus olhos; e dará as suas águas, e tirareis para eles águas da rocha e dareis de beber à congregação e aos seus animais”. A Torá relata que Moshé tomou seu cajado e, com seu irmão Aaron, congregou o povo diante da pedra. “E Moshé levantou sua mão e feriu a rocha duas vezes com seu cajado, e saiu muita água, e a congregação e seus animais beberam”. Mas, a ordem que D’us dera a Moshé era que falasse com a pedra, não que nela batesse. Por ter violado tal ordem Divina, D’us decreta que ele e seu irmão Aaron faleceriam no deserto, não tendo, pois, o mérito de adentrar a Terra Prometida.

Os astrólogos egípcios vislumbraram a consequência de tal incidente. Já que o calcanhar de Aquiles do grande salvador dos judeus era a água, aconselharam o Faraó a lançar todos os recém-nascidos judeus nas águas do Nilo. Essa seria a única forma de garantir a morte do líder judeu, cujo nascimento era iminente. Faraó seguiu o conselho de seus astrólogos e conselheiros. Moshé foi, de fato, jogado no Nilo, mas sobreviveu ao decreto de genocídio e foi o agente Divino responsável pela redenção do Povo Judeu.

Na realidade, o processo de redenção de nosso povo se iniciou antes do seu nascimento, por meio de três mulheres: Yocheved, Miriam e Bitia.

O Livro de Êxodo conta que duas parteiras judias se recusaram a acatar o decreto genocida do Faraó. Segundo a Torá, “as parteiras temeram a D’us e não fizeram conforme o que o rei do Egito lhes dissera, e elas causaram com que os meninos vivessem” (Êxodo 1:17).

A Torá relata que as duas parteiras eram chamadas de Shifrá e Puá. O Talmud revela suas verdadeiras identidades: Yocheved, esposa de Amram, e sua filha Míriam, que, com apenas cinco anos, ajudava a mãe em seu trabalho. Conta o Midrash que, ao ouvir a ordem do Faraó de que todo menino hebreu recém-nascido devia ser jogado no Nilo, Míriam se revolta e diz: “Que rei mais malvado! Pobre de ti quando D’us for te punir”. Só a insistência de Yocheved em afirmar que Míriam era apenas uma criança salvou sua vida da fúria do rei do Egito.
Por “temer a D’us”, as parteiras não só desobedecem as ordens do rei como passam a acudir os recém-nascidos, alimentando-os e escondendo-os. A Torá nos revela que D’us as recompensou por tal ato heroico de desobediência: “D’us construiu Casas para elas”. O Talmud explica que essas casas não foram habitações físicas, e sim, dinastias. Yocheved se tornou a mãe dos Cohanim e Levi’im e um dos descendentes de Miriam foi o Rei David, o maior monarca judeu (Sotá, 11b). Além disso, foram recompensadas por meio do nascimento de uma criança que mudaria a história do mundo. Por ter salvado os filhos de outras famílias judias, Yocheved deu à luz à maior alma que já veio ao mundo: Moshé Rabenu.

Mas o nascimento do maior profeta e líder judeu também se deve à sua irmã, Miriam. Quando o Faraó decretou que todo recém-nascido judeu seria atirado no Nilo, Yocheved e seu marido, Amram – líder do Povo Judeu à época –, se separaram, pois decidiram que era preferível não ter mais filhos a arriscar que Yocheved desse à luz a um menino, que seria morto no Nilo. Foi Miriam quem os convenceu do contrário, dizendo: “Pai, seu decreto é mais severo do que o do Faraó! Ele só decretou contra os meninos, seu decreto estende-se a todas as crianças, meninos e meninas”. Ela, que era uma profetiza, prometeu aos pais que eles teriam um filho que seria o salvador do Povo Judeu (Sotá, 12b-13a).

Mas há ainda uma terceira mulher responsável pela redenção de nosso povo. Seu nome: Bitia, a filha do Faraó. A Torá relata que, no dia em que Moshéfoi posto em um cesto e jogado no Nilo, Bitia foi banhar-se no rio. Ela vê um cesto e um menino que se encontra nele, que chora. Apesar de estar ciente de que se trata de uma criança judia que havia sido lançada ao Nilo devido às ordens de seu pai, a princesa o salva. Relata a Torá: “Ela teve piedade dele e disse: ‘Este é um dos meninos hebreus’ ” (Êxodo 1:6).

Salvar a vida da criança significaria desobedecer a um decreto real. Isso é algo que se poderia esperar de um judeu, não de um egípcio – muito menos de um membro da família real – a própria filha de Faraó.
É notável que Bitia não estivesse só quando tomou essa decisão. Ela se encontrava na companhia de sua serva. Portanto, corria o risco de que seu ato se tornasse de conhecimento público, chegando aos ouvidos reais. Mas nem isso a fez titubear.

Após Bitia ter salvado Moshé do Nilo, ocorre algo extraordinário. Miriam, que havia profetizado que seu irmão seria o salvador dos judeus, permaneceu às margens do Nilo, observando a cesta onde se encontrava a criança. Miriam sabia que seu irmão não pereceria no Nilo. Quando ela vê que a filha de Faraó o recolhera, pergunta a Bitia: “Devo chamar uma mulher judia para amamentar a criança para você?”. “Vai”, responde Bitia. Miriam chama Yocheved e a mãe adotiva da criança diz à verdadeira mãe: “Leva esta criança e a amamenta para mim. Eu te pagarei por isso”.

Tal episódio evidencia a fé e coragem de Miriam. Ela nunca perdeu as esperanças de que seu irmão sobreviveria para salvar seu povo. Miriam tem a audácia de propor à própria filha de Faraó um plano para salvar um menino judeu. Ela sugere que Yocheved, a verdadeira mãe de Moshé, aja como se estivesse amamentando uma criança egípcia até que Bitia possa adotá-lo. Três mulheres – Yocheved, Miriam e Bitia – conspiram para salvar a vida de Moshé do decreto genocida de Faraó.

A Torá, então, nos conta que após o período de amamentação, Yocheved “o trouxe à filha do Faraó e ele foi para ela como filho...” (Êxodo, 2:10).

Apesar das ordens do pai, o poderoso rei do Egito, Bitia adota a criança e a cria no próprio palácio do Faraó – o arqui-inimigo de nosso povo. E o cria como filho. É ela quem dá ao menino o nome de Moshé. Ensinam nossos Sábios: o maior de nossos profetas possuía vários nomes, inclusive aquele dado por seus pais quando nasceu, Tuvia. Mas, na Torá, D’us sempre o chama de Moshé – em reconhecimento à mulher que o salvou e criou. É interessante que o Livro das Crônicas se refere a Moshé como “ben Bitia” – filho de Bitia. Isso porque, apesar de não ter sido sua mãe biológica, a filha do grande vilão da história, salvou, educou e amou Moshé.

Em recompensa por seu heroísmo, ela foi imortalizada pela Torá. Não sabemos qual foi o nome dado a ela quando nasceu: a Torá a chama de Bitia, que significa “filha de D’us”, pois como ensina o Midrash: “D’us disse a ela: ‘Você adotou um filho e o chamou de Moshé, que significa ‘filho’ em egípcio. Eu farei o mesmo: Eu a adotarei e a chamarei de Minha filha’”.

Bitia foi a única egípcia a não ser atingida pelas Dez Pragas. Além disso, ela foi um dos pouquíssimos seres humanos a adentrarem o Mundo Vindouro sem ter falecido. Graças a seu heroísmo e generosidade, além de ser chamada de “filha de D’us” e ser considerada a mãe de nosso maior profeta, ela triunfou sobre o maior desafio da humanidade – a morte. Tal graça Divina não foi concedida nem mesmo a Moshé.

O que Yocheved, Miriam e Bitia nos ensinam

A palavra Torá advém de Hora’á – ensinamento. A Torá não é um livro de histórias, e sim, uma obra de autoria Divina que contém lições para todo o Povo Judeu, em todas as gerações. O heroísmo de Yocheved, Miriam e Bitia serve de exemplo para todos nós. A essas três grande mulheres, nós, o Povo Judeu, devemos nossa liberdade e todas as bênçãos que advieram dela – a Revelação no Monte Sinai, o recebimento da Torá e a Terra de Israel. Mas além de terem desempenhado um papel fundamental na história de nosso povo e da humanidade, essas três mulheres ensinaram lições que, decorridos mais de três milênios, continuam a reverberar. Elas nos ensinaram que mesmo quando há escuridão e maldade no mundo, cabe ao ser humano desafiá-las ao gerar luz e promover a bondade.

A coragem de Yocheved, Miriam e Bitia serve de argumento contra todos aqueles que alegaram ter feito o mal porque não lhes foi dado escolha – porque tinham a obrigação de seguir ordens. O ato de Bitia ao salvar Moshé Rabenu rechaça os argumentos apresentados pelos nazistas nos Julgamentos de Nuremberg.

Das três heroínas de Pessach, Bitia é quem nos ensina mais lições, entre elas, a de que não se deve julgar outros seres humanos por motivo de nacionalidade, etnia ou religião. A salvação do Povo Judeu ocorreu por meio de uma mulher que, além de egípcia – membro do povo que nos escravizava e nos assassinava –, era a própria filha do líder antissemita da época. Foi a filha de um homem responsável por uma campanha de genocídio contra os judeus quem adotou, educou e protegeu nosso maior líder e profeta – aquele que não apenas liderou a libertação do Egito, mas trouxe a Torá dos Céus à Terra e conduziu nosso povo à nossa Pátria ancestral e eterna – Eretz Israel.

Há ainda outra lição a se aprender de Yocheved, Miriam e Bitia: a de que, cedo ou tarde, D’us recompensa abundantemente a bondade, a coragem e a generosidade.

A Torá nos ensina que o Todo Poderoso tem grande afeto por aqueles que cumprem Sua vontade, apesar da oposição e das ameaças daqueles que desejam disseminar o mal e a escuridão pelo mundo. É nos momentos mais difíceis, de maior escuridão, que a luz brilha mais forte e que a bondade e a coragem se tornam mais aparentes.

Pessach é a festa da liberdade. Ensina o judaísmo que o verdadeiro significado da liberdade é o livre arbítrio: o poder de escolher o bem e rejeitar o mal, independentemente de qualquer fator ou circunstância.

As três heroínas da história de Pessach não apenas corroboram o ensinamento de nossos Sábios de que a redenção de nosso povo ocorreu graças às mulheres, mas elas também personificam os temas da festa mais celebrada pelos Filhos de Israel: a liberdade, a desobediência ao mal, a coragem, a dignidade humana e a valorização da vida – temas universais e atemporais, que permeiam o judaísmo e que há mais de três milênios vêm influenciando a humanidade.

BIbliografia:
Rabi Sacks, Jonathan, Exodus: The Book of Redemption. Covenant & Conversation - A Weekly Reading of the Jewish Bible, Maggid Books & the Orthodox Union

Rabi Munk, Elie,The Call of the Torah

Rabi Weissman, Moshe,The Midrash Says

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La narración con la que se recuerda año a año esta celebración casi no menciona al líder que condujo a la liberación de los judíos de la esclavitud en Egipto. ¿Por qué será? He aquí algunas hipótesis…
Por Efraim Zadoff *

Esta pregunta puede resultar un tanto extraña a todo aquél que en la noche del séder de Pésaj lee la Hagadá o parte de ella pero no se detuvo a reflexionar y analizar su contenido y el por qué de la inclusión de ciertos textos en vez de otros. Sin embargo, esta es la realidad: en la Hagadá se menciona a Moshé una sola vez y de un modo casual: "Rabi Iosei de Galilea dice: ¿de dónde sacas que los egipcios sufrieron en Egipto diez plagas y en el mar cincuenta? (…) en Egipto dice… y en el mar dice (Shmot – Éxodo 14:31): Israel vio cuán grande se mostró el Eterno con los egipcios y el pueblo temió al Eterno y creyeron en Él y en Moisés Su siervo".
Sin embargo, la observación de este versículo, que en sí mismo refleja la actitud del libro de Shmot hacia Moshé, podría conducirnos a reflexionar sobre la razón de este cambio radical en la actitud de "las fuentes" a un personaje tan central en la historia de los albores nacionales de las tribus israelitas. Citemos nuevamente estas palabras: "… y creyeron en Él y en Moisés Su siervo". Moisés es un personaje encumbrado, muy por encima de los demás seres humanos y muy cercano a "Él". La narración en el libro de Shmot y en muchos de los libros del canon bíblico sobre la liberación de los hijos de Israel de la esclavitud y su salida de Egipto, presentan claramente la centralidad de Moshé en toda la trama de los hechos.
En realidad, esta ausencia de Moshé en la Hagadá es sólo uno de los grandes cambios que podemos reconocer entre las tradiciones de la festividad de Pésaj tal como está registrada en los libros compilados en el canon bíblico (siglos VIII-V a.e.c.) y las tradiciones que se fueron desarrollando posteriormente. De acuerdo a estas fuentes literarias, la esencia de esta festividad era la de congregarse en el Gran Templo de Jerusalén o en los lugares de culto (una de las tres festividades de este tipo - regalim) el día 14 del mes primero (luego denominado Nisán y convertido en el séptimo del año hebreo). El festejo consistía en sacrificar un cordero y al anochecer comer su carne asada, acompañada de matzot y hierbas amargas, en recordación a que en la décima plaga en Egipto la muerte salteó las casas de los hijos de Israel y sus hijos primogénitos no fueron muertos (Shmot 12: 3-11).
Cambios de este tipo se registraron también en muchas otras tradiciones, que fueron modificadas por los dirigentes culturales y espirituales, para adecuarlas a las necesidades que surgían con el devenir de los acontecimientos en momentos específicos. Por ejemplo: el cambio en el culto religioso tras la destrucción de los dos Templos en Jerusalén, y colocar en el centro del mismo la congregación de las personas y el rezo, en vez de los sacrificios.

Hurgando en posibles explicaciones
Retornemos a nuestra pregunta inicial y a tratar de analizar qué fue lo que motivó a los redactores de la Hagadá de Pésaj y de la nueva versión de esta festividad para evitar la mención de uno de sus principales héroes: Moshé.
Una primera respuesta, que por ser evidente no deja de ser auténtica, reside en las frases de la Hagadá que dicen que: "Adonai nos sacó de Egipto no por medio de un ángel (…) y no por medio de un emisario. Fue él mismo Bendito sea su Nombre (…). Yo y no un emisario. Yo Adonai, Yo mismo y ningún otro". Estas palabras suenan como un eco de una controversia en torno al rol que se podía atribuir a Moshé, en la epopeya de la salida de Egipto, como emisario humano. Y esto viene a enseñarnos que es sólo Dios quien maneja los hilos de los acontecimientos históricos, y no sus servidores los humanos, por más prominentes que sean. Pero hay otras explicaciones que buscan respuestas en el contexto histórico y social.

La redacción de la Hagadá se puede ubicar desde las postrimerías de la época de los asmoneos o finales del Segundo Templo (fin del siglo I e.c.) hasta el fin de la época talmúdica y comienzo del período de los Gueonim (siglo VII e.c.). En total cerca de setecientos años.
Para poder acercarse a una explicación razonable hay que saber que el análisis y la interpretación de los textos bíblicos y sus personajes en esta época por parte de los maestros y los rabinos se hacían esencialmente de acuerdo a la realidad del momento y para satisfacer las necesidades que imponían las circunstancias, y en menor medida para comprender los textos bíblicos en sí mismos.
Durante el reino de la dinastía de los asmoneos, descendientes de Matitiáhu, perteneciente a una de las familias de sacerdotes (cohaním), surgió una dura controversia ya que de acuerdo a los escritos bíblicos el reinado sobre Judá correspondía a la dinastía de David, y había una clara separación entre el poder político, el rey, y el poder religioso, el sumo sacerdote (cohén gadol). Bajo el reinado de los asmoneos, ambos poderes se unificaron en una sola persona. Los que apoyaban esta opción veían su legitimación en Moshé, ya que él asumió el poder político y al comienzo también el religioso (ejecución de los sacrificios rituales – korbanot), y destacaban su pertenencia a la tribu de Leví (y no de Judá como David). En la literatura rabínica clásica hay muchos textos que procuran oponerse a la legitimación de los asmoneos, alejando a Moshé de los roles de líder político y religioso. También los redactores de la Hagadá, apoyaron esta perspectiva. El resultado fue la virtual ausencia de Moshé en la Hagadá.

Una segunda razón debe buscarse en los escritos de intelectuales de las comunidades judías helénicas en Éretz Israel, en las colonias helénicas en la cuenca del Mediterráneo y especialmente en la importante comunidad de Alejandría en Egipto. Entre el siglo II a.e.c. y hasta fines del I e.c. había una prolífica literatura antijudía en griego que acusaba a los judíos, entre otras cosas, de ser traidores al reino y especialmente a Moshé como traidor a su pueblo egipcio, al erigirse como líder de una multitud de leprosos, apátridas e incultos y destructor de sus templos. Escritores judíos helénicos prominentes como el filósofo Filón de Alejandría y el historiador Flavio Josefo, entre otros, asumieron la lucha contra los detractores del judaísmo, y especialmente salieron en defensa de Moshé atribuyéndole cualidades extraordinarias: desde fundador de la cultura universal, de la filosofía y la tecnología, la organización política egipcia y la religión greco-egipcia, hasta la invención de la escritura, las matemáticas y el comercio. En algunos casos llegaron a verlo como un semidiós. Los judíos de Éretz Israel, que temían por sus relaciones con sus vecinos helénicos, sintieron que debían neutralizar estas tendencias por lo que decidieron no mencionar a Moshé en la Hagadá.

A estas dos explicaciones se pueden sumar otras dos, que provienen de las controversias entre los judíos y los primeros cristianos, y entre los primeros y los samaritanos. Los primeros cristianos, en sus esfuerzos por glorificar a Jesús como mesías y salvador lo presentaban como una nueva versión de Moshé. Para ellos Moshé había traído la Ley terrenal, y asimismo anunciaba Jesús que había traído la Ley celestial o el Nuevo Testamento. Al mismo tiempo, tejieron narraciones en torno al origen de Jesús, que recordaban las que se desarrollaron en la literatura israelita en torno al origen de Moshé. En respuesta a estas controversias es que los rabinos decidieron que el rol de Moshé se limitaría al liderazgo de los israelitas desde Egipto hasta Canaán, y cancelaron toda posibilidad de atribuirle algún papel en la venida del mesías, que reservaron a la dinastía de David o de Iosef, y su anunciante sería el profeta Eliáhu. De este modo quisieron evitar a los cristianos toda posibilidad de reforzar su posición sobre la conexión entre Moshé y Jesús.
También la disputa con los samaritanos ocupaba a los dirigentes judíos de aquella época. Los samaritanos atribuían a Moshé poderes sobrenaturales, acercándolo a un carácter más angelical que humano, atribuyéndole el rol de mesías que en el futuro redimiría a su pueblo y a todo el mundo. Al no incluirlo en la Hagadá se aspiraba evitar esta interpretación.

¿En qué medida es todo esto relevante en nuestros días? Así como en la Hagadá de Pésaj se declara que cada judío, en toda generación, debe sentirse como si él mismo salió de Egipto y se liberó de la esclavitud, a mí parecer cada generación y cada visión del judaísmo debe narrar la epopeya tradicional de nuestra cultura nacional en el contexto en el cual vive y de un modo relevante a su existencia. Es así como en los últimos cien años, y también en el presente, se redactaron múltiples versiones de la Hagadá, que se leen a veces junto con la tradicional y a veces combinándola con ella. Tal vez llegó el momento en que integremos a Moshé en la Hagadá, como imagen de líder que asumió la responsabilidad, aun sin sentirse apto para ello, de conducir a su pueblo a la libertad y a un futuro mejor.

* Miembro de la dirección del Consejo de Rabinos Laicos Humanistas de Israel – MERJAV.

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Pessach e a "Difícil liberdade" Jayme Fucs Bar

Estava lá eu sentado no seder de Pessach do Kibutz Nachshon em 1983, era o meu primeiro seder comunal em Israel, nunca tinha vivenciado um seder assim tão diferente do costume dos anos que eu vivi no Brasil. As mesas estavam devidamente postas e arrumadas, o palco muito bem decorado com a seguinte frase que se destacava para todos: “Chag Herut Sameach! Feliz Festa da Liberdade!”

Essa Frase chamou a minha atenção! A palavra Liberdade era parte integral da leitura da Hagadá que relatava a saída do povo Hebreu do Egito em busca de, como bem definiu Emannuel Levinas, essa “difícil liberdade”.

Eu pessoalmente me defino como um judeu secular Humanista, mas independente de como você se defina. a liberdade é um direito Universal reservado a todos – sejam religiosos, tradicionalistas, seculares, judeus e não judeus – todos nós necesitamos dessa “difícil liberdade”! Muitos de nós não temos a consciência de que essa festividade, o Pessach – Chag Herut – é comemorado há mais de 3.300 anos! Cada geração em seu tempo reflete sobre essa magnifica história de Pessach, que em Hebraico significa passar! Passar da escravidão à plenitude da liberdade.

Pessach é sem dúvida a primeira revolução social registrada da humanidade, onde escravos se revoltam contra seus opressores. Pessach se tornará o símbolo das lutas sociais e políticas de todos os tempos, se incorporará nos gritos de liberdade dos oprimidos que sentiram a aflição da fome e da miséria, e não é por acaso que a Hagadá de Pessach começa com estas palavras: “Este é o pão da aflição que nossos ancestrais comeram no Egito. Deixe que todos os famintos venham e comam“.

Comemos a cada ano o “pão da aflição” para lembramos não somente que fomos escravos no Egito mas que ainda existem muitos seres humanos subjugados a tirania, fome e opressão!

A frase Chag Herut (A Festa da Liberdade), me acompanha em meus pensamentos por todos esses anos que vivo em Israel, como se fosse uma prece ou um desejo sagrado de manter com todas as forças em minha vida essa “difícil liberdade”!

Como sempre no pensamento Judaico, nada é tão simples – principalmente quando o tema é liberdade. A prova disso é a impressionante passagem do diálogo que Moisés tem com o Criador e o seu pedido de “Liberte meu povo”. A resposta do Criador a Moisés é ainda mais complexa para o nosso entendimento humano, o Criador responde a Moisés “Herut AL Tenai” (Liberdade condicional). Essa resposta é o verdadeiro mistério do Pessach e ainda hoje é um grande enigma! O que o Criador quis dizer a Moisés com “Liberdade condicional”? Quais seriam essas condições para que o povo seja realmente livre?

Interessante que na travessia do Mar Vermelho os egipcios são afogados durante a perseguição dos hebreus e o povo comemora com alegria a destruição do outro, mas o Criador repreende dizendo “minhas criaturas se afogam no mar e vocês entoam cantos!?” como se quisesse dizer que o direito a vida ao Povo hebreu estava condicionado a vida de outros povos também.

Com certeza uma carga de responsabilidade enorme vai ser determinada ao povo judeu, onde sua liberdade estará sempre sob condições a liberdade do outro. Mas que condições são essas para se garantir uma vida de Liberdade?

Espinosa que foi excomungado e obrigado a abandonar sua comunidade para garantir a liberdade de seu pensamento, com certeza responderia que ser livre sob condição era agir de acordo com a sua natureza e que apenas através da liberdade é que o homem pode se expressar em sua totalidade.

Jean Paul Sartre conhecido como representante do existencialismo nos alertaria que os seres humanos nascem para serem livres. Mas, liberdade significa também responsabilidade.

O grande sábio Emannuel Levinas nos diria que a nossa liberdade está sob condição da liberdade do outro. Eu não sou livre se o outro não é livre.

O polêmico mestre Yeshayahu Leibowitz, quando o perguntavam se o Messias estava para chegar, ele respondia com toda a sua devoção “Ele virá! Ele virá! Ele virá! Mas todo Messias que vier será um Messias falso!” E ao ser questionado como poderia ter tanta devoção sobre o Messias e ao mesmo tempo negá-lo, Leibowitz dizia que a nossa liberdade está totalmente condicionada à liberdade dos outros seres humanos, somente quando todos seres humanos forem livres poderá chegar a redenção e o Messias.

 

Será que somos realmente livres?

Depois da libertação como escravos no Egito e a liberdade na Terra de Israel, a nossa “difícil liberdade” será posta à prova em diversas situações durante a história judaica: seremos invadidos, dominados, exilados e escravizados por novos opressores e tiranos vindo da Babilônia, Pérsia, Grécia, Roma; seremos espalhados pelo mundo, passaremos por perseguições religiosas, humilhações, inquisições, pogroms e o Holocausto – a maior opressão e extermínio humano da historia da Humanidade! As palavras liberdade, democracia e Humanismo ganham um novo sentido depois do Holocausto!

Rabi Yehudah Leow, o Maharal de Praga, perguntava-se como o povo judeu poderia ter celebrado sua libertação do Egipto durante os tempos em que estavam mergulhados novamente nas trevas do exílio e perseguição e opressão?

 Mas acreditem: Milagre existe e ele é feito por Homens e Mulheres!

A Criação do estado de Israel depois de 2000 anos no exílio é um milagre realizado por Homens e Mulheres! Novos Moisés e Miriams nos libertaram de um novo Egito, abrindo mares vermelhos de sangue, luta e sofrimento de uma longa trajetória de exílios, atravessamos desertos de promessas de uma Europa de igualdade, liberdade e fraternidade e dançamos em volta de bezerros de ouro criado pela ilusão do Stalinismo.

Terá esse povo que passar por tudo isso, para poder chegar de novo a sua terra prometida, e poder ouvir a mesma pergunta feita a 3300 anos atrás: “Por que esta noite é diferente de todas as outras?” E a resposta: “Porque esta noite fomos libertados!”

Mas é justamente na noite de Pessach – Chag Herut – que jamais devemos esquecer que nossa liberdade estará sempre condicionada a liberdade do outro. Se o Outro não for livre, jamais seremos realmente livres.

É POR ISSO QUE CABE A CADA UM DE NÓS, JUDEUS E NÃO JUDEUS,
LUTARMOS JUNTOS PELA LIBERDADE ALHEIA!

Chag Herut Sameach!
Feliz Festa da Liberdade!

Fontes de pesquisa:
Pessach com Leibowitz e Levinas por Paulo Blank
Pessach – Tempo de nossa Liberdade por Henrique Rattner da revista espaço Acadêmico.
Pessach – A Consciência da Liberdade por Yosef Y. Jacobson

revisão : Gabriel Guzovsky

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O Profeta Shmuel

O Profeta Shmuel

Fomos ao cemitério neste último domingo celebrar a inauguração do túmulo de Samuel Blay, nosso querido parente de minha mãe e amigo dos mais chegados de Itic Roizman, o Itcik , meu pai. Ambos pertenciam às reminiscências da shtetl em São Paulo e levaram consigo todo o peso da sua herança judaica em relação à nós , filhos já de uma modernidade cujo sentido judaico aberto vai se tornando cada vez mais subliminar de um sentimento profundo linguístico e cultural característico sempre de um  semi- estrangeiro em seu próprio país. 

Esse sentimento do Shtetl, que poderíamos colocar paralelo ao banto do negro africano, era uma tristeza que sempre se manifestou adormecida no próprio sentido comunitário judaico e que poderíamos colocar como existente para além do âmbito judaico. Isso por que conferia aos laços familiares uma impressão de solidez que permanecia adaptada ao além mar e era encontrada de forma comum nas ocasiões festivas, no nosso caso, casamentos, barmitzvas, sinagoga, clube, etc. Esses momentos, para nós, instauravam um sentido de participação coletiva e comunitária cuja infra-estrutura se mantinha de uma certa maneira protegida e alheia à superestrutura da metrópole, São Paulo, ainda mais que estudávamos também em colégio judaico. O que não poderíamos supor, na época, era uma certa coincidência temporal e factual entre o que estava prestes a surgir, uma nova era tecnológica, que iria fragmentar a cultura mil vezes mais do que a modernidade, e a morte dessa geração, de nossos parentes e amigos, Esther, Samuel, Itic, Julio, Paulina, Eni, Geni,  Saul, Malvina, Raquel, Edmundo, Dora, Saulzinho, Henrique, Ana, Paulo,  e muitos outros, enfermos Haidée,  e Paulina K, que significavam, na verdade, os pilares que sustentavam o espírito da coisa, da Shtetl, do Braz, coisa que só agora para nós é claro, essa gente miúda de ouro, esses Mench, enterraram com eles a vitalidade daquele estado de outrora.

Fui ao cemitério também para lembrar os cem anos que faria minha avó e segunda mãe Esther Blay falecida em 1994. Minha mãe ficou com Alzheimer em 1996, faleceu em junho de 2009 e meu pai em outubro do mesmo ano.

Bia Blay , filha de Samuel, leu neste domingo no túmulo um texto de um folder que tinha escrito anos antes, sobre seu pai, o Samuel. Era sobre as frases que nos deixavam perplexos que ele costumava dizer aos outros quando estávamos por perto, inesquecíveis para nós e para todos que lembram dele com amor.

A preferida era : “ Vamos conversar sobre a vida?”

Essa  frase, junto a outras, ouvíamos dele  desde a infância. 

Perguntava também: “ o que o meu amigo conta?, no caso o governador , ou , como vai o Bill Clinton?.

Se não víamos, na infância e na adolescência, sentido nessas frases, além da pura troça ou brincadeira com os pirralhos menores ou “aborrecentes”, penso hoje que o Samuel, o Shmuel, se antecipou poeticamente ou filosoficamente sobre o significado das coisas e sua essência. A perda de referenciais e a diluição de significado e sentido hoje, ele já entendia à sua maneira, como se pudesse colocar nessas frases simples, algo do significado para ele do que representavam as relações humanas simples...entre as pessoas...família, amigos, conhecidos... e isso talvez pudesse sugerir uma essência da vida colocada nessas frases simples.

Como minha irmã Maysa diz em nossa conversa via Facebook:

“ele era simples, gostava de sua rotina e das tradições, um amigo que não abandonava nem era abandonado.”

 Mas pensando mais profundamente nesta sua frase simples, que como se referiu no túmulo Bia Blay, poderiam ser uma essência dele, o “ Vamos conversar sobre a vida?”  hoje me incomoda. Pois era como se ele estivesse querendo dizer: E tudo o mais , o que importa? Vamos conversar sobre a vida?

Hoje, no estado em que nos encontramos, diluído o sentido humano, onde não nos falamos mais nem ao telefone, nem por mensagem, com essa geração e o que ela representou praticamente extinta, isso faz um profundo sentido muito mais que no passado. Conversar sobre a vida, conversar, na verdade, pensamos aqui conosco, o que importa na vida é o que travamos, sentimos pelos outros, aqueles que compartilham nossa vida durante alguns momentos, que depois irão embora. Como eles foram e todos nós iremos também.

E minha irmã diz no Facebook de sua sensação: 

“e como eles estão presentes, meu pai e ele, parece que nós vamos nos ver à noite para comer uma pizza...”

E eu digo: Era difícil entender ele: falar ao contrário as palavras, ou mande um abraço pro Bill, mas qual Bill? o Clinton... ou pro Garotinho (pois minha irmã mora no Rio).

Mas penso: o que sobra de tudo isso? O amor , o respeito pelo outro.

Esse Shmuel era na verdade um anarquista!!!

Maysa responde: À sua moda, bem particular, nada há de mais anárquico que isso! 

E eu digo: Completamente anárquico: Vamos conversar sobre a vida?

Ora, penso, todas as conversas são sobre a vida, perguntar isso para os outros é chegar num ponto de mutação. É o mesmo, que dizer, tudo, mas tudo mesmo o que importa é a gente estar aqui, agora, a conversar sobre a vida. Parece algo de uma simplicidade de reiteração que vem da forma portuguesa de pensar.

Maysa diz no Facebook: “Escreve um texto sobre isso...acho muito rico”

Tinha esquecido e perguntei... Como é mesmo que se diz gente em Iídiche?

Maysa: Mench

É isso. Mench

Maysa: Oi a Mench

Eu: Shmuel, o profeta poderia ser o título. O que fica no final das contas?

O que há de humano em cada um, é o que realmente importa, todos nós. Com suas fraquezas, seu brilho, o Shmuel, meu Pai, minha mãe, Esther.

Eu digo: bjo

Maysa: beijo ge.

Não é comum por aqui, sinto que forcei a barra como interlocutor,  mas consegui hoje conversar durante alguns instantes sobre a vida no Facebook...

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Pessach com Leibowitz e Lévinas. Por Paulo Blank

Na mesma mesa, reunidos para a noite do Seder cercados pela curiosidade de sábios de todas as gerações, Yeshayau Leibowitz e Emanuel Lévinas conversavam animados estranhando nunca terem se encontrado antes. Nascidos na Lituânia no inicio do século e falecidos em meados da década de noventa, o primeiro em Jerusalém, o outro em Paris, o primeiro, um guerreiro disposto combater qualquer tentativa de sacralizar homens e terras argumentando que “só o que se encontra alem da realidade pode ser sagrado no judaísmo”, transformou-se numa figura exemplar no cenário religioso e político do estado de Israel. Lévinas com a paixão ética do seu pensamento foi reconhecido como um dos principais filósofos do século xx. Judeu praticante dirigiu uma escola judaica até o final da vida, deixou estudos do Talmud de enorme importância atual e uma obra filosófica cada vez mais estudada e difundida e um pensamento sem ilusões sobre a natureza da vida humana e a realidade das guerras. Dois guerreiros, cada um ao seu modo, ambos, na mesma mesa e eu olhando feliz por terem aceito o meu convite.
Começamos falando do Seder, ou da ágape, o banquete onde os gregos se reuniam para filosofar juntando o sabor ao saber. Foi esta a maneira que os talmudistas encolheram para formatar a noite em que cada um de Israel deveria entrar na pele de um escravo saindo do Egito. Livres, recostados em almofadas como faziam os gregos e depois os romanos, e não de pé como os nossos antepassados que, de ouvido atento, protegidos pela marca do sangue de um cordeiro sacrificado pintado no batente de suas portas, esperavam a passagem da morte. Audaciosos aqueles homens. Além de sacrificarem um animal que era sagrado no Egito, ainda usavam o seu sangue para marcar as casas assumindo de público que ali morava um membro de Israel.
Se há milênios atrás éramos escravos, hoje, sem pressa, participamos de uma conversa sobre a saída da escravidão. A Hagadá nos convida para encontrarmos no corpo a sensação de estarmos saindo do Egito, experimentando tanto a alegria quanto a angústia de um escravo em fuga, recomendando que quanto mais nos dedicarmos a falar do assunto, melhor será. Nesta proposta os sábios talmúdicos parecem obedecer ao mesmo princípio que usavam para a leitura da Torah. Quando decidiram que na escritura sagrada não haveria nem antes e nem depois, eles libertaram os pensamentos e as frases de suas molduras que assim puderam escapar da narrativa de um tempo ordenado, permitindo aos leitores “descobrirem” afinidades entre textos escritos a séculos de distância uns dos outros. Afinidades que abrem passagens entre épocas, inaugurando um agora anacrônico construído de pontes onde antes existiam tempos intransponíveis. Como se, ao lermos a Torah, sempre fosse possível reverter a narrativa a um tempo que diz respeito ao leitor em sua experiência atual, substituindo “o era uma vez” por um “aqui e agora”. Postura semelhante nos leva a conceber a noite do Seder, como uma vivência dedicada a sermos escravos em saída do Egito. Proposição extraordinária se considerarmos que foi sugerida a um Israel oprimido pelas nações em que habitavam. Uma verdadeira prescrição terapêutica. Para pessoas submetidas às nações onde habitavam nada melhor do que sentir-se saindo do Egito, escapando da vida vivida em corpos subjugados e experimentando naquela noite a mesma liberdade que um dia poderiam conhecer.
Na primeira noite do Pessach, terminada a narrativa da saída do Egito e após o conselho da Hagadá para não economizarmos em falar da libertação, ela nos leva ao encontro de Rav Eliezer. Este, com outros sábios do Talmud, se dedicavam a cumprir a orientação da fala infinita sobre a libertação, conversando e meditando durante toda a noite, sem repararem que já era hora da oração matinal. Um tanto decepcionado, Rabi Eliezer declara que, já tendo setenta anos de idade, nunca alcançou a graça de comentar (toda) a “saída do Egito nas noites” do Pessach. Ben Zoma lhe diz: “para que lembres a saída do Egito durante toda a tua vida, não só nas noites de Pessach, mas em todas as noites, e não só nelas, e sim durante todas as noites e dias da tua vida. Enquanto outros sábios ainda acrescentariam, todos os dias de tua vida até que seja trazido o Messias”
Toda a vida faz pensar na necessidade da atenção permanente com a frágil construção humana chamada por Lévinas de difícil liberdade. Aceitando a Torah, os hebreus estavam sendo convocados a olhar o mundo através de uma nova ótica. Tratava-se da invenção do outro e do primeiro esforço racional de pensar no envolvimento responsável por ele. Preocupação com o boi do outro, a casa do outro, a vida do outro, a viúva, o órfão, a terra que deve descansar ser cuidada e redividida para que ninguém fique sem o seu sustento, o cego que não deve ser enganado, o pássaro que tendo ovos em seu ninho não pode ser morto. Tratava-se da inauguração de um modo de pensar que tornaria a idéia do outro além de mim, o cerne de um modo diferente de perceber o mundo. Um mundo que não me pertence e no qual sou passageiro e sócio de todos os outros viajantes. Assunto inesgotável. Fala infinita que nos acompanhará enquanto o messias não chega para resolver as questões pendentes. Pensamento onde o filosofo Emanuel Lévinas percebeu a ética e os fundamentos da primeira filosofia. Diferente, no entanto, de outras filosofias que têm a ética como uma conseqüência possível, mas não inevitável.
Prática que transformou a espiritualidade de Israel, distanciando-a até hoje das espiritualidades que através do êxtase e da dissolução dionisíaca do eu buscam a ligação com o divino. Objetivo estranho a uma proposta que precisa da consciência para efetuar escolhas e compromissos. No êxtase há sempre uma submissão, na medida em que a consciência desaparece e a mente, dominada pelas emoções, vive a esplendorosa sensação de uma entrega imediata ao absoluto quando todas as aflições se dissolvem.
- Sheiavo, que virá! Exclamava exaltado Yeshaayau Leibowitz, toda vez que era perguntado sobre o profeta Elias, anunciador da chegada do Messias. Virá, virá, repetia o sábio incomodado com uma idéia que lhe cheirava a idolatria. Afinal, todo Messias que chega oferecendo salvação, se revela um falso Messias, prometendo um novo mundo e uma nova lei, tentando abolir as responsabilidades do pacto da Torah aprofundado pelos sábios do Talmud. Contra a Torah prometia-se a fácil liberdade da salvação individual, onde um ato de declaração de fé libera a alma de seus pecados, enquanto, para Israel, a espiritualidade se revela na responsabilidade com o outro.
Por ser esta espiritualidade um ato de escolha, nem vozes e raios sedutores e muito menos milagres e advertências puderam substituir a decisão do aderir consciente ao pacto com a Torah. Nunca alguém adotou uma forma de viver de acordo com a nova espiritualidade por causa de milagres, repetia Leibowitz um de seus muitos argumentos provocadores. Mesmo a geração que segundo a Torah teria presenciado fenômenos como o do mar se abrindo por intervenção divina, precisou de poucos dias para superar a tremenda impressão causada por um Deus revelado através de uma manifestação na história real das suas vidas. Dias depois de libertados, Israel buscou no bezerro feito de ouro, que eles mesmos coletaram entre si, a excitação produzida pelo rito pagão imediato e palpável. O conflito com o paganismo e a crença em espíritos persistiu para sempre como parte do embate interno do monoteísmo. É possível que a dificuldade de lidar com linguagens abstratas que não conheciam, fosse uma dificuldade que até hoje acompanha a mente humana.
Até aqui a nossa conversação ainda se encontra no campo do conhecido. No entanto, a releitura permanente transforma a Torah em uma revelação que se atualiza sempre. Foi assim que, com a ajuda dos talmudistas e de novos interpretes que se somaram à conversa infinita, aprendemos que a saída do Egito não transcorreu com homens ávidos de liberdade. Em seus comentários sobre a Torah, Leibowits nos coloca em contato com mestres que, lidando com as mesmas passagens que conhecemos, demonstram a possibilidade de compreênde-los de uma maneira adulta e de viver a religião e seus ensinamentos sem os chauvinismos e a exaltação dos comentadores que circulam pelo judaísmo virtual da internet.
Quando os talmudistas leram na Torah que Israel não deu ouvidos a Moisés “por causa da angústia do espírito e pela dura servidão” (me kotzer ruach vê avoda kashá), eles se espantaram perguntando se, por acaso, “existe alguém que recebendo uma boa nova não se alegre?”. Ao invés de seguirem intérpretes que viam naquela atitude o resultado de uma vida sofrida capaz de transtornar a razão, eles preferiram enfrentar o texto de modo afirmativo. Por acaso não conheciam a antiga tradição prevendo que Israel seria escravizado no Egito e mais tarde libertado? Por isto está escrito: não ouviram a Moises. Não ouviram, nem deram atenção porque ele falava algo que já sabiam. Por que? Por causa da Avoda Kasha, interpretada no texto talmúdico como Avoda Zará! É preciso retornar ao texto hebreu para apreciar a interpretação. Avoda Kasha, o trabalho pesado é assim entendido por ser Avoda Zará, trabalho estranho ou idolatria, eis aí o verdadeiro significado do trabalho pesado.
Aculturados no Egito, eles não deram ouvidos a Moises por que estavam imersos na pratica da idolatria e não por que sofriam! Continuando na leitura do texto o Talmud se apega ao uso da palavra “ordenarás” Vaietzavem, estranhando que fosse necessário dar ordens a quem recebe boas novas. E qual a ordem? A resposta se encontra no Talmud de Jerusalém no tratado de Rosh Hashaná no comentário sobre o toque do Chofar no ano da abolição das dívidas e dos escravos. Aqui, novamente encontramos a expressão Vaietzavem, referindo-se mais uma vez a ordenarás a Israel. Este trecho que trata da libertação do escravo hebreu, nos levará ao profeta Jeremias que viveu oitocentos anos após a saída do Egito. Em suas advertências ele relembra ao povo que no dia da sua redenção Deus pactuou com Israel um acordo através do qual libertariam o escravo hebreu no sétimo ano de sua escravidão, mas os hebreus romperam com o pacto que, no entanto, era condicional. Ainda, enquanto escravos, Israel recebeu a primeira mitzvá que comprometia o seu futuro de homens livres em sua terra caso não guardassem a condição imposta. Esta mitzvá indicava que a libertação foi AL Tnai, em condição e não um presente caído dos céus no colo de pessoas que precisaram receber uma ordem para saírem da escravidão em que viviam. Responsabilizar-se pela liberdade do outro, eis a condição para que o escravo possa garantir a própria liberdade e a posse da sua terra.
Ideais éticos criados por pessoas dominadas podem sofrer transformações quando elas se encontram no poder. Só nesta condição é possível saber a verdadeira afinidade entre o ideal e os seus criadores. Foi Rav Iehuda Halevi, o grande poeta medieval, quem, no século 12, recolocou esta questão em evidência na sua obra “O Kuzari”. Nela o rei Kazar ouve sábios de diferentes tradições para decidir por qual religião monoteísta deveria optar. Em determinado momento o sábio hebreu fala ao rei Kazar sobre a vida no exílio e a humildade de Israel que não mata e nem se ocupa de guerras. De maneira surpreendente, Halevi dá ao rei Kazar a seguinte fala “Esta afirmação estaria correta se vocês aceitassem o estado de miséria em que vivem de livre vontade. No entanto, se pudessem destruir os seus inimigos seguramente o fariam”. Ou seja, se estivessem livres e vivendo na própria terra, aí sim, poderiam comprovar se era autêntico o seu espírito “humilde e sofredor”.
Em outubro de 1953 Yeshaaiu Leibowits entra nesta longa conversação, através do seu mais importante posicionamento acerca da afinidade entre política e preceitos religiosos. Dias antes, em resposta a inúmeros atos terroristas realizados por fedaim vindos de um vilarejo jordaniano chamado Kivia, um destacamento do exército de Israel liderado pelo então oficial Ariel Sharon, chegou à aldeia aparentemente deserta e implodiu mais de quarenta casas como ato de retaliação e advertência. No dia seguinte, descobriram sessenta e nove corpos de crianças e velhos que não conseguiram fugir e se escondiam nas casas. Leibowitz, homem religioso e reconhecido por sua militância a favor da Torah, tendo perdido um filho na guerra de independência, não hesita em entrar no debate milenar sempre repetindo que a sua preocupação não com a ética, um conceito ateu, e sim com os preceitos da religião.
O seu célebre artigo “Leahar Kivia” (Depois de Kivia), tem inicio com uma afirmação que nos soa familiar: “Kivia e tudo que está envolvido neste fato fazem parte da enorme experiência a que estamos sendo submetidos após a independência nacional, a criação de um estado, de uma força instituída, enquanto nação, sociedade e cultura que, durante gerações, pode usufruir de uma vida espiritual e cultural no exílio, sendo governado por outros povos e sem alternativa pessoal, vivendo por gerações, do ponto de vista da moral e da consciência, em uma encubadeira artificial onde pudemos desenvolver valores e conteúdos de sabedoria que não foram expostos à prova da realidade” A condição da prova de realidade atravessa um tempo onde não existe nem antes e nem depois. O mesmo argumento do Kuzari/Halevi, a mesma preocupação dos talmudistas diante dos primeiros libertos do Egito, a mesma advertência do profeta Jeremias alcança nos dias atuais o nosso pensamento nos levando a tomar parte da conversação acerca da exigente liberdade proposta e aceita por Israel.
Durante o Shabat do Pessach nas sinagogas costuma-se ler o Cântico dos Cânticos. Nele existe uma passagem que descreve o ventre da amada e seu umbigo. “Teu umbigo é uma taça redonda, onde nunca falta o vinho misturado. Teu ventre é um monte de trigo cercado por uma sebe de rosas.” Este versículo é retomado no Talmud como sendo uma metáfora do tribunal do Sinédrio. No corpo da amada viam Israel e no seu umbigo a Jerusalém terrestre, centro do universo, de onde os sábios legislavam para o mundo, distribuindo a sua sabedoria, como o vinho que não falta jamais. Sentados em semi-circulo, eles se viam todo o tempo. Num lugar assim, ninguém consegue esconder-se, nem vender o seu voto sem ser percebido ou desligar-se de sua responsabilidade com a viúva, o órfão, os desprotegidos. No Talmud os ensinamentos do Sinédrio foram comparados ao monte de feno protegido pela cerca de rosas que aparece no cântico. Já imaginaram proteger algo com uma cerca de rosas? Estranha maneira de dizer que as leis da Torah não podem impor-se por si mesmas. Nem raios e nem trovões podem impor o que não se quer. O cercado-tentação que as protege é frágil e mesmo que tenha espinhos, é só pular a cerca e saltar por cima dos ensinamentos que protegem a convivência social. Além disso, as próprias rosas são tão sedutoras que dá vontade de arrancá-las.
Através dessa metáfora, a lei e o pacto se revelam frágeis e só a decisão e o comprometimento com os princípios da Torah podem garanti-lo. Mesmo não sendo o meu próximo o meu semelhante, pois ninguém neste mundo pode ser o meu semelhante, ele é meu vizinho com quem devo conviver e por quem sou responsável. Para praticar esta exigente mudança de posição fui eleito entre as nações. Não há milagres, somente a difícil liberdade de uma religião feita para adultos com vontade de praticá-la sem esperar recompensas alem de uma vida protegida por um cercado de rosas. Mas, nem todos querem participar da conversação celebrada na noite do Pessach quando festejamos a exigente liberdade de pertencer a um Israel aberto a todo aquele que se disponha a ultrapassar a simplicidade espiritual de uma esperança infantil.

Deferências bibliográficas.
Emanuel Lévinas
Mas Allá Del Versículo
Difficult Freedom
Quatro Leituras Talmudicas
Algunas reflexiones sobre la filosofia del hitlerismo.

Yeshaayau Leibowits
Sichot Al haguei Israel Umoadaiv
Sheva Shanim shel Sichot Al Parachat Hashavua

Paulo Blank é psicanalista e escritor, Dr. em Comunicação e Cultura, dedica-se ao estudo do pensamento judaico.

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A oferta de nacionalidade aos sefarditas agita Israel
Uma foto da charge publicada no diário israelense Haaretz nesta segunda.
A decisão do governo de Mariano Rajoy de iniciar os trâmites para aprovar no Congresso uma modificação do Código Civil para conceder a nacionalidade espanhola aos judeus sefarditas que consigam documentar essas origens ancestrais despertou grande entusiasmo em muitos israelenses, o que provocou uma enxurrada de consultas à missão diplomática da Espanha neste país. Os grupos sefarditas estimam que 3,5 milhões de pessoas poderiam se beneficiar dessa medida que, por decisão do Ministério espanhol da Justiça, não obriga os solicitantes a abdicarem de outras nacionalidades que já possuam.
“De repente somos todos espanhóis”, era o título desta segunda-feira do jornal israelense Yedioth Ahronoth, o qual relatava que “já tem gente em Israel fazendo fila para conseguir um passaporte”. De forma semelhante, o diário Haaretz publica hoje uma charge em que 17 pessoas com camisetas, cachecóis e cartazes do Barça são vistas diante da embaixada da Espanha em Tel Aviv.
O anteprojeto de lei ainda precisa tramitar no Parlamento, e sua aprovação provavelmente levará meses, mas isso não impediu que listas de nomes sefarditas já circulem nos sites dos jornais israelenses. Uma delas, na página do Yedioth Ahronoth, traz 5.200 sobrenomes como Alba, Ballestero, Fuentes, Toledano, Salom e Suaréz.
O povo judeu foi expulso da Espanha em 1492, mas sua herança e sua cultura sefarditas se conservaram ao longo de mais de cinco séculos. Muitas famílias sefarditas ainda guardam o que dizem ser as chaves das casas em que suas famílias viviam quando foram expulsas pelos reis católicos em sua campanha de homogeneização religiosa do país. Ao longo dos séculos, os sefarditas conservaram o idioma ladino, ou judeu-espanhol, uma variante medieval do castelhano.
“O governo espanhol passou das palavras aos atos, embora isso não seja simples como apertar um botão, é um processo. Usando uma metáfora, é como um bonde que tem várias estações. O que se fez agora foi a saída do trem, mas o assunto ainda deve ser debatido no Congresso e submetido a votação. Enquanto não for publicado no Boletim Oficial do Estado não será final”, afirma Avraham Haim, de 72 anos, presidente do Conselho das Comunidades Sefarditas de Jerusalém.Haim fala ladino. Seus ancestrais foram expulsos da Espanha e desembarcaram em Sarajevo antes de migrarem para Hebron. Ele solicitará a nacionalidade quando for possível. “Não posso dizer que se tenha feito 100% de justiça, mas isso é uma boa recompensa, é um bom gesto, muito justo”, diz hoje, com evidente emoção.
Para os sefarditas, a mudança no Código Civil lhes poupará do problema de precisarem escolher entre uma nacionalidade e outra. Atualmente eles podem solicitar passaporte espanhol por duas vias. Ou depois de residirem dois anos legalmente na Espanha ou por carta de naturalização, que é uma concessão de nacionalidade de forma discricionária por parte do Conselho de Ministros. Em ambos os casos, exige-se a renúncia a outros passaportes.
Até agora, a Federação de Comunidades Judaicas da Espanha (FCJE) concedia oficialmente os registros que certificam a origem sefardita de um solicitante. O anteprojeto de lei estabelece agora que “a condição de sefardita e o vínculo especial com a Espanha serão certificados pelo encarregado do Registro Civil do domicílio do interessado, na Espanha ou no consulado correspondente”, por várias vias, entre elas o certificado expedido pela Secretaria-Geral da FCJE ou pela autoridade rabínica correspondente.
O que despertou grande interesse entre os cidadãos de Israel foi o fato de o Ministério da Justiça ter decidido também aceitar a certificação “pelos sobrenomes do interessado, pelo idioma familiar ou por outros indícios que demonstrem seu pertencimento à comunidade judaica sefardita” ou mesmo “a vinculação ou parentesco do solicitante com uma pessoa ou família das mencionadas no item anterior”. Daí que estimem em 3,5 milhões os possíveis beneficiários, e que já circulem pelas redes sociais nutridas listas de sobrenomes sefarditas.
“O ministro da Justiça, Alberto Ruiz Gallardón, cumpre com sua palavra e com seu compromisso, e isso lhe honra”, declarou o presidente da FCJE, Isaac Querub Caro, que manifestou “sua satisfação e esperança, pois esta nova decisão supõe um passo à frente que repara um erro e uma injustiça”.
Israel é, desde 2013, o país com a maior população judaica no mundo, tendo, com 6 milhões de habitantes judeus, superando os Estados Unidos. Sua independência foi proclamada em 1948 para que se tornasse a pátria do povo judeu, numa época em que começava a ser conhecida a verdadeira magnitude do Holocausto nazista, no qual 6 milhões deles foram exterminados.
O jornal israelense Haaretz publica nesta segunda-feira uma análise em que tenta conter as expectativas dos israelenses, de forma a evitar futuras decepções. “Antes de começar a procurar as certidões de nascimento dos seus avós, de se matricular em aulas de espanhol ou procurar seu nome em uma lista que o Governo publicou recentemente, leve em conta que, por enquanto, nada mudou”, escreve Ofer Aderet. “A lei ainda precisa ser aprovada pelo Parlamento”. É verdade, mas, ao contrário do que acontece em Israel, o partido que governa a Espanha tem maioria absoluta.
Fonte: http://brasil.elpais.com/


 

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Faz algum tempo eu escrevi aqui sobre religiosos que se tornaram laicos e o que fizeram quando não respeitaram o Shabat pela primeira vez. Mas o Shabat não é somente privilégio dos que guardam a religião. Nos meus anos de Jerusalém, o Shabat sempre esteve presente como um dia especial, diferente e, na minha opinião, mágico. Apesar de secular até o último fio de cabelo eu aprendi a amar o Shabat.

Logo quando cheguei odiava o “dia do descanso”. Não conhecia muita gente, e normalmente ficava em casa nas noites de sexta. O silêncio avassalador em Jerusalém me angustiava e brincava dizendo que o barulho do primeiro ônibus ao fim do Shabat era música para os meus ouvidos. Aos poucos comecei a fazer novos amigos e ser convidada para jantares na sexta. Cada um preparava um prato e nos reuníamos na casa de alguém para o jantar, com direito a muito vinho e muitas risadas. Comecei a entender quais lugares estavam abertos, e a sexta passou a ser minha noite preferida para sair. Passei também a receber amigos em casa para o jantar. O silêncio de sábado de manhã é perfeito para se recuperar o sono de uma semana intensa de trabalho ou estudos. E desde então, caminhar pelas ruas sexta à noite, carregando pratos e panelas, dizer Shabat Shalom para estranhos, virou uma coisa absolutamente natural e sincera. E o conceito de Oneg Shabat, o “prazer do Shabat”, passou a fazer todo o sentido na minha vida.

O Shabat não é só fim de semana. É uma noite/dia de alegria, de ver os amigos, de fazer as coisas com calma, de dormir ou de ficar acordada até as 4 da manhã. Mesmo trabalhar no bar no Shabat era especial, nós que estávamos no turno trabalhávamos felizes. É realmente um dia diferente do resto da semana.

Em Jerusalém, escutava dos meus amigos sempre a mesma pergunta: O que você vai fazer na sexta? Não é como se dizia no Rio “qual é a boa de sexta” e sim um “onde você vai passar o Shabat? Se você não tem planos, venha passar comigo”. Existe essa preocupação de se cuidar uns dos outros.

Ter prazer no Shabat é uma mitzvá e, pra mim, não tem relação com a religião. Às vezes, com os amigos, a gente acende as velas e recita as rezas do pão e do vinho. Às vezes não. De vez em quando eu decido que não quero sair de casa, e passo as sextas assistindo filmes ou lendo, apreciando o silêncio.

Na liturgia, o Shabat é cantado como a noiva que vem ao encontro do amado. Acho bonita essa imagem. Meu querido amigo e rabino Uri Lam explica “o Shabat é tão esperado pelo povo judeu como a noiva é esperada pelo noivo”.

Acontece que há dois meses me mudei para Tel Aviv. Não foi uma mudança planejada, simplesmente comecei a trabalhar nessa cidade e se tornou muito cansativo ir e voltar no mesmo dia. Consequentemente meus Shabats passaram a ser na cidade. E confesso que foi um choque. No escritório, na quinta-feira, as pessoas não desejavam Shabat Shalom, e sim Sof Shavua Naim (bom final de semana). Nas primeiras sextas ligava para os amigos perguntando o que iam fazer. Ao contrário de Jerusalém, não havia planos ou a preocupação de onde você vai passar o Shabat. Não havia uma programação, nem de sair ou de jantar, decidiria-se mais tarde.

Isso me incomodou profundamente. Acho que fiquei mal acostumada com a vida “em comunidade”  de Jerusalém. Comunidade porque os amigos de lá são jovens que se mudaram para cidade, muitos por causa da Universidade Hebraica, a grande maioria seculares, que moram sozinhos ou com roommates, e que vivem relativamente juntos e assim preocupam-se uns com outros. E como a atmosfera do Shabat é muito forte, nós também somos influenciados e participamos dela.

Tel Aviv para mim tem um ar de normalidade que já não é tão interessante. A imensa maioria é secular. É uma cidade de praia, mesmo no inverno. Uma sexta aqui é tão parecida quanto uma sexta no Rio. Lojas abertas, supermercados e lojas de conveniência 24 horas, todos os dias da semana, e não como em Jerusalém que são 24 horas por 6 dias na semana. Bares, boates e restaurantes lotados. E mesmo não havendo transporte público, há o sistema de vans que circulam pelo centro, coisa que não existe em Jerusalém. É fim de semana, não é Shabat.

Apesar de eu ser totalmente a favor das coisas estarem abertas, e acho que deveria existir transporte público no Shabat, fiquei um pouco triste, saudosa dessa atmosfera especial da sexta em Jerusalém. Essa noiva pela qual me apaixonei perdidamente. E comecei a reclamar – pra não dizer encher saco – dos amigos de Tel Aviv. Precisamos de Shabat!

Na minha terceira sexta-feira na cidade resolvi, com ajuda dos amigos de Jerusalém, que faríamos o jantar na minha casa. Compramos tudo depois da entrada do Shabat – uma alegria sem fim para os Yerushalmim (hierosolimitanos), e até tivemos bacon para o café da manhã do dia seguinte! Os amigos vieram, cada um trouxe um prato preparado em casa. Acendemos velas, fizemos o kidush, tomamos muito vinho, escutamos música e demos muitas risadas. E assim finalmente me senti em casa em Tel Aviv.

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Foto de capa: “Esta é a Torá, e ela não será substituida”

Entre 300 e 600 mil pessoas 1 tomaram as ruas de Jerusalém neste domingo (2 de março), em um protesto contra a nova lei a ser votada, que reformula o alistamento militar obrigatório. Parte do princípio de Shivion BeNetel (igualdade entre os pesos), que norteou a campanha do partido Yesh Atid (do ministro da Economia Yair Lapid), o alistamento militar de determinados grupos que compõem a sociedade israelense, mas por alguma razão estão isentos de tal obrigação, passou a ser uma questão-chave. Lapid e seu partido, através de uma bem sucedida estratégia política, conseguiram deixar de fora da coalizão governista os dois partidos que historicamente defendem as causas ultra-ortodoxas: Yahadut HaTora e Shas. Não obstante, conseguiu unir forças dentro da Knesset, trazendo parte da coalizão e da oposição para aprovar seu primeiro projeto: o alistamento militar obrigatório 2 a todos os cidadãos israelenses. O público haredi (ultra-ortodoxo) da sociedade israelense imediatamente se manifestou de forma contrária. Sem tanta força na Knesset, no entanto, o projeto de lei foi avançando até o momento que sua aprovação aparenta ser questão de tempo. No dia 02, então, grande parte da população foi às ruas manifestar-se contra esta lei. E eu, sem querer querendo, estava lá. E contarei esta história não como um jornalista (que não sou) que estava cobrindo a marcha, mas como um habitante laico da região metropolitana de Jerusalém, que caiu de pára-quedas neste ato.

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Vivo em uma cidadezinha chamada Mevasseret Tzion, a 9km de Jerusalém, onde trabalho. No sábado à noite me foi avisado que a Estrada 1 (que liga Jerusalém a Tel-Aviv, única via de acesso à Mevasseret de transporte público) seria fechada desde as 12h por tempo indeterminado, devido à manifestação “dos haredim”. Apesar de defender o direito às manifestações, me indignei. Vivo em Israel há quase cinco anos e esta foi a segunda vez que vi uma manifestação desta proporção ocorrer em um grande centro urbano durante a semana. Para levar mais de 50 pessoas às ruas, os organizadores de qualquer manifestação devem necessariamente pedir permissão à polícia, que deve concordar com a data proposta,com o percurso e com a hora do evento. Em geral, as grandes manifestações são marcadas para o sábado à noite, pois já não é mais Shabat e não atrapalha ninguém que deseja locomover-se pela cidade. Sem entrar no mérito se esta lei é correta ou não, me indignou o fato de justamente as duas únicas vezes que vi manifestações durante a semana, terem sido por pautas religiosas ortodoxas. Estranho, não? Como não tinha escolha, fui trabalhar pensando em adiantar tudo o que eu pudesse, pois dificilmente sairia do trabalho antes das 20h, e meu horário de entrada aos domingos é às 8h. O caminho para o trabalho me deu uma sensação de guerra civil: centenas de policiais nas ruas; pessoas (não haredim em sua totalidade) esbravejando contra a manifestação; cavaletes amontoados para serem usados mais tarde; e ônibus e mais ônibus lotados de haredim chegando das mais diversas cidades (especialmente de Bnei Brak e Beit Shemesh, seus atuais redutos fora Jerusalém). O bairro onde eu trabalho não é próximo da rodoviária, onde se realizaria o protesto, o que diminuia a sensação de tensão. Às 17h20, após verificar que a Estrada 1 estava aberta para a saída de transporte público, decidi telefonar para a Egged (companhia de ônibus) para saber se as linhas que ligavam Jerusalém à Mevasseret estavam operando normalmente. Me foi informado que sim, mas com um percurso ligeiramente diferente. Decidi, então, sair do trabalho e ir para casa a esta hora.2014-03-02 18.21.20

A manifestação estava marcada para as 16h. Eu sabia que parte grande do caminho até o ponto de ônibus deveria ser feita a pé, e que eu me encontraria com os manifestantes em algum momento. Isto, confesso, me animava naquele momento. Nunca havia visto uma manifestação do público ortodoxo de perto. O que será que eles cantam? Como é o clima? As mulheres participam? Se sim, de que forma? Há crianças? Há violência? Estas e outras perguntas me motivavam a ir de encontro com eles, fotografá-los, conversar com manifestantes, etc. Por muitas vezes viverem isolados, há muito pouca chance de estabelecer um contato com este grupo social, e eu teria uma oportunidade de ouro.

Israel - Conexaoisrael - manifestação ortodoxa5

A cidade estava encoberta por uma neblina impressionante. As ruas do centro estavam vazias. Saltei no shuk (mercado central), aproveitei a rara oportunidade de poder caminhar por lá sem a sensação de superlotação, e comprei carne em uma das poucas lojas abertas (um açougue, no caso). Quando cruzei o shuk, a sensação foi impressionante: centenas de milhares de pessoas vestidas de preto, um mar de haredim ocupando o horizonte da cidade. Nunca havia ido a uma manifestação com tantas pessoas, isto porque parte delas já estavam se dirigindo às suas casas. Minha maior surpresa foi o fato de as mulheres serem ampla maioria. Como não cheguei ontem a Israel, suspeitei do que via. Os homens deveriam estar concentrados em outro lugar, em ruas paralelas ou na muvuca que se aglomerava na praça. Pedi para algumas pessoas abrirem seus cartazes, mostrarem suas bandeiras e comecei a fotografá-los. Eles prontamente atendiam ao pedido. O clima era de alegria: a maioria das pessoas sorriam, cantavam e pareciam estar alegres. Muitas crianças estavam presentes ali.

Quando me deparei com agrande aglomeração a minha frente, percebi que não chegaria ao meu destino por este caminho. Entrei por uma rua paralela e minha suspeita se confirmou: somente homens. 99,99% deles vestidos de preto, usando chapeus e longas barbas. Algumas poucas crianças. E alguns poucos não-haredim (alguns ortodoxos e quase nenhum laico, incluindo os jornalistas que cobriam a passeata). Decidi aproveitar melhor minha experiência e aprofundá-la: por que não passar-me por reporter e conversar com eles? Foi o que comecei a (tentar) fazer. A grande maioria deles não quis me responder, nem informalmente. Um judeu secular como eu é suspeito demais. Alguns desconversavam. Outros me olhavam feio, amedrontando-me. Um homem me disse que havia gente mais apropriada para me responder do que ele.

"Estudiosos da Torá, nos orgulhamos de vocês"

“Estudiosos da Torá, nos orgulhamos de vocês”

Resolvi mudar de de estratégia: aproveitei-me do meu sotaque e perguntar, como um ole chadash (novo imigrante) que recém-chegou em Israel, o que estava acontecendo. Deu certo! Minha primeira conversa (curta), foi com um soldado haredi. Ele me disse que estava protestando devido às más condições dos religiosos no exército: afirmava não haver comida kasher, não respeitarem suas diferenças e etc. Eu, que servi o exército, sou totalmente cético quanto a isso, mas nã0 o questionei. Julguei por bem não fazê-lo naquele momento. Ao ser perguntados sobre “Qual o objetivo da manifestação” todos me davam a mesma resposta: “não é uma manifestação, é uma reza”. Alguns explicavam que a reza era para agradecer que a absurda lei de alistar estudantes da Tora não passaria pela Knesset. Outros me devolviam a pergunta: “Você é judeu? Já rezou alguma vez? Não te ajudou?” Quando eu começava a colocar política no meio (“Você acha que os parlamentares se sensibilizarão e não aprovarão a lei?”), suas respostas e seus olhares passavam a ser hostis, e eu rapidamente mudava de assunto. Apesar de (até então) não ter visto nenhum ato de violência (e um dos jovens ter frizado isto: “Não te orgulha uma manifestação como esta, só com judeus, e com todos alegres, dançando e sem violência?”), confesso que tinha medo. Tinha medo de que eles se sentissem provocados. Lá eu era uma minoria absoluta, questionando os manifestantes (por mais que de forma educada). Não sei como eles reagem a alguém que força uma abertura a questionamentos. Por isso, parei.

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Filmei. Fotografei pessoas, inúmeros cartazes e panfletos. Assisti a um judeu secular roubar e correr com um cartaz do qual não gostou, e ser perseguido e rodeado por haredim. Se apanhou eu não sei, saí de perto. Mas fotografei o cartaz (foto abaixo). Vi cartazes bem humorados. Vi inúmeros grupos de chassídicos dançando. Vi tantos haredim, tantos cartazes com mensagens similares, que cansei. Decidi ir para casa. Ao chegar no ponto de ônibus, no entanto, a rua estava bloqueada. Telefonei para a Egged novamente, e fui informado que há uma hora não saem ônibus para Mevasseret. Me irritei. Após caminhar por 40 minutos, tinha que caminhar outros 40, até a saída da cidade, parada obrigatória das duas linhas pelas quais eu deveria viajar. Ao esperar no sinal, a mishteret hagvul (Guarda da Fronteira) estava se desdobrando para evitar atropelamentos e acidentes neste ponto de ônibus, fundamental para quem quer sair da cidade. Muitos manifestantes, já dirigindo-se às suas casas, desrespeitavam as autoridades sem pudor, com crianças, inclusive. E um senhor de aproximadamente 70 anos ofendia incessantemente a um policial, chamando-o de árabe sujo, e recomendando que ele fosse para Gaza pois aqui não precisaríamos dele. O policial o repreendeu, mas ele não parou. Eu mordi a língua e não disse nada. E depois me peguei pensando: “trata mal os árabes, os manda para Gaza e não quer servir ao exército… o que seria de nós se todos fossem como ele?”.

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“Assim começou a Shoá (Holocausto)”

Peguei meu ônibus, após grande tumulto, e fui para casa. Saí com a percepção de que os haredim são o grupo mais coeso da sociedade israelense. Saí também pensando que deveríamos dialogar mais, pois minha última impressão não foi a melhor, e quando não nos conhecemos, tendemos a generalizar nossos preconceitos. Espero que um dia eles nos dêem espaço, em uma conversação aberta, sem pré-exigências.

Notes:

  1. A grande diferença numérica me dá a sensação de que a mídia israelense, para todos os lados, manipula informações para fins políticos.
  2. Ou o “sherut leumi”, espécie de trabalho social para desenvolver o país, para os que se negarem a alistar-se ao exército por qualquer razão que seja.
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O livro Awda (“retorno”, em árabe), lançado em Israel, traz 12 contos escritos por seis autores israelenses e seis palestinos, que desenham, em detalhes, uma realidade imaginária de como seria o país após o retorno dos refugiados palestinos.
O subtítulo da obra, "Testemunhos imaginários de futuros possíveis", evidencia o exercício feito pelos autores, de imaginar levando em conta a realidade atual e o cenário geográfico e cultural da região.
Em um dos contos, o escritor israelense Tomer Gardi, que mora em Tel Aviv, descreve a cidade após o retorno dos refugiados. Na história, muitos dos que retornam resolvem ir para Yafo, hoje um bairro no sul de Tel Aviv e que, até a fundação de Israel, em 1948, era uma das cidades palestinas mais importantes – chamada Yafa (com 'a').
Entre Yafa e Tel Aviv havia um bairro chamado Manchia, que não existe mais. O único sinal que restou é a mesquita Hassan Bek, hoje cercada por hotéis cinco estrelas em frente à praia. Gardi desenha uma Tel Aviv na qual Manchia é reconstruido, mas como a região já está densamente habitada, a solução é construir o bairro em uma ilha artificial no mar Mediterrâneo, em frente a Yafo, cujo nome, após o retorno, volta a ser Yafa.
Para se deslocar da ilha, que se chamaria Manchia Jdeide (Novo Manchia, em árabe), haveria uma ponte para pedestres. Na ilha viveriam juntos judeus-israelenses e árabes-palestinos.
Lembrando o passado
O livro foi publicado pela ONG israelense Zochrot (“lembrando”, em hebraico), que se dedica a pesquisar e divulgar a memória e as informações sobre a Nakba – termo que em árabe significa “tragédia” e se refere à expulsão de centenas de milhares de palestinos durante a guerra de 1948.
Divulgação Para Eitan Bronstein Aparicio, diretor da Zochrot, "a literatura tem o poder de criar outro mundo, outra linguagem, outros conceitos, inexistentes hoje em dia".
[Capa de Awda traz o título nas duas línguas]
"Especialmente em situações como a nossa, que parecem sem saída, e nas quais é difícil ver um horizonte, a literatura e a arte em geral podem ajudar as pessoas a pensar em outras possibilidades", disse Bronstein aOpera Mundi.
De acordo com ele, o futuro imaginado pelos autores "não é um mar de rosas, mas também não é uma catástrofe". "Se quisermos realmente viver em paz nesta região, precisamos reparar a injustiça que foi cometida contra os palestinos, e isso significa reconhecer o direito ao retorno dos refugiados", afirmou Bronstein.
“Eu, como indivíduo, como israelense e como pai, gostaria muito que pudéssemos realmente nos integrar na região e não continuar vivendo em uma fortaleza isolada, com medo".
Viagem ao futuro
As diversas versões de possíveis futuros apresentadas nos contos são instigantes e quebram os conceitos que vigoram hoje em dia em Israel. Para quem acompanha diariamente os detalhes de um presente pouco alentador, é refrescante poder viajar para um futuro imaginário de paz.
O autor palestino Ala Hlehel se concentra em imaginar um reencontro de palestinos. Um homem e uma mulher que eram namorados antes da guerra de 1948 se reencontram dezenas de anos depois, quando ambos já têm uma idade avançada. A esposa atual do homem era a melhor amiga da mulher que retorna.
Então, o casal recebe a mulher em sua casa e a ajuda a se orientar na nova realidade. No conto, as relações entre os três idosos são permeadas pelas complexidades do passado.
Fronteiras abertas
Na introdução ao livro, o escritor palestino Umar al-Ghubari descreve uma viagem de todos os escritores que participaram do projeto, anos depois, para um congresso em Beirute.
Na realidade imaginária de al-Ghubari, após o acordo de paz entre israelenses e palestinos, que inclui o reconhecimento ao direito de retorno dos refugiados, todas as fronteiras com os outros países do Oriente Médio se abrem e os cidadãos podem facilmente tomar um trem da cidade de Haifa e chegar à capital libanesa em duas horas, coisa que hoje é inimaginável para os israelenses.
O autor menciona que "não há mais necessidade de tradutores", pois na nova realidade binacional, anos após o retorno, a grande maioria dos cidadãos já fala fluentemente as duas línguas – árabe e hebraico.
A forma do livro é coerente com o imaginário binacional. Versões dos contos em árabe e hebraico se intercalam. O título do livro, na capa, aparece nas duas línguas, assim como o índice e os detalhes dos autores.
Guila Flint/Opera Mundi Para Eitan Bronstein Aparicio, diretor da ONG israelense Zochrot, "a literatura tem o poder de criar outro mundo, outra linguagem"
A capa é ilustrada com a imagem de ponteiros de relógio, em referência à viagem no tempo, para um futuro imaginário, que os escritores proporcionam aos leitores.
De volta ao presente
A questão dos refugiados palestinos é a mais espinhosa entre as várias questões que deverão ser resolvidas para que haja um acordo de paz. O governo de Israel se opõe veementemente ao retorno de um refugiado sequer para dentro das fronteiras do país.
Para a liderança palestina o reconhecimento ao direito de retorno é fundamental, embora o presidente Mahmoud Abbas tenha dito que não tem a intenção de "inundar" Israel com milhões de refugiados e alterar seu caráter demográfico.
Nas negociações de Taba, em 2001, representantes israelenses e palestinos discutiram a questão dos refugiados e elaboraram uma proposta com quatro opções, onde os refugiados poderiam: retornar para o Estado palestino que seria criado nas fronteiras de 1967; permanecer nos países onde se encontram e obter cidadania e igualdade de direitos; ser acolhidos por outros países; um número de refugiados, acordado com Israel, poderia voltar para o que hoje é o território israelense.
Todas as opções incluiriam indenização pelos danos que os refugiados sofreram.
Não se sabe se a proposta de Taba será retomada nas negociações atuais, mediadas pelo secretário de Estado norte-americano John Kerry. No entanto, aquelas negociações, há 13 anos, são consideradas o momento em que representantes oficiais dos dois lados chegaram mais perto de uma solução para a questão dos refugiados.
(*) Guila Flint cobre o Oriente Medio para a imprensa brasileira há 20 anos e é autora do livro 'Miragem de Paz', da editora Civilização Brasileira.
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Amós e a emergência do universalismo profético judaico

(Publicado em CARVALHO, Alexandre Galvão (ed.): Interação social, reciprocidade e profetismo no mundo antigo.Vitória da Conquista, UNESB, 2004).

Edgard Leite
DELIMITANDO O TEMA

O profetismo judaico é um fenômeno histórico-religioso complexo e plural. A tradição rabínica afirma a sua existência desde as origens do povo judeu, como um dos eixos fundamentais da experiência religiosa judaica. Por meio dele, os elementos definidores do pacto entre Deus e os judeus foram estabelecidos. Tanto Abraão quanto Isaac, Jacó e Moisés teriam sido, nessa perspectiva, profetas – mais precisamente os quatro primeiros. Segundo Oséias (Oséias, 12:14) (circa século VIII a.C.), literalmente, “Deus fez Israel subir do Egito por intermédio de um profeta”. O historiador contemporâneo deve considerar, no entanto, as implicações decorrentes do desenvolvimento dessa tradição. Certamente o profetismo, na sua diversidade histórica, possui elementos recorrentes ao longo do processo de construção da identidade religiosa e étnica judaica (FISHBANE, 1994, p. 63). Mas também apresenta particularidades, igualmente determinantes para a compreensão do fenômeno em sua longa duração.
Parece evidente que o profetismo, em sua dinâmica formal, não era estranho às demais culturas com as quais os judeus dialogavam na Antigüidade. Existem referências a atos “proféticos” em diversos textos antigos do Oriente Próximo. A estela Mesha, datada do século IX a. C., menciona a ordem que a divindade moabita Kemosh deu ao rei Mesha de atacar a cidade de Nebo. Um texto egípcio do reino antigo (circa 1900-1785 a.C.) apresenta um certo Neferti, sacerdote-escriba da deusa Bastet, que é conduzido ao faraó Snefru, da IV dinastia. Ele prevê uma época de desagregação social e política que terminaria com o advento de um
Rei, vindo do sul. Este seria responsável pela virtual destruição dos inimigos dos egípcios e pela restauração da justiça e da ordem (PRITCHARD, 1950, p. 444-446). Nos documentos do arquivo real do reino amorita de Mari, na Mesopotâmia, encontramos os registros das comunicações das divindades Dagan, Adad, Annunitum e Diritum ao rei Zimrilim. Estão presentes nesses textos fórmulas clássicas, que serão mais tarde utilizadas na literatura profética judaica, como “Dagan me enviou, ou assim falou Annunitum”. Os oráculos, interlocutores das divindades, ligados aos templos, são denominados de diversas formas nessas fontes. Uma delas é o termo nabu, provavelmente um cognato da expressão hebraica nabi, com a qual se designa o “profeta”. (BLENKINSOPP, 1996, p. 43).
Também os gregos tinham os seus mantis, prophetes e chresmologos. Os sábios que produziram a tradução grega dos textos hebraicos, a chamada “versão dos setenta”, ou Septuaginta, utilizaram o termo prophetes para traduzir nabi, entendido como “porta-voz”, ou “aquele que fala” (MEEK, 1952, p. 2000). Entre os gregos, usava-se o termo prophetes para designar o indivíduo que realizava a ação de falar e proclamar, usualmente, uma mensagem divina (POTTER, 1994, p. 11; BLENKINSOPP, 1996, p. 27). Mas os “profetas” gregos eram principalmente “transmissores” da mensagem dos deuses, e não “interlocutores” capazes de um diálogo em igualdade de condições com o divino. Moisés, por exemplo, encontrou-se com Deus panim el-panim, face a face, “como um homem conversa com um amigo” (Êxodo, 33: 11). A tradução grega do termo hebraico não dava conta, portanto, da real dimensão do fenômeno.
Podemos portanto dizer que, desenvolvendo-se paralelamente a esses “profetismos” mesopotâmicos, egípcios, cananitas e mediterrâneos, o profetismo judaico era dotado de uma expressiva originalidade. Hilda Graef chamou a atenção para o peculiar diálogo contido na relação entre Moisés e Deus, presente de uma forma ou outra em toda tradição profética. Este inaugurou, no pensamento do Oriente Próximo, a possibilidade de um encontro pessoal com o divino, no qual o ser preserva sua integridade individual e, embora finito, torna-se capaz de uma interação em igualdade com o infinito (GRAEF, 1972). De fato, a teologia judaica rompeu, ao longo do seu desenvolvimento nessa remota antiguidade, com muitos paradigmas religiosos então existentes na região. O judaísmo passou a negar a existência de um abismo estrutural de impossível transposição entre as dimensões do mortal, transitório e imperfeito e do imortal, eterno e perfeito. Essa distância começou a ser entendida pelos hebreus como superável por meio do encantamento do Eterno pelo transitório, ou de Deus pelo homem. Relação de difícil aceitação racional no mundo antigo.
No seu desenvolvimento histórico, o profetismo judaico apresenta certos momentos decisivos. A historiografia contemporânea tende a valorizar o aspecto que o fenômeno adquiriu em um determinado período histórico, entre o X e o VI século a.C. (BLENKINSOPP, 1996, p. 6). Esse período tem início em torno de 1000 a.C. quando, em parte, pela fragilidade circunstancial das grandes potências regionais, os hebreus conquistaram a sua independência política. O fizeram primeiro de forma unitária, sob Saul, David e Salomão, e depois de forma fragmentada nos reinos de Israel, ao norte, e Judá ao sul. Esse período de autonomia terminou com a destruição de Israel pelos assírios, em 734-722, e de Judá pelos babilônicos, em 586. Alguma soberania nacional foi restabelecida, por fim, com a conquista da Babilônia pelos persas, em 539. No decorrer desses momentos, amadureceram as questões básicas do pensamento profético. Neles atuaram diversos profetas que, de diferentes maneiras, declinaram não só algumas implicações gerais e particulares dessa relação entre o humano e o divino, mas também os elementos identitários judaicos nela imbricados. Os textos relativos a esse período encontram-se, em sua maioria, na porção da bíblia hebraica conhecida como Nebi’im. Englobam tanto os livros históricos onde aparecem profetas que não deixaram textos escritos, como Elias e Eliseu, quanto os livros cuja autoria é atribuída a profetas específicos. Neste último caso, Isaías, Jeremias e Ezequiel são os mais extensos, e Oséias, Joel, Amós, Abdias, Jonas, Miquéias, Naum, Habacuc, Sofonias, Ageu, Zacarias e Malaquias, os de menor extensão.
Numa perspectiva geral, os autores tendem a concordar que, em sua forma final, muitos dos livros proféticos contidos em Nebi’im datam do período persa. Defende-se, igualmente, que o período persa foi fundamental não apenas na consolidação dessa literatura profética, mas também “na formação das tradições legais em sua forma escrita final” (BLENKINSOPP, 1996, p. 11). Mas é razoável supor, como assegura Blenkinsopp, que, antes de suas derradeiras edições, pequenas coleções de textos tenham sido elaboradas durante a vida dos profetas, pelos próprios ou discípulos e transmitidos pelas gerações subseqüentes (BLENKINSOPP, 1996, p. 13). Isso significa que guardam, em suas estruturas, não apenas a marca de um redator final, mas também os elementos das épocas em que foram elaborados.

ABORDAGENS TEÓRICAS DO TEMA

O surgimento dos estudos contemporâneos sobre a tradição profética judaica está relacionado à ampliação do conhecimento da Antigüidade do Próximo Oriente. Principalmente, portanto, após a tradução e interpretação dos textos egípcios e cuneiformes, no decorrer do século XIX. Rompeu-se então, de forma sustentada do ponto de vista documental, com as perspectivas exclusivamente racionalistas, idealistas ou românticas, mas basicamente ensaísticas, que proliferaram a partir do século XVIII. O pioneiro trabalho que repercutiu os novos estudos de Antigüidade foi o de Gustav Hölscher, Os profetas, de 1914. A tese de Hölscher, sob o ponto de vista da história das religiões, foi a primeira a chamar a atenção para o contexto mais amplo do assunto, afirmando que o profetismo era, na verdade, uma experiência religiosa característica da Ásia Menor, Síria e Palestina. A Bíblia reconhecia tal fato (por exemplo, Jeremias, 27: 1-15), mas Hölscher problematizou o tema. Ele afirmou que o profetismo era um fenômeno próprio não de grupos sociais nômades, como outrora foram os judeus, mas sim das culturas agrárias da região. Asseverou, portanto, que seus elementos gerais teriam sido assimilados de seus vizinhos pelos hebreus. Tratava-se de uma tentativa de dimensionar historicamente a tradição profética para além dos limites teológicos da discussão, aceitos pelas diferentes confissões religiosas, cristãs ou judaicas.
Essa mesma tendência instalou-se nos estudos de crítica histórico-literária que buscavam trabalhar com as estruturas dos textos e, assim, tentar resolver o problema das origens históricas do profetismo e de seus conceitos básicos. É o caso de Hermann Gunkel (1923), para quem a essência da experiência profética era a questão da identidade com Deus e com seus desígnios em história e de S. Mowinckel (1914), que levantou as associações entre certos profetas e as instituições do Templo. Nesta última direção, um criticismo mais específico permitiu a depreensão da existência de sub-tradições proféticas, quer institucionais ou não, quer regionalmente identificáveis. Por exemplo, Hans Walter Wolff (1964) propôs a filiação de Oséias com a tradição da pregação levítica do reino do Norte e de Amós com a tradição sapiencial da monarquia em Judá (WOLFF, 1973).
Um autor com grande influência teórica nos estudos do profetismo judaico foi Max Weber. Ao reafirmar uma perspectiva histórica do assunto, Weber entendeu o profetismo como originário dos conflitos decorrentes da passagem da federação tribal para a monarquia em Israel. Derivou daí a explicação para o discurso antiinstitucional dos profetas, sobrevivência de formas arcaicas de “êxtase guerreiro”, resistentes à complexidade institucional da monarquia (WEBER, 1963). Num outro momento, Weber classificou o profeta na figura do “indivíduo dotado de carisma”, o que o libertaria da necessidade de reconhecimento institucional – desempenhando a profecia, do ponto de vista histórico, tanto um papel desestabilizador quanto conservador (WEBER, 1963).
Nas últimas décadas os estudos históricos sobre o assunto têm evitado generalizações e procurado centrar as discussões na análise de profetas específicos. Há certas dificuldades operacionais para isso, já que a arqueologia dá poucas evidências para iluminar os períodos em questão, e os textos proféticos, segundo Blenkinsopp, contêm poucas passagens biográficas e autobiográficas as quais, muitas vezes, são obscuras (BLENKINSOPP, 1996, p. 32). Mas parece consenso que não se deve crer em um único tipo de profetismo do ponto de vista histórico, mas em diversos. Alguns profetas parecem, como Samuel, ter surgido em círculos próximos ao poder. Outros aparentam ter desempenhado algum tipo de trabalho agrário antes do chamado, como Eliseu, e assim por diante (BLENKINSOPP, 1996, p. 33).
Blenkinsopp defendeu a existência de, pelo menos, uma distinção visível entre o que chamou de profecias metropolitana e provincial. Tendo ambas como objetivo a reconciliação do povo judeu com Deus, expressariam, no entanto, tendências políticas e sociais distintas. Por exemplo, em Miquéias, vindo do centro provincial de Moreshet, a sudoeste de Jerusalém, encontrar-se-ia uma radical e aguda crítica das instituições. Esta não seria totalmente verificada em outros profetas, porventura ligados à autoridade central ou ao Templo. Seria essa tensão social que influenciaria, na sua opinião, as dimensões sociais do Deuteronômio (BLENKINSOPP, 1996, p. 3), cuja elaboração data do período final da monarquia. Ele sugere que uma das razões para a redação e promulgação dos códigos de leis é precisamente “neutralizar os desconcertantes e geralmente contraditórios apelos dos profetas” (BLENKINSOPP, 1996, p. 15), isto é, atender às demandas dos setores periféricos ou subalternos. A legitimação religiosa da fala profética não parece deixar dúvidas de seu poder transformador social. “A fórmula característica ‘assim falou Iahweh’, indica que o profeta vê a si mesmo como um intermediário entre o povo e o seu Iahweh [...] o que leva muitas vezes a um conflito com as autoridades e jurisdições estabelecidas nas esferas política e religiosa” (BLENKINSOPP, 1996). Na sua opinião, portanto, a presença de preocupações sociais nos textos bíblicos adviria precisamente dessa tensa e complexa relação entre os profetas e o poder.
Segundo Blenkinsopp, à maneira de Weber, parece evidente a existência de uma íntima associação histórica entre o amadurecimento do profetismo judaico e a instauração da monarquia. Observemos que Samuel unge tanto Saul quanto David, e é a perda do suporte profético do primeiro que causa a desestabilização do regime. É com Samuel que o profetismo de Nebi’im tem seu início, já que, a partir desse momento, as chamadas divinas tornam-se freqüentes, generalizadas e altamente politizadas. O envolvimento de indivíduos e grupos proféticos em política, na ascensão e na queda de governantes e dinastias significa que profecia foi desde o princípio um fenômeno problemático. A instabilidade política do reino do norte, decorrente de um intervencionismo militar permanente, em oposição à estável permanência da dinastia davídica no sul, estaria relacionada à força do profetismo em Israel, donde a equação weberiana de uma relação entre profetismo e militarismo encontrar algum eco documental.
O que podemos dizer é que a sociedade judaica durante esse longo período esteve tomada por uma profunda insatisfação religiosa, social e política. As respostas dadas a essa crise, no entanto, não podem ser totalmente explicadas apenas por variáveis objetivas. Os profetas tentavam lidar, além desses elementos concretos, com as grandes questões da existência. E foi o pano de fundo do judaísmo que forneceu as bases para o entendimento dos processos em curso. Os princípios jurídicos e éticos tradicionais e as concepções teológicas sobre os mistérios da existência e seu desenvolvimento delinearam as respostas proféticas. Como em algumas outras experiências históricas de construção de soluções para assuntos particulares, alcançou-se uma percepção profunda da totalidade, cujo impacto foi crucial para a construção da identidade religiosa do povo judeu. As especulações feitas pelos profetas sobre a natureza dos pactos políticos e sociais e das transformações históricas, sobre as responsabilidades sociais e a realidade da condição humana tiveram um efeito duradouro na consciência das sociedades do Próximo Oriente e, por meio do cristianismo e do islamismo, que reivindicam essa herança, do resto do mundo. O nosso objetivo nesse estudo é apontar a singularidade e a relevância do profeta Amós na fundamentação das grandes linhas do pensamento profético.

AMÓS E SEUS CONTEXTOS

Após a morte do Rei Salomão (circa 930/922 a.C.), o Estado centralizado fundado por Saul e David entrou em colapso. Antigos e recentes ressentimentos que opunham as tribos do norte à tribo de Judá foram decisivos para a ruptura institucional que culminou no surgimento do Estado de Israel. Este recusou a continuidade da dinastia davídica e escolheu seu próprio rei, Joroboão, o primeiro de uma seqüência caótica de dezenove monarcas (KUHRT, 1995, p. 468). Um longo período de retração política na Mesopotâmia, Egito e Anatólia favoreceu, como já foi mencionado, a existência independente dos hebreus. Essa fase, no entanto, começou a encerrar-se com a segura emergência da Assíria.
A partir de 745 a.C. os assírios iniciaram sua expansão. Seu poder acabou por estender-se sobre quase todo o Oriente Próximo, até o Egito. O Estado de Israel foi conquistado em 722. O Império Assírio foi o primeiro de uma série sucessiva de poderes hegemônicos no Mediterrâneo Oriental. Judá seria arrasada no decorrer da posterior expansão babilônica. A tentativa judaica de reconquistar e consolidar a independência, séculos depois, sob a dinastia dos asmoneus, terminou no transitório regime de Herodes e, finalmente, no domínio romano. Durante esse período, por duas vezes, o templo de Jerusalém foi destruído, a primeira pelos babilônios, a segunda pelos romanos e inúmeras vezes profanado. Sem condições de enfrentar tais poderes continentais, portanto, os judeus atravessarão a partir da expansão assíria quase mil anos de vicissitudes que culminarão na derradeira e trágica revolta de Bar-Kokhba, no século II a.C.
As impressões escatológicas advindas de todo esse processo, ao longo de seu desenvolvimento, são agudas e marcadas pela crença na futura restauração da paz, unidade e harmonia do reino de David, mediante um seu descendente. Implicaram, de forma original, na gradual valorização do processo histórico como a dimensão por excelência para o entendimento das ações divinas. Essas idéias aparecem, por exemplo, culminadas no helenístico Livro de Daniel, que contém uma reflexão retrospectiva sobre todo esse processo histórico. Ali, Nabucodonosor sonha com um gigante de pés de barro (Daniel, 2: 31). Desse sonho se depreende que, após a sucessão de quatro grandes impérios, advirá um “reino que jamais será destruído” (Daniel, 2: 44). A ameaça assíria, portanto, inaugurou uma fase de dificuldades e incertezas. Os contemporâneos a verão – e com razão – com grandes e sinistras preocupações, e os pósteros, como o início de um grande e terrível ciclo de brutalidades, dotado, no entanto, de um profundo significado religioso. As obras dos profetas foram escritas e reescritas tendo em vista essa realidade religiosa e suas inúmeras implicações conceituais. Amós, no período da expansão assíria, é um dos primeiros a pensar no significado e movimento da história como um espaço por excelência para refletir sobre a ação de Deus. Lança, portanto, as bases de um pensamento que irá adquirindo consistência cada vez maior nos séculos subseqüentes.

AMÓS

O livro atribuído a Amós é o terceiro, segundo na septuaginta, da parte de Nebi’im que reúne os textos dos doze profetas ditos “menores”. No entanto estabeleceu-se, no estudo crítico da obra, a sua precedência cronológica. Isso parece tornar Amós o mais antigo dos profetas a deixar escritos. A versão final do documento é certamente uma recriação deuteronomística, isto é, dos historiadores e teólogos dos momentos finais da independência e do período do exílio na Babilônia (após 586 a.C.), de um texto anterior (provavelmente posterior a 722) oriundo de Judá. Origem inferida por conta da centralidade que ali assume Jerusalém. Nele estão interpoladas construções típicas deuteronomísticas, que também encontramos em Reis (BLENKINSOPP, 1996, p. 74). Por exemplo, o procedimento de datar os acontecimentos a partir da correspondência sincrônica dos reis de Israel e Judá.
Era preocupação dos editores que viveram naquela época, principalmente após a conquista de Judá pela Babilônia, consolidar as tradições orais e escritas e entender as ações proféticas num plano mais amplo de determinações divinas. Nestas, os profetas teriam sido interlocutores e anunciadores. Amós foi visto, por esses autores, como um daqueles que, na época da independência política, apontou o inevitável colapso da ordem existente, por conta dos pecados dos homens e das reações divinas a essas transgressões, dadas no interior da história. Não nos parece, no entanto, que o tema da valorização da história contido em Amós deva ser entendido como uma interpolação deuteronomística. O mais certo talvez seria dizer que a história deuteronomística, em seus elementos teóricos mais gerais possui suas raízes na obra dos profetas anteriores, entre eles Amós. Se a legislação social do Deuteronômio parece ser uma resposta parcial à pregação profética, a concepção histórica deuteronomística talvez possa ser entendida como fruto de conceituações inicialmente defendidas pelos profetas.
Amós, apesar de nascido em Judá, viveu em Israel, segundo consta, sob o reinado de Joroboão II (786-746) enquanto governava Judá o rei Uzziah (783-742). Foi testemunha e interlocutor das ansiedades do período que antecede a fase do colapso da existência independente dos judeus. O texto o designa como pastor, nascido em Tekoa, uma vila a sul de Belém, em Judá. Ele mesmo se qualifica como “pastor e cultivador de sicômoros” (Amós, 7:14), o que nos permite, como diversos autores o fazem, entendê-lo como oriundo de algum tipo de setor rural proprietário periférico. Provavelmente um “provincial” segundo a tese de Blenkinsopp. Marginal, de qualquer forma, à estrutura do Estado e provavelmente vítima de suas políticas tributárias. Apesar de não se considerar um profeta, “não sou profeta nem filho de profeta” (Amós, 7:14) – provavelmente por discrição religiosa –, afirmou que Deus lhe tirou de “junto do rebanho” e lhe disse: “Vai, profetiza a meu povo, Israel!” (Amós, 7:15).
Weber entendeu a ação de semelhantes profetas como demagógica e panfletária (WEBER, 1968, p. 444-446). No caso de Amós, seu discurso era dirigido a toda a sociedade, e não apenas aos integrantes da corte, como era comum entre muitos “profetas” gentios e judeus metropolitanos. Numa das poucas passagens biográficas do texto, Amasias, sacerdote em Betel, denuncia Amós como conspirador ao Rei, porque teria profetizado que “Jeroboão morrerá pela espada e Israel será deportado para longe de sua terra”. Amasias, temeroso da ação política e agitadora profética, pede a Amós que vá para Judá e passe a profetizar lá (Amós, 7:10-17). Podemos assim visualizá-lo como um agitador social, atuando junto aos povos à revelia das instituições existentes. Essa “função” marginal não é estranha à maior parte dos profetas, e a história de confrontos com as autoridades constituídas é freqüente nos textos.
Tal fenômeno era em parte decorrente da idéia de que Deus encontra-se livre de toda a realidade, mas não existe nenhuma relação natural no universo que se encontre liberta da sua capacidade de intervenção. Tendo em vista as preocupações sociais e coletivistas da tradição legal judaica, entendidas como inspiradas, é de se supor que um dos eixos divinos de ação fosse exatamente a reafirmação da justiça que deveria presidir as relações entre os homens. A ação profética, portanto, considerada como meio ou instrumento de intervenção divina, não tinha por que se prender a hierarquias dadas. Pelo contrário, quanto mais corruptos os poderosos, menor seria em princípio a sua disponibilidade profética de promover a realização da justiça. Assim, não necessariamente o profeta era um homem de poder. De forma diferente dos costumes vigentes no Mediterrâneo oriental, por exemplo, onde as hierarquias eram entendidas como naturalmente dadas, a única relação naturalmente dada no judaísmo era aquela que implicava no poder absoluto do divino, diante do qual reis e escravos são iguais. A sociedade judaica, portanto, estava totalmente aberta à sua crítica interna, não institucional, precisamente pelo fato de que as escolhas divinas eram livres e social e juridicamente direcionadas – o que sempre alcançava e feria os poderes e interesses consolidados entre os mesmos judeus.
O mais significativo era, portanto, o conteúdo da ação profética, isto é, a crítica religiosa, ética e humanista das relações humanas. Poucos sistemas da Antigüidade eram tão humanistas nas suas proposições, já que se entendia que o divino voltava-se prioritariamente para o humano, no estabelecimento da justiça de suas relações. A pólis grega certamente era restrita no reconhecimento dessa humanidade, o budismo indiano ampliava a dignidade a outros tantos seres que não os humanos, mas o judaísmo profético era essencialmente centrado no humano e no funcionamento digno da sociedade humana – principal objeto, assim se defendia, da preocupação divina. Profetas posteriores, em Israel e Judá, desenvolverão esses elementos de leitura da sociedade e da humanidade e os refinarão. Mas o pioneirismo literário de Amós o coloca em um lugar especial na consolidação de uma tradição e no estabelecimento dos parâmetros da crítica profética.
A primeira parte de Amós trata das nações do Próximo Oriente da época e das atrocidades por elas realizadas. Amós defende no texto a idéia de que os atos de violência e injustiça suscitaram em Deus a necessidade de uma resposta vingadora. A lógica de tal resposta divina, num mundo aparentemente entregue à ganância e crueldade, é a da punição generalizada dos homens. Basicamente por aviltarem os interesses coletivos e se subtraírem à relação de temor ao divino, isto é, às suas determinações humanitárias gerais. Assim, Damasco será punida por Deus, porque esmagou Galaad “com debulhadoras de ferro” (Amós, 1:3). Filistéia, “porque deportaram populações inteiras” (Amós, 1:6). Tiro, “porque entregaram populações inteiras de cativos” (Amós, 1:9). Edom, “porque perseguiu a espada o seu irmão” (Amós, 1:11). Amon, “porque abriram as entranhas das mulheres grávidas de Galaad” (Amós, 1:13). Moab, “porque queimou os ossos do rei de Edom” (Amós, 2:1). E, além dessas nações estrangeiras, também Judá e Israel serão condenadas. Judá, “porque desprezaram a lei de Deus e não guardaram os seus decretos” (Amós, 2:4). Israel, porque, entre outras coisas, “esmagam sobre o pó da terra a cabeça dos fracos” (Amós, 2:7).
Foi introduzida aqui, portanto, a tese da universalização das responsabilidades, da qual não estavam eximidos os judeus. Também eles tornaram banais e corriqueiros atos inaceitáveis de violências. A condenação de Deus remete-se, portanto, a todo processo histórico, cujos frutos são necessariamente trágicos em função da dinâmica atroz de seu desenvolvimento. Tais ações punitivas divinas não advêm apenas, portanto, de causas naturais, como freqüentemente é mencionado nos textos bíblicos, inclusive em Amós, mas dão-se também por meio de acontecimentos políticos, no interior da História. Como escreveu certa vez Heschel, no judaísmo, o “Deus de Israel fala realmente por meio de eventos na história” (HESCHEL, 1999, p. 200). “O judaísmo” – continua – “tenta apontar para um nível de realidade onde os eventos são a manifestação de uma norma divina, onde a história é entendida como a realização da verdade” (HESCHEL, 1999, p. 204). Essa é certamente uma das teses básicas da história deuteronomística, antecipada aqui por Amós.
Na opinião de Amós, os diferentes setores dominantes da sociedade israelita encontravam-se alheios diante desse processo, que é, em sua dimensão visível, o movimento internacional de erosão de uma ordem anteriormente tida por estável. São alheios, principalmente, de sua responsabilidade em tal processo e, por isso, incapazes de perceber o significado mais profundo de toda a crise em curso. Esse alheamento assegura o predomínio da insensatez e é, na opinião do profeta, fruto das contradições internas da própria sociedade de Israel, nas quais todos estão prisioneiros. Tal distanciamento da realidade, ou das determinações divinas, é uma ação cúmplice que se articula nesse quadro geral de colapso. De fato, a disparidade entre uma aparente prosperidade dos setores hegemônicos da sociedade e a existência de um quadro brutal de injustiças sociais é um dos principais pontos de sua denúncia. Essa realidade compromete não só a capacidade dos líderes, mas toda a sociedade e estabelece a situação geral do seu colapso – não apenas material, social ou político, mas também religioso. Por isso, aquele que sabe, como o profeta, que entende o que se passa, tem dificuldade de ser ouvido por seus contemporâneos e “se cala, porque esse tempo é de desgraça” (Amós, 5:13).
Os grupos dominantes da sociedade israelense da época viviam, segundo Amós, em “palácios de inverno e verão ornados de marfim” (Amós, 3:15). Estavam “deitados em leitos de marfim, estendidos em seus divãs... bebem crateras de vinho e se ungem com o melhor dos óleos” (Amós, 6:4-6). E por outro lado, “não agem com justiça [...] aqueles que amontoam opressão e rapina em seus palácios” (Amós, 3:10). “Vendem o justo por prata e o indigente por um par de sandálias... e tornam torto o caminho dos pobres” (Amós, 2:6-7). “Oprimis o fraco e tomais dele um imposto de trigo [...] hostilizam o justo, aceitam suborno e repelem os indigentes à porta” (Amós, 5:11-12). “Esmagais o indigente e quereis eliminar os pobres da terra” (Amós, 8:4). As críticas aos rituais sacrificiais (Amós, 4:4-5 e 5:21-24) não são apenas críticas à idolatria, mas também objeções de natureza social. De fato, tais cerimônias dispendiosas oneravam os povos e eram sustentadas por contribuições compulsórias (BLENKINSOPP, 1996, p. 81).
A ação divina dá-se no interior dos processos históricos, na condenação de todas essas violências mediante uma seqüência de reações. Específicas aos poderosos: “eles serão exilados à frente dos deportados, e terminará a orgia daqueles que estão estendidos” (Amós, 6:7); e gerais a todos: “entregarei a cidade e o que nela se encontra. E acontecerá que, se dez homens restarem em uma casa, eles morrerão!’ (Amós, 6:8-9). Como Heschel afirmou certa vez:

os profetas nos lembram sobre o estado moral de um povo: poucos são culpados, mas todos são responsáveis. Se nós admitimos que o indivíduo é, em alguma medida, condicionado ou afetado pelo espírito da sociedade, um crime individual revela a corrupção da sociedade (HESCHEL, 1975, p. 16).

Essa punição generalizada, portanto, partia da crença na responsabilidade global e universal pelas misérias e tragédias da condição humana. O poder despótico existe porque todos são dele cúmplices, já que as suas loucuras irreligiosas deveriam bastar para desautorizá-lo e promover o seu fim – ou a voz do profeta seria suficiente para a sua supressão. O “dia de Deus” (Amós, 5:18), o momento em que o Criador atuará de forma irada contra os seres humanos é, entre outras coisas, um chamamento divino à responsabilidade dos homens diante de seus atos.
Amós avançou por fim num dos elementos mais significativos do discurso profético e de inumeráveis conseqüências para a história das idéias religiosas no Ocidente. Ele afirmou o caráter universal da Lei. Não se deve esquecer que, nessa época, as concepções ou as regras religiosas e jurídicas tinham basicamente legitimidade social e étnica. Seus limites de validade terminavam nas fronteiras de uma determinada cultura, povo ou grupo social, ou na amplitude de sua área de influência ou autoridade. A idéia de uma universal disseminação da humanidade, tanto no âmbito cultural quanto, principalmente, social, era muito difícil de ser equacionada em sociedades etnocentradas e profundamente hierarquizadas. Com razão se aponta o pensamento de Buddha como um dos primeiros, em torno do século VI a.C., a depreender inclinações universais humanas e pretender formular um sistema de validade universal. Mas os profetas também foram pioneiros, sob bases absolutamente distintas das de Buddha, no processo de entender a humanidade como uma totalidade cultural e social. O monoteísmo judaico, com efeito, trouxe junto consigo a idéia de que todos os homens apresentavam uma qualidade comum, a de serem descendentes de um mesmo ancestral criado “à imagem e semelhança”.
Com os profetas, o judaísmo amadurece como um sistema religioso de validade universal. Amós afirma, com efeito: “Vocês são para mim como os cuchitas, ó filhos de Israel – palavra de Iahweh. Não fiz Israel subir da terra do Egito, os filisteus de Caftor e os arameus de Quir?” (Amós, 9:7). Isto é, todos os homens são iguais em suas grandezas e misérias. Se o pacto entre Deus e os judeus é especial, isso não torna os judeus diferentes dos outros homens. Quando, mais tarde, Isaías escrever: “Eu virei, a fim de reunir todas as nações e línguas; elas virão e verão a minha glória... de todas as nações trarão todos os vossos irmãos como uma oferenda a Deus [...]” (Isaías, 66:18-20). Essa idéia será reafirmada: o pacto com os judeus é especial, mas possui validade universal, e todos os povos deverão, um dia, nele entrar. A ética religiosa judaica e as suas regras não dizem respeito apenas aos judeus, mas a todos os homens e é, levando em conta seus princípios, que Deus atua na história. Não apenas na história dos judeus, mas na história da humanidade. A ampliação dos horizontes religiosos do judaísmo será realizada numa escala nunca antes tentada por qualquer dos sistemas da Antigüidade no Ocidente.
Amós, portanto, representa um marco fundamental na gênese dos principais elementos do profetismo judaico. Ele introduziu no mundo antigo a crença na universalidade tanto da condição humana quanto de princípios éticos de perfil coletivista e igualitarista. Tais idéias, como sabemos, deram a tônica de grande parte dos processos que, a partir de então, tiveram lugar no Mediterrâneo Oriental e, depois, no mundo.
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Bnei Anusim Retornam ao Judaísmo no Brasil


28/02/2014 - 21:41 - Durante os dias 17 à 20 de fevereiro a Congregação Judaica P´nei Or coordenou trabalho para o retorno de Bnei Anusim ou “filhos dos forçados” (descendentes de judeus perseguidos pela Inquisição), na sua sede, na cidade de Petrópolis, Rio de Janeiro. O Beit Din (Tribunal Rabínico) foi presidido pelo Rabino Abraham Deleon Cohen, da Abarbanel Foundation de Miami (EUA) e seguiu todas as determinações daHalachá (Lei Judaica).

Rabino Deleon, é membro da Rabinical Association of Greater Miami e também do IFR - International Rabbinic Fellowship, Nova Iorque, EUA. É conhecido pelo se trabalho em várias comunidades de Bnei Anusim em países da América Latina, Europa e África. Além disso, exerceu os cargos de Rabino no Peru, na Colômbia e nos estados norte-americanos de Connecticut e Carolina do Norte.

Ao todo, 19 pessoas foram selecionadas para o processo, sendo avaliadas pelo Beit Din em diversos quesitos: documentações relacionadas à descendência, práticas judaicas em família, além das questões Haláchicas (de lei judaica). Todas passaram por entrevistas pessoais, para checagem das informações coletadas, além de avaliar seus conhecimentos e real desejo com relação ao Judaísmo. Vale lembrar que estes selecionados são uma ínfima parcela das inúmeras pessoas de várias partes do Brasil que candidataram ao Beit Din.

Em seguida, os candidatos fizeram uma declaração pública ao Beit Din, de compromisso com a Fé Judaica, renunciado a quaisquer resquícios de práticas religiosas do passado. Todo o processo envolveu Mikvê (imersão ritual), Brit Milá (circuncisão, no caso dos homens), além de muito empenho por parte de pessoas que vêm praticando e estudando Judaísmo há anos e pela primeira vez tiveram a oportunidade de estar em uma sinagoga, de fato. Candidatos vieram de Belém (PA), Porto Alegre(RS), Curitiba (PR), Ilhéus (BA) e Petrolina (PE), Juiz de Fora (MG), Nova Iguaçu (RJ) Itaboraí (RJ), Niterói (RJ) e Rio de Janeiro (RJ).

O Beit Din, que atuou durante quatro dias na sinagoga, finalizou seu trabalho com a entrega dos certificados de retorno (dentre os quais sete foram conversões), Bar e Bat Mitzvá, além das Ketubot(contratos religiosos de casamento). A cerimônia foi prestigiada por personalidades da Comunidade Judaica carioca, em especial sefaradita, que interagiu com os retornados numa bela festa, que coroou o trabalho. Este foi o terceiro Beit Din desta natureza no Brasil. O primeiro ocorreu em 2009, em Porto Seguro (BA) e o segundo em 2012, também pela P´nei Or.

O Brasil possui o maior número de Bnei Anusim em todo o mundo, fruto da terrível perseguição conduzida por séculos durante a Inquisição, que matou milhares de judeus, além de forçar um número ainda maior à conversão ao cristianismo. Segundo a maior autoridade no assunto, a historiadora Dra. Anita Waingort Novinsky, da USP, - que conhece e apóia o trabalho de retorno - existem milhões deles, sendo que hoje o mundo está experimentando como nunca, um despertar de pessoas buscando retornar às suas origens

Isaac Kayat
Presidente da Sinagoga P'NEIOR

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Doutores e Pescadores por Jayme Fucs Bar

É muito comum no Brasil que alguém como forma de respeito chama o outro de "Doutor",geralmente pessoas que se consideram "simples" e valoriza o outro por seu " grande conhecimento ".

Esse tema me fez chamar atenção de uma linda história que contou Paulo Freire antes de ele ser reconhecido como um grande pedagogo.

Se conta que dava aula de alfabetização numa aldeia de pescadores e as pessoas o chamava de Doutor por ele ter uma sabedoria que os demais pescadores não tinham.
Um dia quando ele estava dando aula, os alunos o chamaram atenção!

" Doutor Paulo Freire, é melhor o Doutor ir para casa que vai cair um temporal danado!"

Ele olhou para o céu e viu um dia claro com muitas nuvens, mais sem um sinal de chuva e pensou - " Essa gente inventa coisas mesmo!"

Passou uma hora depois e o céu ficou todo escuro e caiu um temporal que ele não pode voltar para casa.
No dia seguinte ao entrar na sala de aula perguntou - " Como vocês sabiam que ia cair um temporal?"

Eles responderam " Há é muito simples Doutor! Quando tem ventos forte sudoeste e muitas gaivotas voando nesta direção é sempre sinal de temporal"

Para Freire esse foi o momento que mudou o rumo de sua vida como educador, o fez entender que todas as pessoas têm um tipo de conhecimentos todos nos somos sábios em alguma coisa!
Freire para dar um sentido maior a essa particular situação pedagógica faz um desafio aos seus alunos.

" Eu farei 10 perguntas de minha sabedoria que vocês terão que responder!"

"Vocês farão 10 perguntas da sabedoria de vocês que eu terei que responde."

Freire o perguntou: "Que foi Sócrates? "

Todos riram pois não sabiam responder!

Eles perguntaram a Freire:

"Que período é a pesca dos camarões?"

Freire riu pois não sabia responder.

Freire nos ensina que todos nos somos "Doutores" em alguma coisa! E com certeza cada um tem muito que aprender com o outro.

A grande sabedoria de Freire não foi os seus anos de estudo de direito e depois como professor de alfabetização, mais sim a sua capacidade humana de entender que sua "sabedoria" era muito limitada, ele não era melhor que os pescadores e seu grande saber foi aprender a compreender a ter dignidade e respeito sobre o saber do outro.

O que é o conhecimento?

Essa é uma grande questão!

Médicos, professores, acadêmicos, lideranças religiosas, cientistas são com certeza seres com muito conhecimentos, mais como qualquer seres humanos são pessoas limitadas e muito limitados mesmo!

Ter certos conhecimentos não quer dizer que somos donos de verdades!

Quando minha falecida esposa estava num processo avançado no tratamento de câncer no hospital Hadassa de Jerusalém, nas mãos de uma das maiores especialistas no tratamento de leucemia do mundo, a doutora depois de usar todo o seu recurso e saberes nos declarou.

" Com todo o meu conhecimento de anos de estudo e pesquisa ainda estou muito limitada"

Sua franqueza nos tirou de um lado a esperança que seus "conhecimentos" a curaria do câncer, porém sua grandeza foi o seu lado humano que não nos deixar a cair no erro das ilusões.
Edgar Morin em seu livro os setes saberes necessários para educação no futuro nos alerta sobre o que é conhecimento!

" O ensino fornece conhecimento, fornece saberes. Porém, apesar de sua fundamental importância, nunca se ensina o que é, de fato, o conhecimento. Ao examinarmos as crenças do passado, concluímos que a maioria contém erros e ilusões."

Todos nos temos um tipo de conhecimento! Crenças, idéias, pensamentos, religiões e visão de mundo ,que estão constantemente vivendo erros e ilusões!

Temos que ter muita consciência que esses conhecimentos são extremamente importantes e validos na vida mais são conhecimentos ainda muito limitados. Vivemos no erro da ilusão onde pensamos que sabemos tudo, mais na verdade ainda pouco sabemos sobre nossas vidas e o mundo que nos rodea.

O grande desenvolvimento do conhecimento humano é um fato indiscutível e as proezas tecnológicas é deslumbrante, mais é nada mais que uma pequena partícula do que vem a ser o segredo oculto existente em nossas vidas e em nosso mundo.

O grande conhecimento e ser consciente das nossas limitações de nossas "verdades!

Eu acredito no que acredito!

Mais minha crença está muito limitada de ser uma verdade absoluta! Tenho consciência de minha limitação humana.

Sempre quando me perguntam.
"Por os rabinos usam Kipa se não está escrito na Torá?"

Eu respondo! "É para lembrar aos rabinos que eles não são Deuses e sim seres humanos de fraquezas e limitações. "

Saber de nossas limitações e fraquezas é uma forma de sabedoria, onde você complementa o seu vazio na sabedoria do outro e outro na sua sabedoria!

Exatamente como fez Paulo Freire, ao aprender através de sua limitação o grande valor que tem na sabedoria dos pescadores.

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Sant’Anna dos Judeus - Paulo Blank

“Guardai os vossos pandeiros, guardai: Porque este ano a Escola de Samba não sai”.
Asfaltaram o samba do Herivelto. De repente, neste domingo, sai o samba novamente.
Parece que vem com sotaque judeu.
Aí me lembrei do meu “ O Tal do Judeu”. Livro de 1989.
Lançado na Bookmaker da Edna Palatnik, inovadora das livrarias do Rio
Para o lançamento fizemos um filminho dirigido pelo Kaufman. Outra Praça Onze. Dos judeus vermelhos.
No filminho os roiters contam a sua história. Seu Schnaider canta Der Internatzional em Idish
Um poema do livro, interpretado pelo Jaime. Entrevistas com moradores da Praça.
As ultimas imagens da Idiche Avenide. A vila dos judeus. Tal qual era.
Um daqueles dias que marcam a vida sem a gente notar.
Sant’Anna, por onde andei, fazia esquina com a Julio do Carmo
Dobras da vida.
: https://www.youtube.com/watch?v=ZU2kJMwdM78&feature=youtu.be

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birkat hamazon versão ladino

Ya comimos y bevimos, y al Dio Santo Barour Hou ouBarour Chemo bendichimos; que nos dio y mos dara pan para comer y panyos para vestir, y anyos para bivir. Siempre mijor, nunca peor, nunca nos falte la meza del Criador.

esta oração està no livro dos judeus liberais em Genebra; lembro-me que minha mãe dizia esta reza, mas não prononciava o nome em hebreu. era a unica oração que me lembra de ouvir da boca da minha mãe, ou a oração para cozer o pão, que dizia murmurando...

obrigada  por me deixarem um espaço perto de vocês, sinto-me menos sozinha e fico contente de vos conhecer, pois sempre gostei muito dos brazileiros.

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Desde que o presidente dos EUA, Barack Obama, nomeou John Kerry como Secretário de Estado, a sociedade israelense discute em média uma polêmica a cada dois dias. Kerry, aparentemente, assumiu o cargo disposto a trocar o papel dos EUA de intermediário a catalizador do processo de paz entre israelenses e palestinos. De forma distinta de sua antecessora, Hilary Clinton, e do primeiro emissário nomeado por Obama, George Mitchell, o atual ministro do exterior, em um espaço curto de tempo, visitou a região diversas vezes, pressionou o primeiro ministro Netanyahu e o líder da Autoridade Palestina (AP) Mahmmoud Abbas a retornarem às negociações, e forçou a barra para que os dois governos tomassem posturas polêmicas, causando reações da sociedade e, principalmente, de segmentos mais linha dura do governo israelense. A grande pergunta a ser feita é: até que ponto o governo israelense, a AP e outras supostas influências compartilham da mesma vontade de Kerry?

Sou testemunha de que Kerry realmente está se esforçando: o Secretário de Estado já me fez esperá-lo passar por duas vezes até que viesse escoltado com seus mais de dez veículos, uma delas entre Guilo (bairro judaico em Jerusalém Oriental) e Belém e outra na Estrada 1 (que liga Jerusalém a Tel-Aviv). No último mês, seu nome foi visto nas capas de jornais e nas principais notícias dos maiores sites informativos israelenses, e sua foto aparecia nos telejornais quase todos os dias. Quase não se escuta nem lê mais o nome do Presidente dos EUA envolvido com o caso. Kerry assumiu o protagonismo da novela, mas para alguns ele vêm sendo uma verdadeira pedra no sapato.

Na semana passada, o jornalista Thomas Freedman, do diário norte-americano The New York Times, revelou a existência de um “Plano Kerry” para a solução do conflito. Este suposto plano causou forte repercussão na mídia israelense e provocou um terremoto no governo de Netanyahu. O plano não continha nada de novo, sendo inclusive muito parecido com a Iniciativa de Genebra: Criação de um Estado Palestino com base nas fronteiras de 1967; Jerusalém dividida, cada metade como capital de um Estado; a anexação de 80% dos assentamentos judaicos por Israel em troca de terras desabitadas próximas à linha verde; um Estado palestino desmilitarizado, mas com uma polícia comprometida com a contenção do terror e contando com tropas da OTAN em seu auxílio; o reconhecimento dos dois lados, de que a Palestina é o Estado nacional do povo palestino, e que Israel é o Estado nacional do povo judeu; e indenizações aos refugiados palestinos e aos judeus expulsos dos países árabes. Dois pontos levantados por Kerry, no entanto, são novos: a permanência de parte dos colonos israelenses na Palestina, que seriam convertidos a uma minoria judaica no Estado a ser criado; e um prazo de três anos para que todas as exigências sejam cumpridas após a assinatura do acordo.

Duas reações me surpreenderam: a não reação de nenhum elemento do governo à divisão de Jerusalém (até agora) e a aceitação de Netanyahu à existência de uma minoria judaica na Palestina. Era previsível, entretanto, que o líder do partido “HaBait HaYehudi” e Ministro da Economia e das Religiões, Naftali Bennet, reagisse. A quase tudo, diga-se de passagem. Assumindo o papel de “radical de direita do governo” 1, Bennet não faz o tipo que se dobra facilmente. À diferença de Liebermann e dos radicais do Likud, o Ministro da Economia não baseia seus argumentos somente na segurança nacional, mas principalmente em doutrinas religiosas. Bennet pertence a uma corrente nacionalista-religiosa (ou sionista-religiosa), oriúnda do primeiro movimento sionista ortodoxo. O partido posiciona-se contrário à criação de um Estado Palestino na Terra de Israel, alegando ser o povo judeu o dono deste território por direito, utilizando o Tanach 2 como referência, e chegou a propor um plano de anexação dos territórios C da Cirjordânia por Israel.

Naftali Bennet

Não só Netanyahu escutou críticas de Bennet. Nesta segunda-feira (03/fev), a atacada pelo ministro da economia foi a ministra da justiça e negociadora oficial do governo, Tzipi Livni. A líder do partido HaTnua foi repreendida por Bennet após, em uma discussão com o negociador palestino Saeb Erekat, ter respondido que ambos não deveriam atrelar-se a questões de narrativa sobre o passado, mas sim olhar para o futuro e aproveitar a oportunidade de chegar a um acordo 3. Naftali Bennet afirmou que Livni não poderia dar este tipo de resposta como membro do governo: “Narrativa? 2000 anos de nostalgia são narrativa? O Tanach é uma narrativa? Jerusalém é uma narrativa? Os dois Templos Sagrados são narrativas? Narrativa para quem busca as raizes do nosso fracasso nas últimas décadas – fracasso, pois eles falam em justiça e nós em narrativa. Desta forma eu farei o que a Ministra da Justiça, que deveria representar o povo judeu, não fez: a Terra de Israel foi recebida pelos nossos ancestrais há 3800 anos. No mesmo Tanach que acreditam muçulmanos, cristãos e judeus, está escrito: ‘vão para esta terra’. (…) A Terra de Israel pertencia ao povo judeu milhares de anos antes de os palestinos entrarem neste mundo.” Livni não respondeu. A crise entre os dois não é novidade: desde que Kerry (sim, novamente ele) começou a intermediar as negociações, os dois se estranham. A libertação de prisioneiros palestinos em troca da volta das negociações foi o suficiente para que toda a bancada do HaBait HaYehudit atacasse a Livni.

Naftali Bennet não é o único político a participar de polêmicas. O Ministro da Defesa israelense, Moshe Ayalon (Likud) foi mais um a envolver-se com Kerry: Ayalon afirmou que os palestinos não desejam paz e que o que os israelenses deveriam fazer é deixar o tempo passar até que o secretário de Estado norte-americano recebesse o Prêmio Nobel da Paz, pois era tudo o que ele desejava. O Departamento de Estado dos EUA e a Casa Branca reagiram de imediato. Ayalon foi obrigado a desculpar-se, mas seus ataques ao plano de Kerry não cessaram.

A última polêmica não tumultuou somente o governo, como também as relações entre Israel e os EUA. Determinados membros do governo (Ayalon, por exemplo) deixaram claro que com ou sem acordo Israel seguirá seu bom caminho normalmente. John Kerry compreendeu estas declarações como um certo menosprezo às suas tentativas e afirmou que, caso o acordo não prossiga, será difícil evitar um boicote internacional a Israel. Foi a senha para a bomba estourar 4! Boa parte da bancada do Likud, liderados pelo próprio Primeiro Ministro e pelo Ministro de Assuntos Estratégicos Yuval Steinitz, atacaram o discurso de Kerry. Netanyahu afirmou que o boicote não seria nem justo nem viável. Steinitz recomendou a Kerry pensar antes de discursar. Yair Lapid, Ministro das Finanças e líder do partido Yesh Atid, afirmou que não cortará os incentivos às colônias 5. Alguns membros dos partidos HaBait HaYehudi e Israel Beiteynu reagiram com menos cordialidade 6, e aproveitaram a brecha para criticar os palestinos. O assunto boicote (ou sanções) é bastante delicado no país: Israel é o país que mais faz pressão por sanções radicais ao Irã, e não admite ser colocado em igualdade de condições com a República Islâmica. John Kerry causou, ao mesmo tempo, uma grande crise interna no governo e um ódio mortal à sua pessoa.

Kerry (no meio), com Livni (à esquerda) e Erekat (à direita)

O Secretário de Estado dos EUA, no entanto, não parece próximo de desistir. Está acelerando o processo para que se assinem documentos antes da libertação da quarta leva de prisioneiros, no fim de março. A libertação de prisioneiros palestinos é sempre polêmica na sociedade israelense, uma vez que a maioria deles é acusada de ações terroristas (parte comprovada), causando a ira dos familiares das vítimas. Kerry demonstra não querer esperar este momento para progredir. Mahmmoud Abbas, até agora, desaprovou apenas um ponto: o reconhecimento de Israel como Estado judeu. Netanyahu afirma que esta recusa é suficiente para que a situação siga estagnada. Parece um ponto muito pequeno próximo a todas as outras questões juntas 7. A pergunta que fica é: o que acontecerá se Abbas vier a concordar com esta exigência? O governo Netanyahu tem vontade política de assinar este acordo? Caso este hipotético futuro chegue, eu espero que sim. Mas duvido 8. Kerry que me prove o contrário.

* O título é uma sugestão de Yair Mau.

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oração antiga dos judeus portuguêses em Amsterdam

BENDIGAMOS

Bendigamos al Altíssimo,

Al Senor que nos Crió,

démosle agradecimiento

pelos bienes que nos dió.

refrão:

Alabado sea su Santo Nombre,

porque siempre nos apiadó.

Load al Senor que es bueno,

que para siempre su merced.

 

Bendigamos al Altíssimo,

por su Ley primeramente,

que liga a nuestra raza

com el cielo continuamente.

refrão...

Bendigamos al Altíssimo,

por el pan segundamente,

y tambien por los manjares

que comimos juntamente.

 

Pues comimos y bebimos alegremente

su merced nunca nos faltó.

load al Senor que est bueno.

que para siempre su merced.

 

Bendita sea la casa esta,

El hogar de su presencia,

donde guardamos su fiesta,

con alegría e permanencia.

refrão

 

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Eu sou pedra : poésia para o canto de poétas e sonhadores

Eu sou pedra.

eu sou pedra no chão

que piza toda a gente.

eu sou pedra

do tumulo de Rachel,

que chora

pelos filhos em exilio,

agora.

eu sou muro,

resistente, onde te vens lamentar.

eu sou muralha,

presente !

eu sou pedra d'altar,

onde se abatem holocaustos.

eu sou Moria,

alicerce,fundamento.

eu sou pedra

ao teu lado

onde gravou Deus Sua Lei.

eu sou pedra de museu

tão antiga ! (...)

podes ler em mim tua historia !

eu sou pedra que grita...

mas que seria de mim

sem esta Presença de Deus

que me habita !

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